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domingo, 14 de abril de 2013

Coloque-se!


"Cada um sabe a dor 
E a delícia 
De ser o que é..."
(Dom de Iludir - Caetano Veloso)

“Coloque-se no meu lugar! Queria ver se fosse com você!”.
Posso apostar que você já disse isso ao menos uma vez na vida. Geralmente a frase supracitada é utilizada em momentos de raiva, indignação, onde o sentimento de injustiça fala alto e o mundo simplesmente parece tornar-se um grande inimigo, onde ninguém, absolutamente ninguém te compreende.
Eu já cometi esse erro diversas vezes. Não sei nem por quantas vezes me utilizei da frase acima para tentar justificar alguma angustia, utilizando-a como o prefácio de uma explicação que geralmente acabava com lágrimas e muito arrependimento.
Recentemente inclusive, ao me indispor com uma amiga fiz uso da máxima: e se fosse com você, iria gostar? Mas acontece que a pimenta nos olhos do outro, pode até não ser refresco, mas não faz diferença alguma para o acusador. Não ter vivenciado uma situação, faz com que ela torne-se totalmente indiferente para a maioria das pessoas e isso significa ser alheio a sentimentos e suas consequências.
É justamente por isso que acredito que utilizar essa frase é cometer um erro. Diria ainda que se trata de erro gravíssimo, visto que por mais que você detalhe, desenhe e suplique,  o outro (seja ele homem, mulher, sua melhor amiga ou namorado) jamais irá entender o que você está sentindo.
A verdade é uma só, não se pode exigir do outro o conhecimento de situações que só você vivenciou. Cada um sabe o que viveu, como viveu e o que cada palavra, cada ação trouxe como consequência para sua vida. Uma ofensa ou apelido na infância pode ser tirado de letra por um garoto despachado, mas pode trazer crise de baixa estima eternamente para uma garota tímida.
As pessoas até podem imaginar, supor e respeitar o que você está sentindo, mas jamais saberão qualificar a intensidade daquela emoção. Não poderão avaliar o quão dolorosa e insistente ela é, pois simplesmente não viveram nada daquilo.
A dificuldade maior está em aceitar que o outro não tem a obrigação de saber como você se sente. É aqui que acabamos nos sentindo injustiçados, traídos, toda vez que algo que foge do nosso controle acontece. Ter essa atitude vinda de alguém que se quer bem então! É como se o mundo parasse de girar e te desse um belo puxão de tapete.
Mas para tentar superar essa dor vale lembrar de todas as vezes em que você também já ouviu essa frase. Quantas vezes alguém já não te pediu para colocar-se em seu lugar e imaginar-se em uma ou outra situação. Na certa você, assim como eu, fez um esforço absurdo e até imaginou-se vivendo cada momento, mas aposto que no final pode ter dito: e o que tem demais nisso? Se fosse comigo tudo bem.
E é aqui que começam as maiores, mais agressivas e intermináveis brigas de relacionamento. E quando digo que a arte da vida é relacionar-se não falo estritamente da relação afetiva. Relacionamo-nos 24 horas por dia, seja em casa, no trabalho, na fila do banco, no ponto de ônibus. Estar vivo, viver em sociedade significa relacionar-se e isso nem sempre é fácil.
Acontece que as maiores mágoas acontecem por parte daqueles que nos são mais próximos e isso pode parecer estranho, mas no fundo é um tanto quanto óbvio. Quando alguém tece uma crítica ou faz algo que não aprovamos isso nos dói, mas se essa ação vem de um estranho temos mais facilidade de deixar pra lá. Já quando parte de alguém próximo chega a rasgar a alma enquanto você pensa: mas logo você que me conhece tão bem foi capaz de fazer ou dizer isso?
E então eu volto ao início desse texto. Essa pessoa que te chateou e te conhece tão bem e quer tanto o seu bem, já deve ter ouvido sua história mil, cem mil vezes, já pode ter se sensibilizado com alguma coisa que te aconteceu, mas por mais que ela te conheça, que ela te ame, que ela tente, ela jamais conseguirá sentir o que você sentiu nos piores e melhores dias de sua vida.
Essa intensidade é única, e ainda bem. É ela que faz com que as pessoas sejam diferentes, que cada um sinta e pense de forma diferente diante de uma situação. É ela que faz que algumas pessoas gostem de calor e outras de frio. Que algumas amem a lua e outras morram de medo do escuro, que algumas adorem aparecer em fotos e outras não consigam se enxergar fotogênicas nem em um book profissional.
Então meu querido leitor, antes de usar essa frase e apontar o dedo para o seu umbigo, lembre-se que (feliz ou infelizmente) ainda não possuíamos a capacidade de nos colocar no lugar do outro, por melhores que sejam nossas intenções. Coloque-se no seu centro, no seu limite, no seu lugar e abra espaço para que o outro não ocupe seu lugar, mas esteja ao seu lado, de mãos dadas, tentando compartilhar a dor e deixando aos poucos que as sensações ruins um dia tornem-se apenas más impressões.
É o que pretendo fazer de hoje em diante. É o que desejo, de coração, para mim, para você e para todos aqueles que já tentaram e não conseguiram estar no lugar do outro. E se existir algum cientista interessado em criar uma máquina que seja capaz de transferir sentimentos, diria que é melhor deixar para lá, já temos problemas demais com as nossas “delícias e dores” cotidianas...

Um comentário:

Taline Libanio disse...

Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 23/03/2013.

Aguardo comentários! ^^