"Cada um sabe a dor
E a delícia
De ser o que é..."
(Dom de Iludir - Caetano Veloso)
“Coloque-se no meu lugar! Queria ver se fosse com você!”.
Posso apostar que você já disse
isso ao menos uma vez na vida. Geralmente a frase supracitada é utilizada em
momentos de raiva, indignação, onde o sentimento de injustiça fala alto e o
mundo simplesmente parece tornar-se um grande inimigo, onde ninguém,
absolutamente ninguém te compreende.
Eu já cometi esse erro diversas
vezes. Não sei nem por quantas vezes me utilizei da frase acima para tentar
justificar alguma angustia, utilizando-a como o prefácio de uma explicação que
geralmente acabava com lágrimas e muito arrependimento.
Recentemente inclusive, ao me
indispor com uma amiga fiz uso da máxima: e
se fosse com você, iria gostar? Mas acontece que a pimenta nos olhos do
outro, pode até não ser refresco, mas não faz diferença alguma para o acusador.
Não ter vivenciado uma situação, faz com que ela torne-se totalmente
indiferente para a maioria das pessoas e isso significa ser alheio a
sentimentos e suas consequências.
É justamente por isso que acredito
que utilizar essa frase é cometer um erro. Diria ainda que se trata de erro
gravíssimo, visto que por mais que você detalhe, desenhe e suplique, o outro (seja ele homem, mulher, sua melhor
amiga ou namorado) jamais irá entender o que você está sentindo.
A verdade é uma só, não se pode
exigir do outro o conhecimento de situações que só você vivenciou. Cada um sabe
o que viveu, como viveu e o que cada palavra, cada ação trouxe como consequência
para sua vida. Uma ofensa ou apelido na infância pode ser tirado de letra por
um garoto despachado, mas pode trazer crise de baixa estima eternamente para
uma garota tímida.
As pessoas até podem imaginar,
supor e respeitar o que você está sentindo, mas jamais saberão qualificar a
intensidade daquela emoção. Não poderão avaliar o quão dolorosa e insistente
ela é, pois simplesmente não viveram nada daquilo.
A dificuldade maior está em
aceitar que o outro não tem a obrigação de saber como você se sente. É aqui que
acabamos nos sentindo injustiçados, traídos, toda vez que algo que foge do
nosso controle acontece. Ter essa atitude vinda de alguém que se quer bem então!
É como se o mundo parasse de girar e te desse um belo puxão de tapete.
Mas para tentar superar essa dor
vale lembrar de todas as vezes em que você também já ouviu essa frase. Quantas
vezes alguém já não te pediu para colocar-se em seu lugar e imaginar-se em uma
ou outra situação. Na certa você, assim como eu, fez um esforço absurdo e até
imaginou-se vivendo cada momento, mas aposto que no final pode ter dito: e o que tem demais nisso? Se fosse comigo
tudo bem.
E é aqui que começam as maiores,
mais agressivas e intermináveis brigas de relacionamento. E quando digo que a
arte da vida é relacionar-se não falo estritamente da relação afetiva. Relacionamo-nos
24 horas por dia, seja em casa, no trabalho, na fila do banco, no ponto de
ônibus. Estar vivo, viver em sociedade significa relacionar-se e isso nem
sempre é fácil.
Acontece que as maiores mágoas
acontecem por parte daqueles que nos são mais próximos e isso pode parecer
estranho, mas no fundo é um tanto quanto óbvio. Quando alguém tece uma crítica
ou faz algo que não aprovamos isso nos dói, mas se essa ação vem de um estranho
temos mais facilidade de deixar pra lá. Já quando parte de alguém próximo chega
a rasgar a alma enquanto você pensa: mas
logo você que me conhece tão bem foi capaz de fazer ou dizer isso?
E então eu volto ao início desse
texto. Essa pessoa que te chateou e te conhece tão bem e quer tanto o seu bem,
já deve ter ouvido sua história mil, cem mil vezes, já pode ter se
sensibilizado com alguma coisa que te aconteceu, mas por mais que ela te
conheça, que ela te ame, que ela tente, ela jamais conseguirá sentir o que você
sentiu nos piores e melhores dias de sua vida.
Essa intensidade é única, e ainda
bem. É ela que faz com que as pessoas sejam diferentes, que cada um sinta e
pense de forma diferente diante de uma situação. É ela que faz que algumas
pessoas gostem de calor e outras de frio. Que algumas amem a lua e outras
morram de medo do escuro, que algumas adorem aparecer em fotos e outras não
consigam se enxergar fotogênicas nem em um book
profissional.
Então meu querido leitor, antes
de usar essa frase e apontar o dedo para o seu umbigo, lembre-se que (feliz ou
infelizmente) ainda não possuíamos a capacidade de nos colocar no lugar do
outro, por melhores que sejam nossas intenções. Coloque-se no seu centro, no
seu limite, no seu lugar e abra espaço para que o outro não ocupe seu lugar,
mas esteja ao seu lado, de mãos dadas, tentando compartilhar a dor e deixando
aos poucos que as sensações ruins um dia tornem-se apenas más impressões.
É o que pretendo fazer de hoje em
diante. É o que desejo, de coração, para mim, para você e para todos aqueles
que já tentaram e não conseguiram estar no lugar do outro. E se existir algum
cientista interessado em criar uma máquina que seja capaz de transferir
sentimentos, diria que é melhor deixar para lá, já temos problemas demais com
as nossas “delícias e dores” cotidianas...
Um comentário:
Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 23/03/2013.
Aguardo comentários! ^^
Postar um comentário