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sábado, 20 de dezembro de 2008

Noite feliz?!



Não sei quanto a vocês, mas para mim os dias têm passado cada vez mais rápido. Claro que têm dias que você reza para o tempo passar e depois de ter ficado meia hora fazendo hora, olha no relógio e vê que só passaram-se dois minutos, mas estou me remetendo ao “voar” dos dias e dos anos.
De uns dez anos para cá, o ano tem parecido um mês, as semanas, dias e os dias que deveriam ter 48 horas para se dar conta de todos os afazeres, restringem-se a poucas horas, que geralmente são “aproveitadas” dormindo, comendo e trabalhando.
As horas dedicadas ao prazer, ao lazer e à diversão têm se tornado cada dia mais escassas. E falo isso por mim, inclusive. Geralmente nos lembramos de dedicar nosso tempo a atividades prazerosas em épocas festivas, e é por isso que acho que o tempo está passando tão rápido.
Não temos tido tempo de aproveitar os minutos de nossas vidas, do nosso dia-a-dia, e ficamos esperando um feriado, uma data comemorativa para extravasar as energias e colocar antigos planos em prática, e para que isso ocorra fingimos que os demais dias não têm importância.
Sobrecarregamo-nos de afazeres, de coisas sem sentido, só para que a noite chegue rápido e possamos dormir (quando não ficamos insones) e o outro dia chegar logo, e vamos fazendo isso até o próximo feriado.
É mais ou menos assim: “Nossa ainda é segunda-feira, mas tudo bem, na próxima terça-feira é feriado, então eu vou suportar essa semana”. E você passa os dias contando as horas para chegar terça-feira, e faz planos, e se mata de trabalhar e quando chega na terça o dia passa que você nem vê e na quarta-feira, você se levanta vai para o trabalho e pensa: “daqui um mês tem carnaval”.
E com isso perdemos muitas vezes o significado das festas, dos feriados e principalmente dos nossos dias comuns. Lembro-me que quando era criança o Natal demorava uma vida para chegar e era uma expectativa tão grande que os preparativos vinham durante o ano todo, me comportando bem, sendo boa aluna e boa filha para receber o tão esperado presente.
E quando começava a contagem regressiva no SBT, ou aquela música (que particularmente acho triste): “Noite feliz, noite feliz! Oh, Senhor Deus de amor...", já me dava um frio na barriga.
Com o passar dos anos as emoções eram ativadas com outros sinais da proximidade do Natal como as propagandas dos ursos brancos e os caminhões iluminados da coca-cola que, ainda hoje, cortam o país.
Sem falar naquela melodia irritante que algumas pessoas adoram ouvir, pelo menos 10 vezes, durante a ceia de natal e que te faz perder o espírito natalino e querer quebrar o rádio na cabeça de alguém: "Então é Natal, e o que você fez? O ano termina e nasce outra vez".
Mas enfim, os dias custavam a passar naquela época. Hoje, quando ouvi a mensagem de final de ano de uma emissora de televisão, percebi o quanto muitas destas coisas, inclusive nossos dias, já perderam o significado para muitos de nós.
Criar mensagens de final de ano virou merchandising barato, tornou-se especulação, e não sei quanto a vocês mas ouvir que: “Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou...”, desde a década de setenta, já é demais para mim. Causa-me a impressão de que com a virada do ano todos os problemas e dificuldades serão simplesmente eliminados.
O que tenho mais ouvido nos últimos dias é a súplica para que o ano termine. E para quê? O que você pretende para o próximo ano que não conseguiu concluir neste ou que não possa iniciar nestes dias que ainda restam? Iniciar um ano novo, não significa deixar os sonhos e problemas de lado, e sim reafirmá-los, encará-los de frente. E isso você pode fazer hoje, agora, neste instante, sem que seja necessário pular sete ondas, comer sopa de lentilha ou vestir lingerie cor-de-rosa.
Não quero parecer amarga com essas palavras, nem lhes causar desânimo, pretendo apenas mostra-lhes (mostrar-me) que o tempo é um ótimo conselheiro e pode resolver muitas coisas, quando aproveitado intensamente.
Querer adiantar nossos dias não significa resgatar esperanças e sonhos, me parece muito mais medo do que se pretende deixar para depois. É como escolher uma Noite feliz e renunciar a uma Vida plenamente feliz.
Assim, por que deixar para o ano que vêm ao invés de colocar hoje, um ponto final em coisas que nos causam dores de estômago e de cabeça? Por que esperar mais um mês ou o final do ano para mudar seu estilo de vida? Por que concentrar todas suas energias em uma noite ou em uma data comemorativa, se tem todos os dias pela frente? Por que não cortar o cabelo hoje e vestir aquela roupa nova comprada há um mês na espera no Ano novo?
Recuso-me a concluir este texto, pois estas perguntas precisam de respostas e é a vocês que as peço. Deixo aqui esse texto sem fim para que você reflita e, além dos meus votos de um Feliz Natal e um Ano Novo maravilhoso, irei desejar-lhes incansavelmente felizes dias, felizes tardes e felizes noites!
E é isso, todo o resto é com vocês.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Boca Santa



Sempre gostei de plantas, de olhar para suas folhagens, tocá-las, sentir o perfume de suas flores, a textura de cada pétala, mas confesso que nunca fui detentora de muito conhecimento sobre elas.
Sempre tivemos plantas em casa, folhagens como samambaias, babosa e espada-de-são-jorge; floríferas como margaridas, hortênsias, azaléias e onze-horas; além das suculentas flor-de-maio e calonchoê. Minha mãe sempre foi uma amante de violetas e rosas, cresci a vendo cultivar dezenas de vasos e mudas, uma de cada cor, de cada espécie. Aprendi os segredos de seu cultivo e a respeitar o ciclo de cada planta que crescia em nosso jardim.
Meu pai era o responsável por tirar as ervas daninhas, adubar o jardim e podar as plantas. Minha mãe escolhia o local do plantio, reproduzia as mudas e fazia os arranjos que enfeitavam a casa. Eu só observava e morria de dó todas as vezes que via as roseiras podadas, e minha irmã, bem, esta nunca foi muito ligada às plantas.
Mas de todas as plantas que existiam em casa, uma em especial me deixa grandes recordações. Ela sempre esteve na frente de casa, é um misto de bananeira com arranjo artificial, pois suas flores parecem ser de mentira de tão belas e coloridas, costumava chamá-la de: a flor do pica-pau, mas hoje descobri que a Strelitzia reginae, pode ser popularmente chamada de Ave-do-paraíso, você já deve tê-la visto, uma folhagem verde exuberante que protege as flores alaranjadas com toque de lilás e bordô, um primor.
Hoje minha mãe já não cultiva violetas, deixou esse hobby de lado para dedicar-se a planos mais sublimes que lhe tomam muito tempo, me lembro, contudo, que um dos motivos que a fez deixar o cultivo foi o fato de ter perdido grande parte de suas plantas com uma praga muito conhecida e popularmente chamada de mau-olhado, quebranto ou ainda boca santa.O jardim continuou mas a coleção de violetas se foi.
Eu cresci, me mudei de casa e mantive o amor pelas plantas. Quando fui morar em Franca/SP para cursar minha faculdade levei uma samambaia e uma violeta para me fazerem companhia. A violeta não se adaptou muito ao pequeno apartamento, morreu em menos de um mês, mas a samambaia por incrível que pareça adorou o ambiente, tanto que tinha que fazer podas freqüentes, pois ela começou a tomar mais espaço do que devia. Passou comigo os quatro anos da faculdade e ganhou o nome de Cazé.
Além da Cazé tinha uma coleção de mini cactos, uma ótima escolha para quem vive em apartamento, entre eles tinha um preferido, o ganhei de minha avó e o plantei em um vaso bem colorido trazido por um amigo maravilhoso que vive em Barcelona. Ainda hoje, não sei de que espécie esse cacto é, mas continua cada dia mais lindo, agora na casa dos meus pais.
As plantas no apartamento representavam companhia e eram um amuleto contra a inveja de visitas indesejáveis, como dizia minha mãe: “antes nelas do que em você”. Por via das dúvidas , melhor tê-las, visto que algumas vezes tive que dar atenção redobrada a Cazé que era quem mais sofria com a praga do mau-olhado.
Hoje, em outra cidade, em outro apartamento, ainda tenho plantas, ou pelo menos tento tê-las. Há pouco mais de seis meses comprei uma pimenteira, carregada, linda, linda. Ela ia bem, até eu sair de férias, foi quando tive que delegar as minhas colegas de república a função de colocá-la no sol, e aguá-la.
Até hoje não sei direito o que aconteceu, sei que quando voltei das férias, a pimenteira ainda estava lá, só que duas vezes maior que seu tamanho natural e com umas pimentas gigantes.
- Cadê a minha pimenteira?
- Na cozinha, você não viu?
- Vi a irmã mais velha dela, ela não.
- Xi, ela percebeu.
- E vocês achavam que eu não ia perceber que esta não é a minha pimenteira?
- Olha, nós tentamos achar uma igualzinha, mas não tinham vasos menores, então, trouxemos esta mesmo.
- Ok, mas e a minha, onde está?
- Estávamos tentando reanimá-la, mas a faxineira veio e jogou fora. Quando chegamos e perguntamos pela planta ela disse que estava morta e que ela tinha jogado no lixo. O jeito foi tentar substituí-la, mas não deu muito certo não é?
Rimos a noite toda dessa situação, acolhi a nova integrante da casa e proibi as meninas de sequer chegar perto dela, só assim poderia garantir sua integridade física.
Ainda hoje, elas culpam a faxineira que vivia elogiando a planta, mas acho que a culpa foi minha que esqueci de falar que além de colocar no sol, era preciso tirar a planta de lá às vezes. E se a culpa não foi minha e nem delas, pode ter sido mesmo daquela praga popular: o mau-olhado, que provavelmente partiu dos olhos arregalados da faxineira que não perdia a oportunidade de colher umas pimentinhas e dizer:
- Mas que beleza de pimenteira hein?!
Essa é a típica boca santa,ou melhor, Dona Cida, nossa faxineira.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Guajira, guantanamera. Guajira, quanta lamera!



O meu trabalho apresenta algumas peculiaridades, além do que lhe é comum, tenho alguns dias de plantão, e não é um plantão médico, é um plantão da defesa civil. Em casos de emergência, calamidades e tragédias gregas somos acionados.
O bom é que posso ficar em casa e sou chamada só em caso de ocorrência, o ruim é que fico presa na cidade e não posso me distanciar muito daqui. O bom é que recebo hora-extra quando as ocorrências surgem e o ruim é que quando isso acontece alguém perdeu tudo do pouco que possuía. Isso me lembra uma conversa que tive com um querido amigo esses dias, diz ele que precisou imobilizar o pé após uma cirurgia e enquanto a enfermeira o engessava ele perguntou:
- Engessando muitas pernas?
- Graças a Deus, foi o que ela respondeu.
Mas enfim, era um sábado, como qualquer outro se não fosse pela chuva torrencial que caiu na sexta-feira à noite e pelo fato do plantão ser meu. Às 8:00h o telefone toca e meu chefe, bem humorado, diz:
- Taline? Já está de galochas?
- Não, não tenho galochas aqui. Tem ocorrência?
- Sim, precisa de quanto tempo pra ficar pronta?
É quando me vejo de pijama, com muito sono e de mau humor, lembro do café da manhã que não tomei e do banho que preciso pra despertar, preciso de no mínimo cinco horas, o que acha?
- Trinta minutos, pode ser?
- Pode.
- Quem vem me buscar?
- A guarda municipal.
- Ok.
- Boa sorte.
Sorte. Sorte teria se não tivesse ocorrência, teria mais sorte ainda se pudesse ter dormido pelo menos até às dez. Mas é assim, não adianta resmungar, o jeito é optar pelo café ou pelo banho e aproveitar bem meus trinta minutos. Escolho o banho e um copo de leite, já que tomar café da manhã e dormir até passar o mau humor em trinta minutos não seria possível.
Procuro um sapato que seja compatível com a situação e não encontro as galochas, escolho um tênis, calça jeans e uma camiseta branca. Crachá no pescoço, colete da defesa civil, prancheta e caneta, nas mãos, é, estou pronta.
A guarda municipal chega e os companheiros de plantão além do interfone, optam pela buzina e pela sirene. Entro na viatura e observo os vizinhos do prédio na janela, no mínimo pensando que cometi algum crime ou que a culpa pelo aumento da conta de água do condomínio ou ainda pela fome no mundo é minha, mas é assim, não teria nem tempo nem disposição de explicar a situação, melhor deixar que pensem qualquer coisa, já tinha problemas demais à vista.
Pergunto onde é a ocorrência e escuto a comunicação no rádio da viatura:
- Fulano de tal, residente no bairro tal, localizado onde Judas perdeu as meias.
- É hoje, pensei.
Imagine um lugar longe, agora some a distância de São José do Rio Pardo/SP a Casa Branca/SP, foi ainda um pouco à frente que me vi depois de quarenta minutos sentada no banco de traz de uma viatura da guarda municipal que acabava de parar bruscamente:
- O que aconteceu?
- Não posso seguir, tem muita lama.
- Como assim não pode? Onde é a casa?
- Acho que daqui umas duas quadras.
- E como eu vou chegar lá no meio dessa lama?
- Ah não sei, só sei que não vou colocar a viatura lá, é muita lama.
- E qual dos dois vai me acompanhar?
- Par!
- Ímpar!
A porta se abre e eu desço. Lama, muita lama, mal conseguia andar. Um dos guardas me acompanha, aquele que perdeu no par ou ímpar, quase caio sentada na lama e penso nas galochas que não tenho, no tênis que com certeza não seria recuperado e no meu estômago roncando.
Os vizinhos se amontoavam e ridicularizavam a cena, eu e o guarda municipal nos equilibrando na rua como se fosse em uma pista de sabão. Com muito custo encontramos a residência invadida pela lama. Fui recebida por uma pessoa muito nervosa e por vizinhos curiosos. Recepção calorosa, pensei.
O telefone toca e é meu chefe perguntando como estou. Eu estou ótima, mas a casa, o dono dela e a vizinhança estavam irritados e eu buscando uma saída para algo que aparentemente não tinha solução.
Aos poucos fui dando os encaminhamentos necessários e deixando o caos sob controle. Nada que quatros horas de conversa e negociação não se resolva. Bom, trabalho cumprido, hora de voltar para casa e para meu sábado.
- Vamos?
- Acabou? Achei que não ia embora hoje.
- Avisei que ia demorar, é assim mesmo.
- Mas eu estou com fome. Já são 13:00h e eu não almocei.
- Pois eu também não almocei, nem tomei café da manhã.
- Mas agora você vai para casa e a gente fica de plantão até as 18:00h.
- Agora eu vou para casa fazer relatórios, conseguir doação de móveis, roupas, material de escola e alimentos, isso se não tiver outra ocorrência, pois meu plantão vai até a meia-noite.
Ele não se atreveu a retrucar. Fim de papo, chego em casa, com o pé cheio de lama, desço da viatura, alguns vizinhos na sacada. Tiro o tênis, que é puro barro, dou adeus à viatura e entro no prédio. Escuto uns buchichos dos vizinhos e o melhor deles, que me fez subir as escadas de meias e sorrindo foi:
- Nossa, devem ter dado uma prensa boa nela, desde aquela hora e com o pé todo sujo de lama. Coitada!
Minha vizinha passou a manhã toda daquele sábado esperando o desfecho desta história, ou melhor, da história que ela criou, pois desta, ela provavelmente nunca ficará sabendo. E eu achando que tinha perdido meu sábado...Que gente mais engraçada e ociosa! Vizinhos!

sábado, 29 de novembro de 2008

Coisas que me irritam...


Sei que assim como eu, você com certeza já deve ter passado por isso. Tem coisas que você faz e te irritam, tem coisas que você deixa de fazer e te irritam ainda mais. E nestas horas temos a mania errada de tentar achar culpados.
Sempre é mais fácil jogar a culpa no vizinho, no irmão caçula, no cunhado, no namorado ou no chefe quando algo não vai bem, afinal, errar já é complicado, traz um monte de problemas e, admitir o erro, bem, isso seria admitir que você fez uma grande besteira e ninguém gosta de se sentir uma besta, não é?
Pois bem, hoje meu intuito é alertar, especialmente a mim mesma, sobre as besteiras e erros que vivo cometendo e me irritam. Creio que muito disso já serviu, serve ou servirá para você também, cedo ou tarde, porque infelizmente todos erram, um dia ou outro, e alguns têm a proeza de errar em todos eles, assim, convém anotar algumas dicas.
Mais uma vez começo com um assunto que sempre está presente, nesta coluna e na minha vida, com certeza já sabem que se trata dos meus fracassos amorosos, e é isso mesmo, fazer o quê, esse negócio de amor não funciona mesmo comigo, mas esse não é o problema, o problema é a insistência. Meu Deus! Como sou insistente.
Geralmente não me convenço com um simples “não deu certo, foi melhor assim”, meus relacionamentos têm que acabar de forma trágica, deixando marcas profundas, prejuízos com caixas de lenços e sabem de quem é a culpa? É toda minha. Eu teimo, não me conformo, busco uma explicação, a reconquista, até que escuto ou vejo o que não quero e então, eu sossego. E é bem ai que me sinto uma besta: “como pude procurá-lo outra vez?”.
Mas não é só em relacionamentos que faço coisas que me irritam. Creio que todos vocês já precisaram fazer uma bateria de exames, sejam eles pré-operatórios, pré-nupciais ou de rotina. Aliás, quem sente tontura e náusea só de ouvir falar em sangue é melhor pular o próximo parágrafo. Pois bem, aviso dado, eis o fato.
Dia desses fui fazer um exame de sangue, escolhi um laboratório conceituado e lá estava, às sete da manhã, de jejum, de mau-humor e com uma agulha no braço. Terminada a tortura colocaram um curativinho na picada e me disseram para segurá-lo. Cumpro metodicamente a instrução e em menos de um minuto começa a jorrar sangue do meu braço, e jorrar aqui não é exagero, era muito sangue, manchei a roupa, a bolsa e o chão.
Quando a enfermeira viu me disse que era normal e que a culpa era minha, pois não tinha apertado direito o curativo. Pois é, realmente a culpa foi minha. Não por não ter apertado o curativo direito, pois o fiz, mas por confiar em um laboratório que apesar de conceituado, há alguns meses tinha me deixado com o braço roxo, inchaço e dolorido após uma simples coleta de sangue. A reclamação na ouvidoria me rendeu uma pomada antiinflamatória e a minha culpa, visto que mesmo já tendo passado por isso, voltei lá.
Consigo, ainda, me irritar profundamente quando procuro uma roupa no armário e a encontro no cesto de roupa suja, sem tê-la usado, ou simplesmente não a encontro. Fico louca da vida e sabe o que eu faço? Nada. Porque a culpa é toda minha. Eu que tenho a mania de deixar muitas coisas para lá acabo não dizendo que nem tudo pode ser emprestado sem consentimento, que nem tudo que é meu é de todos e ser altruísta demais acaba nisso. E sabe por que não falo nada? Porque senão vou ter que escutar: “nossa como você é egoísta, daqui não se leva nada”. E concordo, não se leva nada daqui, nem mesmo minhas roupas novas, porque essas eu nunca encontro.
Sinto-me uma idiota completa quando meu chefe diz que tenho que trabalhar algumas horas a mais por dia e aos finais de semana, e sabe o que respondo? Nada. Ao mesmo tempo me lembro dos compromissos que terão que ser adiados, das viagens que serão interrompidas, do stress que irei acumular, do trabalho que não conseguirei terminar e quando ele diz que vou receber hora extra dou um sorrisinho e digo: “tudo bem, quando eu começo?”.
E quando chega o final de semana e não posso viajar porque tenho que trabalhar, não posso sair porque estou cansada demais para isso , me sinto uma tola. Afinal, a culpa é minha. Podia ter dito que não, perder uma promoção no emprego e ganhar qualidade de vida, mas diriam que isso é errado, mesmo que desse mundo não se leva nada, perder uma chance dessas não seria bom, não é?
E é assim, acabamos nos irritando com nós mesmos diariamente e isso é muito pior do que quando os outros nos irritam. Com os outros você pode soltar um palavrão e sentir-se aliviado, mas quando o culpado é você um xingamento não basta. A sensação de ser uma besta toma conta de você, e o problema maior é que ela não dura por muito tempo, logo você esquece, deixa para lá, se acomoda com a nova rotina e acaba compensando seus erros com coisas que nunca valeram muito a pena.
Então eu pergunto, por que nos acomodamos? Por que deixamos de nos irritar? Por que deixamos a besta de lado e passamos a ser cordeirinhos que aceitam tudo o que é dito pelo senso comum? Por que ficar calado quando você tem razão? Por que trabalhar até seu limite se não terá nem disposição para gastar o reajuste salarial? Por que insistir num amor que te machuca tanto? Por que temos sempre que ver para crer e rever para acreditar piamente?
Para essas perguntas eu não tenho respostas. E isso me irrita. E sabe de quem é a culpa? É toda minha.

sábado, 22 de novembro de 2008

Papa o quê? Gaio!


Andar de ônibus não é a melhor coisa do mundo, principalmente às sete horas da manhã, após ficar quinze minutos em uma fila e logo em seguida perceber que aquela pessoa que estava atrás de você conseguiu viajar sentada e você não.
Mas isso não acontece sempre, no máximo cinco vezes por semana, especialmente nas quartas e quintas-feiras, que creio eu, sejam os dias em que as diaristas são mais procuradas. Afirmo isso porque a linha que uso para ir trabalhar passa por um dos maiores condomínios da cidade, o ônibus sai abarrotado do terminal, e lá se esvazia, como se fosse mágica!
Bem, dia desses, quando me adiantei e pude ficar vinte minutos em pé na fila e finalmente conseguir meu lugar ao sol, digo, no ônibus, presenciei uma conversa no mínimo animada.
Sei que é falta de educação ouvir a conversa dos outros, mas neste caso foi impossível não ouvir, por três motivos em especial: meu mp3 estava sem bateria, a pessoa que viajava ao meu lado estava dormindo e principalmente pelo tom de voz e gargalhadas que me chamaram a atenção para o assunto.
Sentei-me nas primeiras poltronas e logo atrás de mim duas diaristas conversavam animadamente. Não me atrevi a olhar para trás e identificar seus semblantes, mas pela voz consigo imaginá-las. Aliás, esse é um exercício que gosto de fazer, escuto a voz das pessoas e crio uma imagem delas na mente, depois olho para ver a realidade, já me surpreendi tantas vezes que não posso afirmar se são reais ou não, mas tentarei descrevê-las pelo que pude ouvir.
Umas delas tinha a voz bem aguda, e uma risada contagiante, imagino que seja baixa, cheinha, de cabelos compridos e presos em um coque. A outra falava e ria baixinho, creio que era alta e magra, cabelos crespos e rosto tímido.
A conversa começou com notícias rotineiras e a programação do final de semana, afinal, já estávamos em uma quinta-feira, até ai tudo bem, mas o que me chamou a atenção foi o seguinte diálogo:
- Qual será a novidade de hoje hein?
- Ah não quero nem saber. Da última vez ela me apareceu com um papagaio!
- Papa o quê?
- Gaio!
- Verdade?
- Juro por Deus! Minha patroa tem cada idéia...
- E você cuida do bicho?
- Eu cuido de tudo lá, tenho que cuidar do papagaio também. No começo não gostava não, bicho esquisito, soltava um monte de penas, fazia uma sujeira danada e ainda me bicava, me rasgou duas blusas!
- E a patroa te deu outra?
- Até parece! Ela riu.
- E você?
- Ri também ué...vou fazer o quê? Mas cheguei a imaginar o bicho depenado e bem fritinho! Com uma cervejinha hein?!
Nessa hora as duas gargalharam muito, a ponto de perceber por suas sombras que chacoalhavam o corpo. Só pararam de rir quando uma das duas perguntou:
- Mas o papagaio ainda te bica?
- Não, agora somos amigos! Ele até conversa comigo. O danado é esperto que só vendo! Toda vez que a gata deles pega algum passarinho ele grita, grita até que eu apareça. Então tiro o bichinho da boca da gata e ele ri bem alto.
- E a gata?
- Me unha e depois corre!
- Mas você não tem sorte com esses bichos não hein?!
Novas gargalhadas e um suspiro bem fundo. O ônibus se aproximava do condomínio:
- É... chegamos.
- Pois é, a melhor parte do dia acabou.
- E não é mesmo?
- Vamos ver qual será a novidade de hoje.
Que seja uma novidade agradável e que lhes mostre que o dia pode ter coisas bem melhores do que uma conversa no ônibus, pensei.
Não tive coragem de olhá-las e conhecer seus semblantes, preferi guardar a impressão que tive durante a conversa, e eternizar aquele momento e aquelas gargalhadas neste texto.
Passei o resto do dia pensando naquela fala, e na diferença que existe entre nossos interesses e realidades. Os valores e prioridades de uns nem sempre são os mesmos de outros. Eu mesma, nunca gostei de viajar naquele ônibus lotado às sete da manhã e para aquelas duas mulheres essa era a melhor hora do dia.
Fiquei imaginando que a minha melhor hora do dia poderia ser um sonho para elas ou simplesmente nada significar, mas sabe o que mais me inquietou? Não consegui definir qual a melhor hora do meu dia... Será que você poderia sem pensar dizer qual a melhor hora do seu?Creio que já está na hora de retomar meu otimismo e voltar a sentir prazer nas pequenas coisas da vida, estas sim nos enchem de esperança e nos permitem um recomeçar melhor, um viver melhor. Afinal, melhor rir e papagaiar do que chorar, não acham?

sábado, 15 de novembro de 2008

A ópera



Seria uma noite comum, como qualquer noite de sábado nesta cidade, não fossem por dois motivos: o espetáculo que nos aguardava e a companhia. A noite reluzia clara, uma lua cheia que dispensava a iluminação pública, algumas estrelas e uma brisa leve.
Ele chegou na hora marcada, me deu um beijo de boa noite e sua mão para descermos a escada do prédio. Estava ansioso, parecia uma criança que pela primeira vez iria ao cinema. Sorriu para mim com aquele jeito de menino e nos dirigimos ao espetáculo.
Chegamos ao teatro de arena, todo iluminado por tochas, uma maré de gente cobria os assentos, com um pouco de dificuldade encontramos dois lugares e nos acomodamos. Em breve seria iniciado o espetáculo. Estávamos ali para assistir uma ópera: Carmen, de Georges Bizet, espetáculo dramático de origem francesa que me deixou sem fôlego quando assisti pela primeira vez. Desta vez, contudo, apesar de não ser a primeira me marcou profundamente, não pelos atores ou pelo enredo, mas por alguém que se sentou bem ao meu lado.
Olhei para o lado e o observei, as mãos entrelaçadas, as pernas inquietas e os olhos brilhando como nunca havia visto. Tudo o encantava, as pessoas ali presentes, a história da ópera que havia lhe adiantado no trajeto até o local, a iluminação, a lua e claro, o espetáculo.
O amor puro de Micaela por Don José e o amor platônico deste por Carmen, nos levaram a entender as encruzilhadas deste drama e a nos comover com suas histórias descritas em cada ato, diria mais, diria que fomos capazes de nos identificar com seus sentimentos.
Ele, sentado ali, bem ao meu lado, poderia assumir o papel de Don José que perde a razão ao se envolver com Carmen, uma cigana que o fascina e hipnotiza com seu canto e dança e eu, bem, eu caberia muito bem no papel de Micaela que tenta resgatar seu amado deste futuro destrutivo ao lado da cigana. A cigana não se chama Carmen na vida real, talvez nem tenha forma física, mas pode ser considerada uma metáfora para as mazelas do mundo e para aquelas tentações que nos fazem perder o chão.
O fato é que esta ópera nos marcou, nos levou ao mundo íntimo das personagens e descobrimos em seus segredos nossos medos. O medo do envolvimento, da rejeição, o medo do desamor e da paixão. Assim, como o amor puro não impede a tragédia no fim desta ópera, também não consegui livrá-lo de seus medos. Não o livrei do medo de apaixonar-se, não me livrei do medo do envolvimento.
Pude segurar em suas mãos durante toda aquela noite e fazê-lo sentir que estava ali, bem próxima, para mostrar-lhe um mundo novo e quem sabe me permitir uma nova chance ao lado de alguém tão especial.
Ver seu sorriso e os olhos marejados enquanto me dizia obrigado, em meio ao som de “bravo, bravíssimo” da platéia após o fim do espetáculo, me fez saber que esse momento estaria eternizado em sua mente. Soube que o havia marcado para sempre, mas estar presente em alguns momentos na vida de alguém, não te assegura que estará presente em todos os momentos da vida deste alguém.
A noite terminou fria, sem um beijo de bom dia. Fui vencida por Carmen, pelos medos desta vida humana que tanto me inquieta. E se quer saber se valeu à pena, pois é, creio que um momento de alegria bem vivido suprime muitas lágrimas. Apesar de tudo, ele me fez feliz e me permitiu contar a vocês sobre esta noite, que marcou o fim de mais uma das minhas histórias de amor.

sábado, 8 de novembro de 2008

O hidrante


Eis o hidrante. O inspirador da crônica desta semana. Aguardo comentários, postagem logo abaixo...

sábado, 1 de novembro de 2008

A resposta


Eram os primeiros dias da primavera, mas o vento forte e frio deixava o amanhecer com cara de inverno. As árvores já mostravam sua folhagem nova, verdinha, verdinha, algumas arriscavam pequenas flores coloridas que encantavam o olhar dos transeuntes. O vento soprava fundo, assoviava alto e quase levava as árvores de um lado a outro como pêndulos de um relógio antigo.
Naquele dia em especial observou pela janela do quarto e viu o balançar das árvores, decidiu tirar a blusa cor-de-rosa e colocar uma branca com gola alta, escolheu o casaco preto com capuz e um cachecol colorido. Saiu sem lenço, nem documento. Era seu dia de folga, pensou apenas em caminhar, por horas se fosse necessário, até que encontrasse a resposta.
Caminhou por alguns minutos até a margem do rio, debruçou-se na beira e respirou fundo. O ar não era puro, nem o cheiro muito agradável, mas sentiu-se livre, como há muito não se sentia. Continuou a caminhar e sentia seu rosto cortando com o vento, pensou em voltar mas não teve vontade suficiente, continuaria até onde fosse preciso.
O sol escondeu-se entre as nuvens escuras e algumas gotas respingaram sobre sua pele, não era o melhor dia para tomar chuva, afinal o frio era real, contudo, não voltaria para casa por motivo algum naquele dia, não enquanto não encontrasse a resposta.
A chuva parou. Sentou-se na grama verdinha de um campo próximo dali e olhou para o alto, as nuvens iam e vinham, mudavam de cor bem na sua frente apresentando e escondendo o sol. Lembrou-se dos últimos dias. Novamente tentou entender e não conseguiu.
Viu duas crianças se aproximarem correndo, uma delas tinha linha na mão, a outra olhava para o alto, estavam soltando pipa. Outro garoto chegou logo em seguida, sem linha ou pipa, no alto dos braços levava apenas o casaco aberto que ganhava forma com o vento, parecia outro menino sobre sua cabeça. Minutos depois ele soltou o capuz do casaco e o observou rodopiar pelo céu. Gira, gira, paira no ar como um pássaro. Ele abre a boca num largo sorriso. Os outros garotos olham e sorriem, correm em busca do capuz, que é levado para longe com o vento. No mesmo instante o capuz do casaco preto é colocado sobre a cabeça, a imaginação pára, volta a sentir o frio e a tentar entender, mas ainda não consegue.
Depois de algumas horas decide retornar, tira o capuz e solta o cachecol colorido. O vento a surpreende e carrega o cachecol, lânguido e leve voa alto, mais alto que o capuz. Colorido, parece um mar de borboletas. As crianças voltam e tentam resgatá-lo. Ela simplesmente olha.
O cachecol na mão dos garotos transforma-se em capa de super-herói, vira um turbante e uma venda para cabra-cega, serve também para esconder o pescoço do frio, mas do que isso importa? Enfim descobrira a resposta. O sol surgiu.
Naquele instante descobriu o sentido para muitas coisas, entendeu a explicação para tantas outras, descobriu que para se obter algumas respostas não são necessárias perguntas, percebeu que as respostas sempre estão a nossa disposição, basta escolhê-las, basta querer enxergá-las, descobriu isso bem ali, naquele campo, num dia frio, através do sorriso puro daquelas crianças ao brincar com aquele cachecol colorido.

sábado, 25 de outubro de 2008

O recheio é a melhor parte? Então, coma primeiro!



Não faz muito tempo que mantinha uma mania boba, uma mania que não sei de onde surgiu, só sei que já me fez perder muitos bons momentos e me impediu de aproveitar tantos outros intensamente.
Tinha uma mania boba de deixar a melhor parte para o final. Em tudo, absolutamente tudo. Tinha uma mania boba de achar que a melhor parte deveria ser deixada para o último instante, acreditava que assim, fecharia com chave de ouro qualquer acontecimento deixando o melhor para o fim.
Fazia planos incríveis e sempre escolhia sua melhor parte e a deixava para depois, planejava uma viagem mas sempre deixava para o final (do ano, da faculdade, do curso, da formatura). Pensava em um lugar que sempre quis estar e deixava para a lua-de-mel, para viajar com os futuros filhos, enfim, os melhores planos sempre eram deixados para os momentos que eu julgava serem os mais importantes, os insubstituíveis e que, portanto, deveriam ser perfeitos.
Comprava uma roupa nova e separava para uma ocasião especial, geralmente ela nem existia ainda, mas se um dia aparecesse lá estaria. Costumava separar minhas roupas em roupa para sair, para trabalhar e para ficar em casa, era inconcebível usar uma blusa novinha em folha para ir trabalhar, “gastar a roupa”? De jeito nenhum!
Escolhia um pastel ou uma empada pelo recheio, mas comia primeiro as bordas, todas elas, aquele monte de massa, até que sobrava só o recheio e então comia, mas já não tinha o mesmo sabor, também, depois de comer tanta massa que graça teria o recheio?
Antes do almoço escolhia a sobremesa e nunca me atrevia a experimentá-la antes da comida, não sei se por conta das broncas que já levei na infância por mordiscar doces antes da refeição, ou pelo simples fato de deixar o melhor para o final.
Acontece que um dia a morte apareceu na minha vida. Como num pulo breve e ágil levou em seus braços alguém muito querido, alguém que eu achava que ia viver 200 anos, e que eu considerava a pessoa mais saudável desse mundo, não bebia, não fumava, não comia carne, praticava esportes, era muito paciente e feliz, com uma família linda. Mas para a morte não existe argumento que baste, quando ela cisma, o que nos resta é reforçar nossa fé e seguir. Confesso que já soube de muita gente que morreu assim ou assado, aqui ou acolá, de “morte morrida ou matada”, mas nunca tinha parado para refletir sobre isso, até este momento.
Tem pessoas que adoecem e se vão, deixam saudades, mas a doença prepara o coração dos seus para um adeus mais ameno, para esses a morte permite um fim mais longo,arrastado, contudo, geralmente mais doloroso. Outros partem sem avisar, são levados pelos braços sem nem mesmo conseguir dizer adeus, deixam corações aflitos, planos por terminar, deixam contas a pagar e coisas para fazer. Simplesmente vão, muitas vezes pela metade, sem ter tido tempo de deliciar-se com a sobremesa, de declarar seu grande amor ,de vestir a roupa nova ou de chegar ao recheio.
O que quero dizer com isso é que tantas vezes adiamos nossos melhores planos, deixamos de nos sentir bonitas e atraentes guardando uma roupa no armário, nos martirizando com o trabalho, deixando para outro dia ou para mais tarde o cinema, os amigos, a família e a sobremesa, com a certeza de que no final do ano, ou da semana, ou do dia a gente realiza o programado e no entanto nos esquecemos de que nem tudo é passível de planejamento com hora, dia e ano certo para acontecer.
Então, use sua melhor roupa para ir até o supermercado, você pode encontrar o amor da sua vida na fila do pão. Use salto alto para ficar em casa e sempre que tiver vontade trabalhe de chinelos. Passe batom e escove os cabelos antes de dormir. Coma a sobremesa e todo o resto que quiser quando sentir vontade, e se o recheio é a melhor parte, então, coma primeiro.
Não faça planos longos demais, feche os olhos e aponte o mapa, coloque roupas na mochila e compre a passagem de ônibus, vá, arrisque-se, viva intensamente. Declare-se, não dispense um amor verdadeiro, tente, dê uma chance a quem gosta realmente de você, lute pelo que acredita.
Trabalhe, não muito e nem pouco, o suficiente para que possa viver bem. Gaste seu dinheiro com coisas que te dão alegria, com pessoas que te fazem bem, os banqueiros não dão a mínima para você, apreciam apenas sua conta bancária. Enfim, viva cada dia, cada segundo, de modo que ele dure o tempo suficiente para que tenha valido a pena, para que tenha ao menos deixado algo de bom!
E se for para morrer, que seja de tanto rir, que seja de amor, de alegria, de prazer e em último caso que seja de saudade. Saudade de pessoas e de momentos que pudemos compartilhar e viver intensamente. Momentos em que pudemos aproveitar tudo, por inteiro, as bordas, o recheio, cada migalha, o começo, o meio e o fim.
Resumindo, diria que devemos nos apropriar da frase utilizada pelo poeta e filósofo Horácio, que desde os anos 20 a.C., aproximadamente, já nos dizia: “carpe diem quam minimum credula postero” (colha o dia, confia o mínimo no amanhã). Isso é o que desejo. É o que preciso colocar em prática, é o que sempre soube, mas nunca tive coragem de fazer...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A felicidade vem de elevador



O mês é maio, o ano 2004, o clima frio, o céu estrelado, o que a move é seu coração, o que lhe assombra é a ilusão, eis que surge uma nova história, um amor sem final feliz, mais um amor, um amor para recordar.
A vida afetiva não era convidativa, a tristeza tomava conta do seu peito. Estava desiludida, desamparada, buscava um novo amor. Em seu caminho só decepção. Conheceu algumas pessoas interessantes, outras cruzaram sua vida e passaram despercebidas. O vazio continuava.
O coração apertado, cansado, com medo de uma nova cicatriz decide interromper a busca. Resgata seu amor-próprio e, só, volta a sorrir.
Foi quando ele apareceu. Alto, com um sorriso lindo, olhos brilhantes, voz forte, inteligente, bom papo, engraçado e tímido.
Almoçaram juntos. Viam-se diariamente, tinham alguns amigos em comum, interesses diversos, sentimentos estranhos, sensações confusas. Era o início.
Foram a um restaurante, jantaram, em seguida dirigiram-se para a casa dela. Cappuccino, conversas, risos, olhares, elogios, olhares. Ele é muito interessante.
O interesse surge. Ele a olha com mistério, queria conhecê-la, fazer parte de sua vida, só não sabia como.
Os dias passam, voltam a se encontrar. Conversa fiada depois do almoço, viagem para a cidade natal. Um final de semana sem vê-lo e o pensamento começa a voltar-se para ele. No retorno, uma alegria imensa ao reencontrá-lo. Bolo de baunilha e café, risos, olhares, risos.
Caminhadas no poliesportivo, confidências, uma amizade se fundava. A vida parecia mais agradável, menos amarga, mais colorida, menos densa. Será que era real?
Mãos dadas por um curto caminho que parecia uma estrada imensa. Constrangimento, dúvida, afeição, risos.
Visita a um amigo em comum, massagem nas mãos, olhares cruzados que causam um frio no estômago. Elevador, um abraço, um passo, dois, três, apartamento 33.
Meia-luz, mochila no chão, olhos nos olhos, mãos dadas, voz rouca, frase improvisada, susto!
Lembranças, medo, atração, medo, vontade, medo, coragem, medo, saudade, medo, angústia, medo, dúvida, medo.
Um pedido, uma declaração. Amor? Paixão? Ilusão...um beijo, compromisso selado. A porta se fecha, ele sai, o sono não vem, o pensamento insiste, será ele?
Hora de tomar uma decisão. Medo, coragem, medo, coragem, medo, coragem, medo, coragem, coragem, coragem.
A felicidade veio de elevador, subiu três andares, ganhou espaço, recebeu declarações e promessas. Permaneceu ali por quase dois anos. Partiu devagar, sem fazer muito barulho, pela escada, degrau por degrau.
Desgastou-se com o tempo, com as brigas, com os valores divergentes, com os planos diferentes. A felicidade veio de elevador. A realidade a esperava na escada, bem ali no último degrau, para lembrá-la que os amores eternos são utópicos.
Ilustração de: Gabriel Vicente.

sábado, 11 de outubro de 2008

Velha é a mãe!


Depois de uma semana inteira de sol, calor escaldante, que deixou a segunda terrível e arrastou a semana num cansaço daqueles, o final de semana chegou. Enfim sábado! E só porque é sábado chegou uma frente fria, choveu e todos os programas foram literalmente por água abaixo.
Restou-nos o shopping, que em dias chuvosos torna-se badaladíssimo. Que lugar chato, um monte de gente olhando vitrines, algumas fazendo compras, fila no cinema, fila para o almoço, fila para o sorvete, fila para pagar, fila para sair. È, melhor voltar logo para casa.
Entro no ônibus na companhia de uma amiga, conseguimos dois lugares, nos acomodamos e no ponto seguinte o ônibus é abarrotado pela presença de adolescentes. Um monte deles! Entram com umas sacolas de papelão enormes e tiram folhetos, garrafas de água e pipoca de dentro delas. Então me lembro de ter visto um anúncio dias antes de uma feira de profissões em um colégio ali perto. Estavam voltando da feira de profissões, alvoroçados, entrando como uns loucos no ônibus para conquistar seu lugar, batendo com as sacolas na cabeça de todos que estavam sentados inclusive na minha. Penso que se eles tiverem a mesma garra para encarar o vestibular que tiveram para marcar território na condução estarão na lista dos aprovados com certeza.
Começam então as conversas paralelas. Um grupo de garotos fala das meninas aqui, outras meninas falam mal dos meninos ali, riem alto e o tempo todo de coisas que para mim simplesmente não faziam sentido nenhum. Que saudade dessa época, os primeiros amores, as primeiras amizades verdadeiras, as primeiras decepções, as primeiras conquistas, eita tempinho bom.
Mas voltando ao ônibus, uma garota começa uma conversa com um grupo de meninos que estava ao seu lado:
- Vocês estavam na feira?
- Sim, e você?
- Também, vocês já decidiram para que curso irão prestar o vestibular?
- Ah não, nós vamos nos formar só no ano que vem.
- Sério? Achei que já estavam no terceiro ano.
- Por quê? Você já está no terceiro?
- Sim, por quê? Não parece?
- Na verdade achei que você já tinha terminado.
Nesse momento os meninos quase caem de tanto que riem e a garota sem sentir-se intimidada diz:
- Mas quantos anos você acha que eu tenho? Dezoito?
- Na verdade achei que era mais.
- Mais quantos? Vinte e quatro? Tenho cara de velha?
Ai meu coração! Nessa hora tive vontade de levantar e dizer, velha é a mãe! Mas olhei para o lado, minha amiga se encolhia no assento de tanto rir e eu pensando, ninguém merece!
Então, comecei a pensar no quanto essa questão de idade é relativa. Quando tinha meus dez anos nem pensava no que seria do meu futuro, mas como adorava pentear minhas bonecas, achava que com dezoito anos seria uma cabeleireira famosa. Aos dezoito prestes a iniciar a faculdade imaginava que quando tivesse vinte e seis estaria casada e feliz. Aos vinte e quatro estou feliz, mas solteira e penso que aos trinta quem sabe consiga planejar um casamento. E é assim mesmo, para uma criança ter vinte ou cinqüenta anos é a mesma coisa, mas para os adultos um ano a mais faz muita diferença.
Lembro-me de um dia que perguntei para uma criança que atendo quantos anos ela achava que eu tinha e sem pensar muito ela respondeu: trinta e nove. Caramba! Então, eu disse: quase, um pouco menos e ela arriscou: dezoito? Peguei-a no colo e sorri, é quase isso, um pouco mais.
Claro que não foi muito agradável ser considerada velha aos vinte e quatro anos, mas acredito que a idade está no dia-a-dia. O que você já viu, as experiências que teve, as coisas que conquistou e as que perdeu, os começos e os desencontros, as pessoas que conheceu e aquelas que esqueceu, o pôr-do-sol e o luar que presenciou, tudo isso é que constrói sua história e sua idade.
Nossas rugas e cabelos brancos são criados por nós, com o sofrimento antecipado sem necessidade, com o stress nosso de cada dia, com as tempestades em copo d’água, com as briguinhas e intolerâncias.
Ser jovem e feliz depende única e exclusivamente de nós. Acredito que devemos ser como as crianças que não se importam com o tempo, ou com os problemas que para elas sempre tem soluções.
Sorrir mais e preocupar-se menos é ingrediente essencial para o elixir da longa existência, e isso repito em voz alta para que eu ouça também. Aproveitemos intensamente nossos dias, sejam eles de chuva ou de sol, com certeza, valerá à pena!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A partida


Lenita entrou no ônibus às quatro da manhã disposta a nunca mais voltar naquele lugar. Estava cansada de tudo aquilo. Cansada das conversas das vizinhas na esquina, da fofoca nas mesas de restaurantes, dos olhares enquanto circulava pelas ruas da pequena cidade.
Lembrou-se, enquanto viajava, de tudo o que lhe havia acontecido nas duas últimas semanas. Lenita fora ofendida em seus maiores valores, teve sua índole e sua honestidade questionada. A formação de seu caráter havia sido julgada por estranhos.
Solitária, na grande cidade, viajou para a cidadezinha em busca de paz, em busca de acolhida e se deparou com um ninho de sujeira e hipocrisia. Mal se iniciou um novo dia e viu sua família acusada, escutou calúnias e sentiu asco. Teve vontade de gritar, mas não conseguiu. A injustiça tapou a boca de Lenita que chorou.
Lenita, que no seu dia-a-dia luta contra a injustiça e a desigualdade, e não se cansa de alertar às pessoas para que não cometam o erro do julgamento, viu-se julgada. Julgada por desconhecidos, que fizeram a maldade pela vontade do poder, fizeram a maldade por prazer, desconhecidos que não mostraram sua cara e não merecem o mínimo de respeito.
E você pode, então, se perguntar: Oras, se Lenita sabe que tudo não passa de uma calúnia sem fundamento, por que se sentiu assim? Por que Lenita sentiu vontade de sumir para sempre?
A resposta é simples. Lenita não suporta injustiças. Lenita não suportou ver nos olhos dos seus a indignação, não suportou ver tanta mentira lembrando-se das dificuldades que já passou para chegar hoje onde está.
Lembrou-se do esforço para passar no vestibular, das dificuldades encontradas na Universidade pública. Lembrou-se das conquistas profissionais, todas vindas de sua competência. Recordou-se, ainda, das contas a pagar no final do mês: aluguel, cursos, prestações, sem falar nas viagens diárias de ônibus para ir de um trabalho ao outro. Bom seria se tivesse um apartamento individual e um carro à sua disposição, mas ainda não os têm, contudo, não tem pressa.
Lenita nunca passou fome, mas não nasceu em berço de ouro. Aprendeu desde muito cedo que a maior virtude do ser humano é a honestidade e seu caráter. Moldou-se nas bases do trabalho e da dignidade. Trabalha porque precisa manter-se, não por hobby. Trabalha por amor à profissão que escolhera. Trabalha, pois o trabalho enobrece o homem e não lhe dá tempo para cuidar da vida alheia.
Lenita sempre sentiu saudades da pequena cidade onde nascera, tinha de lá boas recordações e pensava em um dia voltar definitivamente. Mas Lenita, agora adulta, percebeu que a pequena cidade não tem a violência intensa das grandes cidades, nem a miséria instalada em cada esquina, mas tem algo pior. A pequena cidade guarda a ambição e a síndrome do pequeno poder no coração de muitos, mantém em seu seio alguns coronéis que coagem a população com mentiras e ameaças.
Lenita sente saudades da época em que era criança. Naquela época as histórias inventadas eram contos de fada, lendas e poemas com belas palavras, e não histórias transbordando de mentiras da sua vida e dos seus.
Chora Lenita com pesar, chora com um dó gigante das pessoas que ainda perdem seu tempo criando histórias da vida alheia, criando versões para a vida de famílias que desconhecem. Para essas pessoas que vivem da ociosidade e da maldade por pura maldade Lenita têm um conselho, diria ela que dentro de um lar, só quem lá vive sabe o que se passa e por mais que se possa imaginar ou querer adivinhar nem sempre as impressões serão verdadeiras.
Lenita antes de partir, encheu os pulmões e bradou naquela madrugada fria, gritou o mais alto que pode na ingênua intenção de tocar o coração das pessoas que ali moravam:
- Ei vocês! Libertem-se da inveja, da ignorância e da hipocrisia! Vão ler um livro, cuidar de seus filhos e cônjuges, vão plantar uma árvore e soltar pipas, vão caçar vaga-lumes e ver se eu estou na esquina, vão fazer um bolo de chocolate e contar estrelas, vão ver o sorriso de uma criança, vão organizar sua vida e solucionar os seus problemas, vão ser felizes e por favor, deixem a mim e a minha família em paz!
Partiu Lenita, com lágrimas nos olhos e com um gosto amargo na boca. Partiu Lenita de cabeça erguida. Partiu Lenita, com vontade de nunca mais voltar naquela terra, que hoje lhe é estranha. Partiu Lenita sem nem mesmo conseguir dizer adeus.

sábado, 27 de setembro de 2008

Gritar? Chorar? Não...Eu tenho um lápis!



Tenho recebido alguns elogios e críticas sobre minhas crônicas, algumas pessoas concordam, outras discordam, tem aquelas que acham os textos engraçados e ainda outras que os acham tristes. Recebo questionamentos sobre minha opinião a respeito disso e daquilo e de como reagiria aqui e acolá, mas a pergunta que mais me fez pensar foi essa: por que você escreve?
A resposta foi simples: porque gosto, oras! Essa resposta, contudo, pode ter saciado a uma pessoa, mas não a mim. O questionamento não saiu da cabeça e então comecei a pensar, por que eu escrevo?
Pois bem, sempre gostei da língua portuguesa, muita gente não gosta, reclama e diz que é cheia de frescuras, mas acho uma bela língua. Aliás, sou apaixonada pelas letras, pelo som que as palavras causam e pela fissura que seus significados nos acometem, assim, fui me encantando por esta arte da escrita.
A primeira história que fiz foi com meus sete anos, uma história em quadrinhos, participei de um concurso e lá estava a história do Elefante Fante, com nome e sobrenome! Além das poucas frases, tinham desenhos feitos por mim em todos os quadrinhos, podem imaginar o resultado disso não é? Meus pais amaram e meu avô guarda o recorte de jornal até hoje, e se pensar que era a criação de uma garotinha, até pode ser considerada razoável.
Bem, depois desta história, vieram muitas outras. Algumas escritas em diários e guardadas a sete-chaves, outras transformadas em redações que me trouxeram viagens e presentes nas finais de concursos, mas tinham aquelas que eram guardadas só para mim. Nunca as mostrava para ninguém, talvez por achar que ninguém se interessaria, ou por achar que não eram tão boas quanto às dos livros que lia. Aliás, isso é importante ressaltar, a paixão pela escrita surgiu logo depois de uma paixão maior, pela leitura. Adoro livros, todos eles, seja para guardar na cabeceira da cama, para presentear, para ganhar de presente ou para dizer que é péssimo.
E foi mais ou menos assim que as crônicas surgiram. As primeiras começaram com meus 12 anos, não as tenho mais, se perderam no meio de cadernos e rabiscos, já que nessa época, nem sonhava em ter um computador, o que dirá salvar textos e poder modificá-los a qualquer momento.
Escrevia a qualquer hora, em qualquer lugar, e isso ainda continua. Às vezes estou deitada, pronta para dormir e vem uma idéia, caramba! Isso daria uma ótima crônica! Resultado, me levanto, ligo o computador e começo a digitar, outras vezes pego um rascunho qualquer e um lápis que sempre fica no criado-mudo e anoto as idéias principais para no dia seguinte dar continuidade.
Para escrever é preciso inspiração, que surge, quase sempre, de uma conversa dentro do ônibus, de uma imagem vista pela janela do prédio, de lembranças do passado ou de algum sentimento. Geralmente escrevo quando algo não vai bem, ou vai muito bem. São nesses ápices sentimentais que a inspiração surge, ai fica fácil é só desabafar.
A resposta então é simples: escrevo para extravasar minhas emoções. Os textos me permitem gritar em silêncio, chorar sem lágrimas, sorrir sem gargalhar, espernear sem causar incômodo. E talvez você pense, mas que graça tem isso? Pois é, quando se está só, o lápis é um ótimo amigo e aquela folha em branco que parece mais um abismo pode virar arte e te aliviar de uma decepção ou compartilhar com você uma alegria.
O melhor disso tudo, é que posso me mostrar escondida, assim, quase transparente. Através destas linhas quem me conhece sabe como estou me sentindo, e quem não conhece talvez até já consiga imaginar e deste modo, já não me sinto mais tão só nos momentos consentidos de solidão.
Escrever é uma forma de refletir e encontrar respostas para aquelas perguntas que fazemos a nós mesmos e, portanto, a resposta correta só cabe a nós encontrar. Já descobri várias respostas enquanto buscava um fim ou o nome de uma personagem para minhas crônicas.
Escrever é construir um mundo particular que pode ser visitado quando e por quem você quiser, um mundo onde podem ter castelos, sapos, príncipes, romanos, soldados, deuses, vaga-lumes, sacis-pererês, luas, estrelas, hambúrgueres, flores, corações partidos, paixões, máquinas do tempo, amores eternos e os obstáculos do nosso dia-a-dia.
Hoje já não grito mais, nem choro tanto, nem entro em confusões, isso tudo, porque agora eu tenho um lápis. Algumas pessoas encontram seu “lápis” em outras atividades, lutam, correm, dançam, dormem, eu escrevo. Não importa qual seja o seu lápis, o importante é encontrar um que te permita colorir seu mundo de forma que o deixe mais alegre e que te traga de volta os sonhos e a esperança de dias melhores, sempre. E você, já encontrou seu lápis?!

sábado, 20 de setembro de 2008

A máquina do tempo


Recebi um comentário anônimo no meu blog esta semana que me questionava sobre minha vontade de deletar alguém. Fazer alguém sumir da minha vida, assim, como se fosse mágica, incrível não?!
Comecei, então, a pensar nas pessoas que fazem parte da minha história e de que forma elas conquistaram esse direito. Percebi que muitas o adquiriram pelo simples fato de ser minha família, outras porque senti uma afinidade tão grande que escolhi para estarem ao meu lado e tem aquelas que apareceram sem avisar e causaram grandes surpresas e alguns transtornos.
Claro que ninguém entra na vida de ninguém por acaso, é aquela velha história, o que um não quer, dois não faz, pois bem, poderia ter evitado a presença de algumas pessoas em minha vida, mas não o fiz, talvez pensando na máxima: melhor arrepender-se de ter feito do que não fazê-lo, ou ainda, por simples curiosidade. O fato é que acredito muito na força do acaso e no dito destino que, ultimamente, vive me atrapalhando.
Para responder o questionamento me lembrei de outra pergunta que me fizeram há pouco mais de um mês: Você já se arrependeu de algo?
E pensando novamente nessa pergunta comecei a recordar épocas da minha vida e identificar meus arrependimentos. O engraçado é que não consegui sentir dor grande o suficiente que me fizesse querer apagar algo que eu tenha feito na minha infância ou adolescência, percebi, então, que os erros realmente são parte da vida adulta, talvez por que os adultos pensam demais e deixam de fazer coisas que gostariam , talvez por que pensam de menos e falam o que não deve, ou ainda por que tem o dom de ofender e magoar as pessoas pelo simples prazer de acharem-se os donos da razão.
Minha vida adulta me trouxe agradáveis surpresas e dores indecifráveis. Por vezes nunca me senti tão feliz e certa do que fazia, e no minuto seguinte descobria que as pessoas nem sempre são confiáveis e que a solidão existe e dói.
Poderia citar uma lista infinita de coisas das quais me arrependi, muitas por não terem sido realizadas, como comprar rosas vermelhas e me declarar quando meu coração pedia isso, ou ainda por não ter viajado para o outro lado do mundo em busca de mais uma chance para o que eu acreditava ser o grande amor da minha vida. Contudo, acredito que o arrependimento de algo não feito, pode gerar, um dia quem sabe, uma coragem e um impulso que nos leve, mesmo que tarde, a fazer o que um dia gostaríamos. Claro que o resultado provavelmente não será o mesmo, mas qualquer resposta será válida, pois, será a única que irá conhecer.
Creio, contudo, que mais triste que arrepender-se de algo que não fez é se arrepender de algo feito. O que está feito, está feito e não tem mais volta. E depois de feito sempre restam as marcas, feridas enormes ou lembranças maravilhosas, não importa, sempre haverá um lembrar. O ruim dessa história é que quando você se arrepende de algo que fez, não pode simplesmente passar uma borracha ou selecionar o texto e dar delete. Você precisa conviver com o erro, com a saudade, com a dor e a decepção, e nessas horas nem mesmo o tempo parece estar do seu lado, pois a dor demora a passar, e algumas vezes, nunca passa.
Voltando a pergunta do anônimo diria que, hoje, gostaria sim de apagar algumas pessoas da minha vida. Foram pessoas que se pudesse escolher não teria conhecido, se pudesse voltar no tempo não teria as colocado no meu caminho. E identificar estas pessoas não foi difícil, bastou pensar no bem que haviam me feito e logo em seguida no mal, o desequilíbrio dessas emoções foi descarado e assim ficou fácil definir quem nunca mereceu ter feito parte da minha história. Estas pessoas me entrelaçaram em suas artimanhas e me deixaram cicatrizes terríveis, foram marcas da decepção, de falsas promessas, da ilusão, da expectativa alimentada diariamente, da hipocrisia escondida atrás de tantas máscaras.
E sabe o que dói mais? Algumas destas pessoas entraram na minha vida de forma tão rápida que não conseguiram sequer deixar uma boa lembrança. Para situações assim deveria sim existir uma máquina do tempo ou uma tecla delete.
Imagine como seria bom voltar no tempo? Recomeçar sem as marcas do passado, sem o medo da rejeição, sem a desilusão que já nos fez desacreditar de tanta coisa?
O único risco seria voltar no tempo e ao reescrever a história cometer os mesmos erros, isso seria mesmo uma tragédia.
- Você gostaria de voltar no tempo?
- Claro! Faria muita coisa diferente.
- Mas como saberia se não estava errando novamente?
- Era só trazer comigo as lembranças, oras.
- Mas se você tem as lembranças você não esqueceu, assim não faz sentido voltar no tempo.
- Então vou sem as lembranças mesmo.
- E corre o risco de cometer os mesmos erros?
- Você está me deixando confusa.
- Pois é, acho que é por isso que até hoje não se inventou uma máquina do tempo.
Assim, prefiro continuar confiando na máquina do tempo que existe dentro de nós. O que nos resta é continuar escrevendo nossa história com rasuras e corretivos, e contar com o tempo para que nos ajude a rasgar algumas folhas para que enfim, possamos esquecer e recomeçar. Enquanto isso procuro pensar mais antes de agir, pois, já que é possível escolher, prefiro me arrepender de não ter feito. A ilusão do talvez é mais pura do que a dor da decepção e é um mal que não é provocado por outra pessoa, é como perder para mim mesma e isso me faz crescer, isso não é de todo mau. Quanto a você eu não sei, mas acho que deveria pensar sobre isso também, e então? Gostaria de ter uma máquina do tempo?

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

No "Orkut" todo mundo é feliz!

Conversando com uma querida amiga um dia desses, comecei a pensar na veracidade de algo que ela me disse:
- Acho que vou excluir meu "Orkut" amiga.
- Mas por quê? Aconteceu alguma coisa?
- Ah! No "Orkut" todo mundo é feliz!
Depois disso comecei a observar mais o perfil de meus amigos e as frases de apresentação deixada por eles, e realmente comecei a perceber que ela tinha razão. No "Orkut" todo mundo é feliz, ninguém está triste, ou chorando, ninguém odeia ninguém, nem sente inveja e o mais importante, ninguém tem defeitos. Percebi também que as mulheres declaram mais frases felizes e os homens pouco declaram, preferem o anonimato de seus sentimentos (que novidade não?).
Incrível como todos (homens e mulheres) são puros de coração, fiéis, extremamente alegres, altruístas e capazes de perdoar até os erros mais sórdidos. Comecei a entender então o que uma colega de trabalho me disse certo dia desses:
- Sabe que me divirto com suas frases no "Orkut"?
- É mesmo? E por quê?
- Porque você diz realmente o que está pensando. Engraçado isso.
Engraçado isso? Engraçado para mim é dizer algo que não sou ou fingir sentir o contrário do que deverás sente. Mas quem sou eu para julgar os atos humanos, logo eu, que sou uma humana repleta de defeitos e frustrações. E não vou dizer que nunca fiz isso porque seria uma grande mentira, claro que já coloquei fotos sorrindo quando por dentro estava muito triste e coloquei frases do tipo: Enfim 100%, ou Feliz da vida, sendo que na verdade ainda não acreditava nisso, mas era imprescindível fazer com que um certo alguém acreditasse.
Contudo, o que mais me inquietou foi o fato de que as pessoas dificilmente admitem o que estão sentindo, seja para desconhecidos no "Orkut", seja para seus amigos ou para elas mesmas.
Colocar lá que você é uma pessoa legal que tem um coração gigante, com fotos sorridentes e com um monte de amigos é uma forma de dizer: Ei, sou legal, quer ser meu amigo? Ou ainda: viu só o que você perdeu?
Hoje, posso garantir que já não escondo meus sentimentos. Quando estou triste aviso e é bom porque muitos amigos me enviam mensagens de consolo e mostram-se presentes, quando estou cansada divulgo e logo alguém me liga e chama para um chopp no final da tarde e quando estou desiludida procuro rir da situação e coloco piadas sem graça, mas que me mostram o lado positivo dos tombos: é, pelo menos eu não cai de cabeça.
Não é atoa que a internet virou uma febre e que salas de bate-papo e sites de relacionamento viraram modinha, lá você pode ser quem quiser. Pode pintar-se de rosa ou cinza, sorrir ou chorar, ter coragem e milhões de qualidades, é lá também que você não precisa admitir seus defeitos, nem para você mesmo. Pode ter o corpo e o cabelo que sempre desejou e usar aquela roupa que jamais poderá comprar, pode ter casas na praia e carros importados e o mais incrível, pode estar feliz e ter um amor correspondido sempre:
- Hum, está de namorada nova e nem me contou hein?!
- Eu? Namorando, não estou não.
- Mas no seu "Orkut" está escrito isso.
- Ah, coloquei para fazer um charme.
Charme? Pois é, as pessoas insistem em fazer charme para outras e para elas mesmas. Insistem em esconder seus sentimentos e dizerem-se melhores que todas as outras. Como se chorar ou estar triste fosse um erro imperdoável. Sei que se conselho fosse bom não seria dado, mas vendido, porém, fica aqui uma dica, antes de escrever ou dizer algo é bom pensar no impacto que isso poderá trazer para sua vida, afinal, já diziam os sábios, há quatro coisas que não podem ser revertidas: a pedra atirada, a palavra dita, a ocasião perdida e o tempo passado.
- E ai? Falou com ela?
- Desisti.
- Mas por quê? Você parecia tão decidido!
- Sei dos meus sentimentos, mas não posso mudar os dela. Ela já me esqueceu.
- E como sabe disso?
- Acabei de ver no "Orkut" dela, ela está feliz da vida e namorando.
(Minutos antes não muito longe dali ela mudara seu perfil para que ele soubesse o que tinha perdido, mesmo sabendo que ainda o amava. Sem saber, perdeu naquele instante o grande amor de sua vida e um pedido de casamento).
Bom, diante disso, diria para minha amiga que gerou essa crônica que não deveria se importar tanto com as frases dos outros no "Orkut", pois mais do que estar tentando enganá-la, estas pessoas estão se enganado. Diria ainda que, apesar de muitas críticas à sua segurança e controle de privacidade, o "Orkut" é um bom meio de manter contatos antigos e distantes e o mais legal é que ele nos dá o direito de simplesmente remover pessoas indesejadas de nossa vida, com um simples toque. Quem dera na vida real fosse simples assim...

sábado, 6 de setembro de 2008

É mais fácil achar pêlo em ovo...



E lá vou eu mais uma vez entrar em confusão. Confesso que um pouco de aventura sempre faz bem e que uma pimentinha no dia-a-dia alegra a vida, mas poderiam me dizer que estava novamente a um passo de cometer uma nova burrice, e burrice mesmo, pois , seria cometer novamente o mesmo erro.
Desta vez estava quieta no meu canto, sem intenção nenhuma de caçar confusão quando uma amiga me pergunta se pode passar meu e-mail para um amigo do amigo, da prima, do cunhado, da tia, do sobrinho, do namorado dela, se é que vocês me entendem. O fato é que ela não tinha a menor idéia de quem era o “ser” e eu menos ainda, e lembrando minha recente decepção que se iniciou em uma relação virtual eu disse com toda certeza que não. E é o fim.
Está bem, está bem, não foi bem isso que aconteceu. Depois da proposta feita, fiz a ela um breve interrogatório sobre o rapaz, com questões do tipo: ele pretende viajar para o exterior? Ele tem ex-namorada? Ele tem a síndrome da conquista? Ele tem todos os dentes? Ele tem mais de 20 anos? Ele trabalha? Ele é de libra ou capricórnio? E como ela realmente não sabia me responder nada, achei melhor arriscar. Resultado: mais uma conversa virtual se iniciara.
Ele começou com um oi tímido e disse que tinha visto umas fotos com minha amiga e que gostaria de me conhecer. Logo em seguida disparou um monte de perguntas: qual sua idade? É solteira? Estuda? Trabalha? O que você faz? Então pensei, que coisa feia, nem me conhece e já vem com um interrogatório, eu jamais perguntaria tanto assim, pelo menos não para ele.
Enfim, conversa vai, conversa vem e ele me pede o telefone, ai penso, xi... já conheço está história. Então digo não e ele insiste, mas que coisa, para que precisa ouvir minha voz, já tinha respondido quase todo o questionário e ele ainda insistindo, fui levando de cá, de lá e ele por cansaço ou esquecimento parou de insistir. O assunto ia e vinha do banal ao formal, e ele se dizendo um homem com vasta experiência amorosa, um homem para casar e eu tentando ler as entrelinhas, aonde ele quer chegar? Até que ele mesmo tira a máscara:
- Posso te fazer uma pergunta para saber se você se encaixaria com meu jeito?
- Pergunte.
- Suponhamos que estamos namorando sério, então, você recebe um convite da sua melhor amiga para sair, só que eu não poderei ir com vocês, o que você faria?
Bem, muitos de vocês diriam: ficaria em casa amor, ou insistiria para você ir comigo, mas eu disse:
- Diria a você que ela me convidou e se eu quisesse ir eu iria, mesmo sem você.
- Então você me deixaria?
Foi então que percebi que estava falando com um homem tradicionalista e possivelmente machista, ciumento e possessivo:
- Bem, se você não pode nos acompanhar provavelmente é por que estaria ocupado com outra coisa, não é? Por que você não iria?
- Cansado quem sabe. Com certeza não seria para ter que sair com meus amigos.
Realmente, agora ele tinha mesmo se mostrado. Restava-me então dizer o que ele queria ouvir e assegurar um encontro ou ser eu mesma, decidi após pensar meio segundo que seria eu mesma:
- Acredito na união, no amor, mas acredito também na individualidade. As pessoas jamais devem perder isso, mesmo em um relacionamento. Não devem anular-se por ninguém.
- Mas seu ex-namorado saia sozinho?
- Saia com os amigos da mesma forma que eu saia com minhas amigas.
- Então você deve entender por que seu namoro acabou.
- É, parece que eu não me encaixo com você.
- Só estou sendo sincero, estou te dizendo sobre o tipo de mulher que teria minhas características.
- Estou curiosa, que tipo de mulher você gostaria? Uma “Amélia vaidosa”?
Ele não seria louco de responder, seria admitir seu conservadorismo e o fato de ser contrário à independência feminina, ele simplesmente disse que era uma pena, mas que talvez pudéssemos ser amigos:
- Tudo bem, sou uma mulher moderna, independente, inteligente e bonita, mas os homens não gostam disso, é demais para eles, eu entendo você. Não se preocupe.
E foi assim que mais uma vez características da minha personalidade, que considero minhas maiores qualidades afastaram outro sexo oposto da minha convivência. Confesso que ainda não consigo entender os homens.
Um dia dizem que querem uma mulher para casar que seja prendada, queira ter filhos, saiba engomar suas roupas, cozinhe como sua mãe, deixe-o sair com os amigos e esteja sempre linda e cheirosa. E quando encontram, se aborrecem quando ela quer contar como foi seu dia e o dia dos filhos, principalmente quando eles apenas querem sentar-se na frente da TV e tomar uma cerveja, mas oras, eles queriam uma companheira ou uma empregada? E tem aqueles que ainda as chamam de folgadas e as aconselham a procurar um trabalho, só para que eles sintam-se em paz quando voltar do seu.
Contudo, quando uma mulher decide ter sua profissão, criar sua independência, para alguns (muitos) homens, ela ainda deve continuar cozinhando bem, lavando, passando e cuidando dos filhos, e se ela ganhar mais do que ele, mostrar-se liberal e compreensiva ou tiver assuntos mais interessantes para conversar do que a porca que não se encaixou no parafuso ela já não serve mais.
Resumindo, diria, sem querer generalizar, que é mais fácil tirar um sorriso do Zangado – um dos sete anões da Branca de Neve, achar um pêlo em ovo ou ganhar na mega-sena do que entender as vontades masculinas.

domingo, 31 de agosto de 2008

Saci-pererê ou Saci-longuinho?



Ainda tento recordar o que levou ao início dessa prosa. O fato é que sete pessoas e ½ na mesa de uma lanchonete, após cinco horas na mesa de um bar, em pleno sábado pós-carnaval, embriagados por sucos de pêssego, laranja, acerola e a requintada limonada suíça, poderiam naquele momento se reportar a qualquer assunto, inclusive a este: o Saci.
- Mas e você? Acredita em saci?
- Eu acredito, desde criança. Já vi o Saci dar nó na crina de cavalos da noite para o dia, até trança ele deixava.
- Trança? Ah! Sua avó é que fazia os nós e te dizia que era o saci.
- Você já viu um saci?
- Ver? Bem, ver, ver, eu nunca vi, mas que ele existe, ele existe.
- O que é um saci?
Pausa e início de explicação ao espanhol do grupo. Começando pela palavra folclore e em seguida pela descrição do ser da natureza.
- Você conhece gnomo?
- Gnomo? Não, o que é?
- Duende?
- Ah sim, conheço.
- Então, o saci é um duende brasileiro, só que com uma perna só e negro.
- Ele também fuma cachimbo e usa uma touca vermelha, como o papai-noel, e não usa roupa. Não é “o coisa ruim” não viu? É só o Saci.
Olhos arregalados e um “hum” bem longo, imaginação a todo vapor.
Acreditando que a explicação tinha sido suficientemente clara voltamos à discussão, desta vez com seis pessoas e outras duas ½ pessoas na conversa, visto que o espanhol preferiu assistir TV, a tentar acompanhar a conversa que até piada já tinha virado:
- Então, estava lá o saci com a saci no rala - e - rola, quando ele vira para ela e diz: amor, fica de três!
Risos, gargalhadas, espasmos musculares até que surge a dúvida:
- Mas existe “a” saci?
- Claro! Você acha que eles se reproduzem como? Botam um ovo e chocam?
- Eles não têm que se reproduzir, são seres da natureza, apenas nascem e puf! Pronto!
- Não acho não, todo ser, inclusive da natureza, se reproduz, até o saci.
- Vai ver que ele tira seu sucessor da touca, vai saber...
Risos, dúvidas, até que o espanhol volta à conversa – sete pessoas e ½, já que o ½ continua desligado, com a antena em outra estação, sono ou desilusão o fato é que ele perdeu toda esta riqueza cultural.
- Mas o que faz o saci?
- O saci não faz maldade grande, mas não existe maldade pequena que ele não faça! Adora uma arte, esconde coisas, bagunça gavetas, gosta de criar confusão e ver o circo pegar fogo.
- Mas ele ajuda a achar coisas perdidas também, quando perco coisas peço para o saci achar.
- Ah não, ele é concorrente de São Longuinho então?
- Podem ser da mesma família, porque estamos falando do Saci legítimo, o Saci-pererê, mas pode ser que exista o Saci-longuinho, o Saci-magaiver, o Saci-norris, podem ser todos da mesma espécie.
- Ou talvez sejam sócios, um esconde e o outro acha.
- É mesmo e os pulinhos pagos a São Longuinho pelo achado são divididos com o Saci que economiza os dele.
Risos, mais risos e a mão na consciência.
- Cada assunto minha gente!
Risos e silêncio.
- Acho que passou um saci.
Risos e a conta garçon, por favor!
Ilustração de: Gabriel Vicente.

sábado, 23 de agosto de 2008

A caçadora de vaga-lumes


Era um rancho como qualquer outro, mas para uma garota de sete anos criada na zona urbana, com medo de aranhas e com pavor de mosquitos era um misto de excitação e terror.
Lembro-me bem dos finais de semana que passávamos lá, eu, minha irmã, minha avó e minha tia. Os poucos quilômetros que separavam o rancho da cidade pareciam milhas de distância para mim na época, era como se a civilização desaparecesse toda vez que entrávamos naquela estradinha de terra.
Abrir a porteira velha e fechá-la era castigo, ninguém gostava de descer da carroceria da caminhonete, então, costumávamos tirar par ou ímpar, geralmente eu perdia, logo eu que nunca ganho nem pano de prato em bingo de Igreja, ganhar no par ou ímpar seria mesmo demais. Mas tudo bem, a recompensa era chegar primeiro na entrada do rancho, sentir o cheiro da relva molhada pelo orvalho e olhar para aquele pequeno pedaço de terra que mais parecia uma imensidão. Olhava cada detalhe, tentando descobrir o que havia mudado desde a última vez que lá estivera.
Conferia a grama, nem sempre aparada e verdinha, mas sempre coberta por plantinhas que faziam nossa alegria: Dorme - Maria! E lá íamos nós, em volta da casa repetindo a frase e batendo os dedos em cada folha da plantinha que se fechava imediatamente. Checava o largo rio que cortava toda a área do rancho e já analisava se era um bom dia para fazer barcos de palha e folhas de bambu ou não. Logo depois corria para atravessar a pequena ponte de madeira, que costumávamos chamar de: a ponte do rio que cai, na verdade, caía mesmo, toda vez que o rio enchia demais lá se ia a ponte. Em seguida, gostava de encher os pulmões, abrir os braços, olhar para o alto e girar, enquanto era observada por uma fileira de árvores gigantescas, como soldados nos reverenciando e dando as boas-vindas.
Adorávamos ir bem cedinho para aproveitar cada minuto do dia, mas o melhor mesmo era o anoitecer – espaço para todos os tipos de histórias, inclusive para as primeiras de terror que me tiraram o sono.
Nunca tive coragem de dormir lá quando criança, era assustador, mas esperar até o anoitecer tinha uma recompensa valiosíssima, podíamos caçar vaga-lumes. Que delícia! Ficávamos na espera da escuridão total para que as luzes verdes começassem a aparecer, eram muitas, mal sabíamos para onde correr, minha tia ensinava como nos aproximar sem assustar os bichinhos, e lá íamos nós, com uma caixa de fósforos vazia caçar vaga-lumes.
Cada inseto aprisionado era colocado no pote transparente, ainda no escuro, quando conseguíamos uma boa quantidade, levávamos o pote para o meio da relva e abríamos a tampa, que espetáculo, pareciam dezenas de pisca-piscas desenhando no céu.
Um dia decidimos guardar alguns para vê-los no claro e foi esse um dos que considero meus maiores erros. Desde aquele dia perdi o encanto por vaga-lumes, era um inseto sem graça, não tinha aquela lanterna no traseiro como nos desenhos, nem cara de muitos amigos, senti mais asco e medo do que alegria ao vê-lo na luz, sem contar que ele não piscava longe da escuridão. Caçar vaga-lumes desde então, nunca teve a mesma graça, até o espetáculo ao abrir o pote de vidro perdera parte de seu brilho.
Hoje, alguns anos depois, vejo que não tenho mais a mesma habilidade para caçar vaga-lumes, nem mesmo vontade de fazê-lo, e quando fico nostálgica, prefiro lembrar-me do que sentia antes de conhecê-lo verdadeiramente, pois, as impressões eram melhores e me traziam mais alegria.
Creio ainda que grande parte das minhas desilusões e desesperanças atuais foram criadas por este mesmo erro cometido na infância. Muitas vezes vivemos momentos de extrema alegria e prazer que podem ser ofuscados quando quebramos expectativas criadas por nós mesmos.
Imaginar que o vaga-lume era como das histórias em quadrinho me fazia bem, mas não era real e conhecer a verdade não foi muito agradável. Assim, muitas vezes ao criarmos expectativas em relação a algo ou alguém nos esquecemos de que nem tudo é tão certo ou perfeito como imaginávamos, ou como gostaríamos que fosse e que estas ilusões podem ser quebradas por um motivo simples: somos humanos e vivemos em uma realidade que tende constantemente a cristalizar ações, pessoas e sentimentos, nos tornando cada vez menos crianças e cada dia mais adultos, infelizmente.
Ressalvo, contudo, que evitar criar expectativas não é sinônimo de deixar de sonhar, ou fechar-se para o mundo e todas as surpresas que ele nos reserva, significa apenas que devemos deixar as coisas acontecerem a sua maneira e as pessoas se apresentarem como são, antes de pintá-las da nossa cor preferida, assim, é possível evitar desilusões e promessas nunca feitas e por isso, jamais cumpridas.
Resta-nos, pois, viver cada instante e olhar esporadicamente no baú do passado para aproveitar as boas recordações e encontrar nas entrelinhas algumas respostas para as angústias de hoje. Que tal tentar? Você se lembra de alguma história da sua infância que te disse boas-vindas, mesmo que de forma amarga, ao mundo chato dos adultos? Posso apostar que sim...

sábado, 16 de agosto de 2008

Mais vale um sapo na mão do que um príncipe te procurando...


Em um reino muito distante, há muito tempo atrás, viviam todas as princesas e príncipes do mundo. Era um reino muito feliz. Cheio de campos floridos, castelos coloridos e amores perfeitos. Os príncipes e as princesas eram mesmo felizes (para sempre), viviam cavalgando em seus cavalos brancos, recitando poesias e vendo o nascer e pôr-do-sol.
Os dias eram sempre lindos, céu azul, com aquela brisa leve e o orvalho de madrugada. A harmonia era predominante, não havia briga, inveja e nem desilusões, afinal, ali estavam todos os príncipes e princesas do mundo.
Um belo dia, uma das princesas decidiu partir para um reino distante, queria conhecer coisas novas, encontrar outras pessoas, queria se divertir e sentir outros sabores. Esqueceu-se, contudo, de que todo sabor prevê um dissabor e novos encontros podem com o tempo virar grandes desencontros.
Chegou em um lugar bem diferente do reino em que vivia, sentiu a chuva forte pela primeira vez em seu rosto, não gostou do frio, achou agradável o cheiro dos alimentos que eram cozidos em algum lugar por ali, ficou assustada com algumas imagens e sons, gostou de algumas pessoas, apaixonou-se intensamente por uma em especial e sentiu o amor humano pela primeira vez em sua vida. Chorou, sorriu e achou que ia morrer quando teve sua primeira desilusão, sentia o coração partir-se e aquela dor que apunhalava por dentro, maior que todas as dores que já sentira. Arrependeu-se, então, de ter partido. Que gosto amargo tem esse amor, pensou. Decidiu retornar ao reino encantado e partilhar suas emoções.
Chegou ao reino e percebeu que tudo havia mudado. Os campos estavam sem flores, os jardins sem cor, os castelos vazios. Foi quando viu escrito nas nuvens que sua partida havia causado mudanças sérias no reino e que ali não era mais seu lugar.
Soube então que após sua partida todas as princesas e príncipes foram mandados para reinos diferentes, cada um em um lugar do planeta, em países, cidades e bairros bem distantes e que teriam a missão de usando apenas seu amor reencontrar-se.
Desde então, todos os príncipes e princesas do reino encantado vivem entre nós. Vagam pelas ruas a procura da sua metade, enganam alguns corações achando ter encontrado sua alma-gêmea, deixam de viver algumas paixões com medo de trair esse amor eterno e sentem bem no fundo de sua alma que em algum lugar do mundo, alguém sente a mesma nostalgia que eles, uma saudade de alguém que não sabem quem é, pois, não vieram com a memória do reino para cá.
O belo disso tudo é que eles não desistem, às vezes morrem em busca desse amor. Às vezes a ilusão os domina e enganam-se com medo da solidão com uma paixão vazia qualquer, mas a verdade é que todas as noites sonham e renovam a força desse amor. Esse amor que para muitos de nós é simplesmente: utópico.
- Sabe amiga, acho que minha princesa está fugindo de mim. Não a encontro em nenhum lugar!
- Aposto que aquela sem-vergonha fugiu de você com meu príncipe para algum lugar!
- Será?
- Com certeza! E os dois devem estar se divertindo e rindo muito da nossa cara agora.
- Princesa safada!
E é o fim. Moral da história: Mesmo com tantos sapos disfarçados de príncipes e de príncipes com cara de sapo o amor ainda existe e vai continuar te procurando, o problema é que ele é cego e talvez demore a eternidade para te encontrar. Desse modo, fica a sugestão: Quem não tem príncipe, caça com sapo!

sábado, 9 de agosto de 2008

Corações partidos e hambúrgueres!







Conversando com um querido amigo um dia desses me surpreendi quando ele disse que eu deveria escrever um livro sobre os homens, ou melhor, sobre relacionamentos, pois, segundo ele, esse era assunto predominante nas minhas crônicas. Mais surpresa fiquei quando ele disse que me achava uma mulher antiga quando o assunto era relacionamento.
- Antiga? Como assim antiga?
- Bem. Digamos que você é um misto de mulher moderna e antiga. Moderna quando se trata da sua vida profissional, pois é independente e luta pelo que quer, mas antiga para as coisas do coração.
- E isso é ruim?
- É que eu prefiro sempre as mulheres no comando, em tudo. Mulher para presidente, mulher para dirigir, enfim, mulher não pode ser dependente de homem, a gente não evoluiu ainda! Mas você quer um homem.
- Um companheiro? Sim, eu quero.
- Pois é você se torna dependente assim.
Esse breve diálogo me fez pensar no quanto podemos ser livres e dependentes ao mesmo tempo, e isso tudo porque somos nós que fazemos nossas grades e as pintamos da cor que achamos melhor, isso quando não as deixamos descascar com a rotina.
Mas enfim, na verdade pensei mesmo no porquê de escrever tanto sobre relacionamentos e cheguei à conclusão de que escrevo porque as pessoas gostam de ler sobre isso, tanto quanto gostam de se apaixonar ou saber que alguém, mesmo que em outro canto do planeta, está sentindo a mesma coisa que ela sente ou já sentiu um dia.
Além disso, as mulheres têm mais facilidade de falar sobre seus sentimentos, já os homens não admitiriam ter levado um fora, ou viver uma desilusão por nada neste mundo, nem para o melhor amigo, o que dirá para um blog de acesso público como esse.
- Escrever é ótimo, se fosse você escreveria também, deve ter muita história para contar, ainda mais agora que está vivendo em outro país.
- Daqui pode até ser, mas não é sobre isso que gostaria de escrever, na verdade nem sei se quero escrever sobre alguma coisa.
- E por que não fala sobre as mulheres? Já que diz que eu falo tanto sobre os homens...
- Escrever sobre meu “sucesso” com as mulheres e meus relacionamentos?
- Exatamente! Eu não faço sucesso nenhum com os homens, mas isso me trouxe inspiração, por que não tenta?
- Eu? Nunca!
Como eu dizia, os homens jamais admitirão publicamente suas frustrações, pois como diz esse meu amigo, a frustração e a infelicidade são dele e de mais ninguém.
Aqui está mais uma grande diferença entre os homens e as mulheres. Mesmo após o término de uma relação, as mulheres tendem a viver uma dor dupla, pensam no outro e em como ele está, mesmo se for para odiá-lo ao saber que está bem, já os homens continuam individualistas, pensando neles e só neles, às vezes pensam no jogo de futebol do próximo final de semana e em qual amigo irão convidar para acompanhá-lo já que seu ingresso agora está disponível. E isso não quer dizer que ele não se importava com o relacionamento de vocês, mas os homens são mesmo assim, mais objetivos e indiscutivelmente racionais.
- A gente não nasceu para ser monogâmico, somos animais, apesar de sentir ciúmes e tudo. Somos animais com sentimentos. Você não pode querer uma pessoa só para você, porque ela nunca vai ser só sua.
- Você está falando de traição?
- Não, estou falando que a maior parte, de todos os relacionamentos, dará errado.
- E por que acha isso?
- Matemático.
Pois bem, os homens adoram uma probabilidade, sempre saberão qual a chance de seu time ser campeão, mas dificilmente pensarão nas chances do namoro virar casamento. Saberão calcular as chances de chegar a tempo em casa para ver o “show do intervalo”, mas nunca entenderão a diferença que aquele minuto a menos fez na sua maquiagem. Contarão as moedas para mais um hambúrguer, mas dificilmente comprarão para você um botão de rosa vendido em restaurantes. Os homens são assim, meramente racionais. E sem querer generalizar, diria que a maioria deles, confia mais nas probabilidades do que em seu próprio coração.
E olha eu aqui, novamente, falando sobre eles!

sábado, 2 de agosto de 2008

Romano






Seria ele um herói ou um desbravador da antiguidade? Seria um sábio ou um criador da Roma antiga? Seria ele um poeta ou um músico, ou ainda quem sabe um Imperador?
Na verdade não sei responder. Mas posso afirmar que bem longe disso tudo, Romano é um homem comum.
Um homem maduro, alto, forte, nem gordo, nem magro, pele clara e olhos castanhos, sorriso bonito. Asseguraram-me ainda que tem mãos bem cuidadas e que se veste bem. Além disso, soube que gosta de futebol, que freqüenta academia e ouve boa música.
Contudo, não posso afirmar ser verdade ou não, pois, nunca o vi. Nem por fotos. Mas já criei algumas imagens a seu respeito, talvez de curiosidade ou especialmente por ele ter sido assunto de boas horas de uma conversa com uma das pessoas que mais tenho apreço nesta existência.
Soube ainda que Romano trata-se apenas de um sobrenome, isso me causou alívio, pois se fosse um apelido seria assustador! O nome não cabe aqui informar, mas é um belo nome. E por que sei tanto de alguém que não conheço? Bem, isso é melhor você perguntar para minha amiga e para o namorado dela que iniciaram essa prosa. Simplesmente me olharam e disseram que eu deveria conhecer o Romano.
Achei no mínimo estranha toda essa história, mas ultimamente não tenho me assustado muito com coisas vindas da humanidade, então pensei, conhecer o Romano, por que não?
Um dos motivos que me impedem, além de não saber da veracidade destas informações, é conhecer alguns detalhes que atrapalhariam qualquer apresentação, no entanto, penso que se fossemos apresentados faria a ele outras perguntas...
Você prefere o sol ou a lua? Você já contou estrelas? Já sentiu o perfume de uma rosa? Prefere um beija-flor ou um tucano? Gosta do cheiro da terra molhada? O que te traz alegria? O que te faz chorar? Você prefere morango, chocolate ou pistache? Praia ou campo? Cinema ou barzinho? Você é romântico? Você faria tudo por amor? Você gosta de esportes radicais? Você sabe amar?
E no minuto seguinte, após o breve e direto interrogatório, teria algumas respostas, mas a maioria delas estaria representada por um silêncio profundo. Seria, então, o momento de olhar bem fundo em seus olhos e descobrir realmente que homem é este, que atende pelo nome de Romano.
As demais respostas escondidas no silêncio poderiam surgir com a presença do deus do amor romano, um tal Cupido. Caberia a ele direcionar suas flechas – que costumeiramente partem corações, ou simplesmente bater suas asas. Qualquer destas atitudes seria suficiente para acalmar um coração que, por obstinação ou apenas curiosidade, cria expectativas toda vez que se apresenta a ele alguém, como o Romano, que pode – até que se conheça de verdade, ser pintado de qualquer cor.

sábado, 26 de julho de 2008

Esquecer. Simples assim...



Esquecer. Apagar. Passar uma borracha. Deletar. Tirar do pensamento. Ausentar da imaginação. Desconhecer. Desmerecer. Tornar indiferente. Acabar. Suprimir. Olvidar. Desaprender. Deslembrar. Desmemoriar. Desprezar. Ignorar. Desaprender. Negligenciar. Adormecer. Omitir. Desacreditar. Negar. Descrer. Depreciar. Irreconhecer. Insignificar. Pôr de lado. Perder. Distrair. Descuidar. Preterir. Invalidar. Eliminar. Cassar. Extinguir. Recomeçar.
Recomeçar porque nada dura para sempre, porque tudo tem um fim, porque a fila anda, porque sempre existe outra chance, porque não vale a pena desistir, porque a vida continua, porque você merece, porque você vale a pena, porque ainda existem pessoas boas, porque ainda existem sentimentos nobres, porque ainda existe o sol lá fora, porque o tempo cura tudo.
Recomeçar e esquecer.
Esquecer uma dor, um adeus, uma paixão, um amor, uma decepção, uma pessoa, um momento, uma palavra, uma ação, um dia, uma noite, um minuto, uma hora, um lugar, uma música, um filme, uma piada, um gosto, uma sensação, um toque, um sentimento, uma mágoa.
Esquecer e recomeçar.
Recomeçar. Reiniciar. Renovar. Restaurar. Recompor. Reformar. Reconstruir. Reparar. Retravar. Restabelecer. Consertar. Renascer. Esquecer.
Esquecer aos poucos porque muita coisa é inesquecível, porque algumas lições não se devem esquecer, porque nem tudo merece ser esquecido, porque o esquecimento faz parte da vida, porque amanhã será um novo dia, porque todo fim precede um recomeço, porque o tempo às vezes é um grande inimigo.
Esquecer para recomeçar.
Simples como álgebra e física quântica, como conjugação verbal e latim, como abrir algemas sem a chave, como atravessar o deserto do Saara sem uma gota de água, como viver sem cobertor no Pólo Norte, como ferver uma água sem fogo, como trocar um pneu sem o macaco, como trocar de roupa no escuro, como saltar de pára-quedas quando se tem medo de altura, como fazer um bolo sem quebrar os ovos, como terminar um relacionamento sem lágrimas, como encontrar um verdadeiro amor.
Recomeçar e esquecer. Esquecer e recomeçar. Esquecer para recomeçar. Simples assim...