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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O melhor de mim...


“Um dia de cada vez, que é pra não perder as boas surpresas da vida”.  (Clarice Lispector)

Ontem o porteiro do meu prédio me perguntou de onde a chuva vem. Parei por um minuto na escada, olhei para ele, olhei para o sol de rachar mamona que se apresentava no céu azul e tentei entender o porquê da pergunta. Por um instante havia me esquecido completamente de que esse questionamento tinha sido o título de um de meus textos.
Percebi a vinculação da pergunta com o texto quando ele ergueu o braço e disse com um meio sorriso no rosto: correspondência para você, enquanto levantava o jornal, que acabava de chegar da terra natal.
Subi os três degraus que me separavam dele e peguei o jornal enquanto o ouvia comentar sobre o texto. Contou-me que sempre gostou de observar a chuva, mas que fazia tempo que não o fazia e que em um dia quente como aquele, seria bom ter a oportunidade de observar a chuva mais uma vez, e quem sabe até se aventurar em um banho de gotas frias e perfeitas.
Achei interessante o comentário. Especialmente vindo de um senhor que pouco me conhece, e ao mesmo tempo, me conhece mais do que muitas pessoas, já que sabe quando saio, quando chego, quem me visita e as correspondências que recebo.
Ele disse que não tinha lido todo o texto, mas tinha ficado feliz por ver minha coluna e que a tinha reconhecido pelo meu sorriso. Realmente deve ser esse meu cartão postal, até mesmo quando a dor me consome, o medo me assola lá está ele, meu sorriso largo, mostrando todos os dentes e tentando esconder o que os olhos não desmentem nunca.
Algumas semanas antes, quando chegava em casa, esse mesmo porteiro havia me entregue os jornais, incluindo o da terra natal e havia me questionado porque recebia um jornal de um lugar tão longe.
Contei a ele que era da minha cidade e que dali acompanhava um pouco do cotidiano dos meus, e matava a saudade das minhas raízes, mas que também tinha um outro motivo e que ele poderia olhar o jornal com calma da próxima vez até encontrá-lo.
Nas semanas seguintes ele nada disse, até que ontem me perguntou sobre a chuva. Eu gosto do meu anonimato, gosto de não contar minha história, gosto do rosto das pessoas quando descobrem algo sobre mim que poderia ter sido anunciado aos quatro ventos e nunca foi.
Gosto disso. Aqui, na grande cidade, meu sobrenome nada diz. O que faço pouco chama a atenção e jamais seria notícia de jornal. E prefiro assim, pois vou colhendo sorrisos e rostos surpresos pelo caminho. É nesta estrada que descubro as pessoas que gostam de mim pelo que sou, aquelas que confiam em mim e acreditam na minha competência, livre de indicações e julgamentos.
O sorriso de satisfação do senhor de cabelos brancos, que me abre a porta todos os dias, por ter descoberto meu “segredo”, me fez mais feliz ontem e hoje me trouxe inspiração.
Desvendar pessoas é fascinante. Um desafio diário e árduo, mas que geralmente rende bons frutos. São nas entre linhas que se descobre o melhor e o pior do ser humano. É também ali, quase no meio fio, que se descobre do que cada um é capaz.
Tenho tentado evitar o pré-julgamento, especialmente de pessoas de quem tenho amigos em comum. Definir padrões, imagens, perfis não tem dado muito certo nos últimos anos. Minha intuição nunca falha, mas o olhar alheio já me fez atribuir pele de cordeiro a lobo e vice-versa.
O bom da vida é descobrir as coisas aos poucos, como abrir um presente. Primeiro um lado, depois o outro, depois a fita e assim vai, de modo que o pacote permaneça intacto, mesmo após desvendado seu conteúdo. Crianças não têm essa necessidade, nem a paciência de guardar os pacotes, mas nós, adultos cheios de máscaras precisamos de cada um deles e é por isso que jamais devemos julgá-los pela estampa ou cor da fita.
Só sei que melhor que ser surpreendida é surpreender e é por isso que ando guardando o melhor de mim para o final da festa, para aquelas pessoas que tiveram paciência e a necessidade de abrir o pacote com cuidado, respeitando cada amassado, cada corte e a fita já desbotada pelo tempo.
O porteiro descobriu algo que faz parte do meu melhor e hoje me recebe com um sorriso inteiro no rosto, espero receber muitos sorrisos cheios nessa caminhada...Um por vez, um dia de cada vez, até que consigam desvendar o melhor de mim...

3 comentários:

Taline Libanio disse...

Texto publicado no caderno Dois do Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 13/10/12.

Dia mundial do escritor! :)

Aguardo comentários!

Luis F disse...

Oi Taline!
Guardar o melhor de si para aqueles que são dignos de serem surpreendidos e que nos surpreendem é uma das coisas que dá sabor no cotidiano de nossas vidas.

Excelente texto! Como sempre!
Bjos!

Alexandre Escoqui disse...

Espere por esses sorrisos o tempo que for por que eles sempre aparecerão , mas de uma coisa tenha certeza pois o pouquinho que te conheci percebi que voce não conseguira se revelar por inteiro , basta ler e ver como voce se descreve rsrsrs .... Mas isso eh muito bom por que sempre vai ficar um gostinho de quero mais ...