Já tinha ouvido falar que não
existe nada tão ruim que não possa ficar pior, que desgraça pouca é bobagem e
que se existe a possibilidade de algo dar errado, dará e da pior maneira
possível. Aliás, o primeiro texto desta coluna falava justamente sobre essa
máxima de Edward Murphy.
No dia em que me mudei para o
apartamento onde moro, percebi que uma vidraça da janela da sala estava
trincada. Apontei essa informação na vistoria e solicitei a troca, mas ouvi do
corretor que não se fazia necessário e que quando quebrasse eu poderia
solicitar o pedido novamente.
Fiquei por quase dois anos com a
vidraça trincada. Em dias de chuva forte até sentia um frio na espinha com o
barulho provocado pelo vento que chacoalhava o vidro e sempre pensava: de hoje não passa.
Mas como disse anteriormente, se
é pra dar errado que dê no dia em que as coisas já estão todas fora do lugar. E
foi assim, no dia em que tive a minha primeira (e espero última) crise de
labirintite que a vidraça quebrou.
Diante da impossibilidade de
andar em linha reta, pensar na troca da vidraça foi algo que realmente passou
longe de meus planos durante os dez dias em que fiquei acamada. Mas de volta a
rotina, tratei de correr atrás do reparo e qual não foi minha surpresa quando
descobri que seria muito mais difícil trocar essa vidraça do que subir com um
sofá nas costas por doze andares de escada.
Fiz contato com seis vidraçarias,
apenas uma dispôs-se a encaminhar um funcionário para verificar se o serviço
poderia ser feito, as demais negaram inclusive a visita, logo de cara. Tantas
negativas deram-se pelo fato do vidro estar na janela do 12° andar de um prédio
que não tem sacada.
Uma das vendedoras me disse que
em prédios antigos é mais difícil realizar o serviço, pelo fato do vidro ser
colocado com massa e ter que ser trocado de fora para dentro. Ela ainda disse
que entendia minha dificuldade, mas devia o empecilho da visita ao risco de
queda.
Fiquei pensando depois das
ligações que a dificuldade de hoje, deu-se pelo cuidado do passado. Antigamente
as coisas eram feitas para durar (inclusive as não materiais). Não se pensava
nas substituições e reparos. Diferente de hoje que a maioria das relações são
superficiais e os móveis vêm com etiqueta de garantia e termo de validade, cogitar
a troca de um vidro colocado no 12° andar em uma estrutura de ferro não se
fazia necessário.
O fato é que a vidraça ainda
continuava quebrada e ninguém queria se arriscar a fazer o serviço. O jeito foi
agir por conta própria. Se desejar uma coisa bem feita, faça você mesmo. Certo?
Correto, mas apesar de adorar desafios, não foi dessa vez que me pendurei no
alto do 12° andar. Tratei de usar meu poder de argumentação e exigir uma ação
da imobiliária para que tudo fosse resolvido, pois já tinha passado um apuro
com uma chuva de vento que adorou invadir minha sala pela fresta quebrada da
vidraça.
Consegui através da imobiliária,
que pela primeira vez em dois anos agiu de forma rápida, um senhor, perto dos setenta
anos que gostava de brincar de homem aranha e não se importou em ficar
pendurado, com parte do corpo dentro e parte fora do prédio para realizar a
troca.
O senhor olhou o vidro com
cuidado e foi cortando pedaço por pedaço, até retirá-lo por completo. Depois,
mediu o vidro que havia trazido, fez alguns recortes, passou a massa em volta
de toda a moldura e... Bem, quando ele colocou a ponta do vidro na janela,
presenciei uma cena de desenho animado. O vidro trincou-se inteirinho.
Muito sem graça, o senhorzinho
virou-se pra mim e disse: Eu troquei uns vinte
vidros semana passada e não aconteceu isso, a senhora me desculpe, mas vou ter
que buscar outro.
Enquanto o acompanhava até a
porta me senti culpada por não tê-lo alertado de que seria estranho se o vidro
não trincasse, visto que as coisas comigo sempre acontecem no nível hard de dificuldade, mas achei melhor
evitar outras explicações e quiçá a cobrança pelo vidro trincado devido a minha
suposta “falta de sorte”.
Depois de cinquenta minutos ele
voltou com um vidro mais grosso e garantindo que aquele ali era o melhor, seria
trinta reais mais caro, mas não ia quebrar nunca mais. Olhei bem para os seus
quase setenta anos e acreditei. Afinal antigamente as coisas eram feitas para
durar e as pessoas costumavam ter mais palavra do que hoje em dia.
Finalmente o vento deixava de
entrar sem ser convidado na minha sala. Agora posso olhar a vista em dias de
frio sem cicatrizes, enquanto penso no que dentro de mim também deve ser feito
para durar, como as coisas de antigamente e aquilo que devo colocar para fora, junto
com os cacos da antiga vidraça...
Foto de: Taline Libanio.
Foto de: Taline Libanio.
Um comentário:
Texto publicado no Caderno Dois do Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 09/03/13.
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