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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A partida


Lenita entrou no ônibus às quatro da manhã disposta a nunca mais voltar naquele lugar. Estava cansada de tudo aquilo. Cansada das conversas das vizinhas na esquina, da fofoca nas mesas de restaurantes, dos olhares enquanto circulava pelas ruas da pequena cidade.
Lembrou-se, enquanto viajava, de tudo o que lhe havia acontecido nas duas últimas semanas. Lenita fora ofendida em seus maiores valores, teve sua índole e sua honestidade questionada. A formação de seu caráter havia sido julgada por estranhos.
Solitária, na grande cidade, viajou para a cidadezinha em busca de paz, em busca de acolhida e se deparou com um ninho de sujeira e hipocrisia. Mal se iniciou um novo dia e viu sua família acusada, escutou calúnias e sentiu asco. Teve vontade de gritar, mas não conseguiu. A injustiça tapou a boca de Lenita que chorou.
Lenita, que no seu dia-a-dia luta contra a injustiça e a desigualdade, e não se cansa de alertar às pessoas para que não cometam o erro do julgamento, viu-se julgada. Julgada por desconhecidos, que fizeram a maldade pela vontade do poder, fizeram a maldade por prazer, desconhecidos que não mostraram sua cara e não merecem o mínimo de respeito.
E você pode, então, se perguntar: Oras, se Lenita sabe que tudo não passa de uma calúnia sem fundamento, por que se sentiu assim? Por que Lenita sentiu vontade de sumir para sempre?
A resposta é simples. Lenita não suporta injustiças. Lenita não suportou ver nos olhos dos seus a indignação, não suportou ver tanta mentira lembrando-se das dificuldades que já passou para chegar hoje onde está.
Lembrou-se do esforço para passar no vestibular, das dificuldades encontradas na Universidade pública. Lembrou-se das conquistas profissionais, todas vindas de sua competência. Recordou-se, ainda, das contas a pagar no final do mês: aluguel, cursos, prestações, sem falar nas viagens diárias de ônibus para ir de um trabalho ao outro. Bom seria se tivesse um apartamento individual e um carro à sua disposição, mas ainda não os têm, contudo, não tem pressa.
Lenita nunca passou fome, mas não nasceu em berço de ouro. Aprendeu desde muito cedo que a maior virtude do ser humano é a honestidade e seu caráter. Moldou-se nas bases do trabalho e da dignidade. Trabalha porque precisa manter-se, não por hobby. Trabalha por amor à profissão que escolhera. Trabalha, pois o trabalho enobrece o homem e não lhe dá tempo para cuidar da vida alheia.
Lenita sempre sentiu saudades da pequena cidade onde nascera, tinha de lá boas recordações e pensava em um dia voltar definitivamente. Mas Lenita, agora adulta, percebeu que a pequena cidade não tem a violência intensa das grandes cidades, nem a miséria instalada em cada esquina, mas tem algo pior. A pequena cidade guarda a ambição e a síndrome do pequeno poder no coração de muitos, mantém em seu seio alguns coronéis que coagem a população com mentiras e ameaças.
Lenita sente saudades da época em que era criança. Naquela época as histórias inventadas eram contos de fada, lendas e poemas com belas palavras, e não histórias transbordando de mentiras da sua vida e dos seus.
Chora Lenita com pesar, chora com um dó gigante das pessoas que ainda perdem seu tempo criando histórias da vida alheia, criando versões para a vida de famílias que desconhecem. Para essas pessoas que vivem da ociosidade e da maldade por pura maldade Lenita têm um conselho, diria ela que dentro de um lar, só quem lá vive sabe o que se passa e por mais que se possa imaginar ou querer adivinhar nem sempre as impressões serão verdadeiras.
Lenita antes de partir, encheu os pulmões e bradou naquela madrugada fria, gritou o mais alto que pode na ingênua intenção de tocar o coração das pessoas que ali moravam:
- Ei vocês! Libertem-se da inveja, da ignorância e da hipocrisia! Vão ler um livro, cuidar de seus filhos e cônjuges, vão plantar uma árvore e soltar pipas, vão caçar vaga-lumes e ver se eu estou na esquina, vão fazer um bolo de chocolate e contar estrelas, vão ver o sorriso de uma criança, vão organizar sua vida e solucionar os seus problemas, vão ser felizes e por favor, deixem a mim e a minha família em paz!
Partiu Lenita, com lágrimas nos olhos e com um gosto amargo na boca. Partiu Lenita de cabeça erguida. Partiu Lenita, com vontade de nunca mais voltar naquela terra, que hoje lhe é estranha. Partiu Lenita sem nem mesmo conseguir dizer adeus.

Um comentário:

Taline Libanio disse...

Um desabafo, simples assim.
Sútil e breve, porque para bom entendedor, meia palavra basta.