“Um
dia de cada vez, que é pra não perder as boas surpresas da vida”. (Clarice Lispector)
Ontem o porteiro do meu prédio me
perguntou de onde a chuva vem. Parei por um minuto na escada, olhei para ele,
olhei para o sol de rachar mamona que se apresentava no céu azul e tentei
entender o porquê da pergunta. Por um instante havia me esquecido completamente
de que esse questionamento tinha sido o título de um de meus textos.
Percebi a vinculação da pergunta
com o texto quando ele ergueu o braço e disse com um meio sorriso no rosto: correspondência para você, enquanto
levantava o jornal, que acabava de chegar da terra natal.
Subi os três degraus que me
separavam dele e peguei o jornal enquanto o ouvia comentar sobre o texto.
Contou-me que sempre gostou de observar a chuva, mas que fazia tempo que não o
fazia e que em um dia quente como aquele, seria bom ter a oportunidade de
observar a chuva mais uma vez, e quem sabe até se aventurar em um banho de
gotas frias e perfeitas.
Achei interessante o comentário.
Especialmente vindo de um senhor que pouco me conhece, e ao mesmo tempo, me
conhece mais do que muitas pessoas, já que sabe quando saio, quando chego, quem
me visita e as correspondências que recebo.
Ele disse que não tinha lido todo
o texto, mas tinha ficado feliz por ver minha coluna e que a tinha reconhecido
pelo meu sorriso. Realmente deve ser esse meu cartão postal, até mesmo quando a
dor me consome, o medo me assola lá está ele, meu sorriso largo, mostrando
todos os dentes e tentando esconder o que os olhos não desmentem nunca.
Algumas semanas antes, quando
chegava em casa, esse mesmo porteiro havia me entregue os jornais, incluindo o
da terra natal e havia me questionado porque recebia um jornal de um lugar tão
longe.
Contei a ele que era da minha cidade
e que dali acompanhava um pouco do cotidiano dos meus, e matava a saudade das
minhas raízes, mas que também tinha um outro motivo e que ele poderia olhar o
jornal com calma da próxima vez até encontrá-lo.
Nas semanas seguintes ele nada
disse, até que ontem me perguntou sobre a chuva. Eu gosto do meu anonimato,
gosto de não contar minha história, gosto do rosto das pessoas quando descobrem
algo sobre mim que poderia ter sido anunciado aos quatro ventos e nunca foi.
Gosto disso. Aqui, na grande
cidade, meu sobrenome nada diz. O que faço pouco chama a atenção e jamais seria
notícia de jornal. E prefiro assim, pois vou colhendo sorrisos e rostos
surpresos pelo caminho. É nesta estrada que descubro as pessoas que gostam de mim
pelo que sou, aquelas que confiam em mim e acreditam na minha competência,
livre de indicações e julgamentos.
O sorriso de satisfação do senhor
de cabelos brancos, que me abre a porta todos os dias, por ter descoberto meu
“segredo”, me fez mais feliz ontem e hoje me trouxe inspiração.
Desvendar pessoas é fascinante.
Um desafio diário e árduo, mas que geralmente rende bons frutos. São nas entre
linhas que se descobre o melhor e o pior do ser humano. É também ali, quase no
meio fio, que se descobre do que cada um é capaz.
Tenho tentado evitar o
pré-julgamento, especialmente de pessoas de quem tenho amigos em comum. Definir
padrões, imagens, perfis não tem dado muito certo nos últimos anos. Minha
intuição nunca falha, mas o olhar alheio já me fez atribuir pele de cordeiro a
lobo e vice-versa.
O bom da vida é descobrir as
coisas aos poucos, como abrir um presente. Primeiro um lado, depois o outro,
depois a fita e assim vai, de modo que o pacote permaneça intacto, mesmo após
desvendado seu conteúdo. Crianças não têm essa necessidade, nem a paciência de
guardar os pacotes, mas nós, adultos cheios de máscaras precisamos de cada um
deles e é por isso que jamais devemos julgá-los pela estampa ou cor da fita.
Só sei que melhor que ser
surpreendida é surpreender e é por isso que ando guardando o melhor de mim para
o final da festa, para aquelas pessoas que tiveram paciência e a necessidade de
abrir o pacote com cuidado, respeitando cada amassado, cada corte e a fita já desbotada
pelo tempo.
O porteiro descobriu algo que faz
parte do meu melhor e hoje me recebe com um sorriso inteiro no rosto, espero
receber muitos sorrisos cheios nessa caminhada...Um por vez, um dia de cada vez,
até que consigam desvendar o melhor de mim...
3 comentários:
Texto publicado no caderno Dois do Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 13/10/12.
Dia mundial do escritor! :)
Aguardo comentários!
Oi Taline!
Guardar o melhor de si para aqueles que são dignos de serem surpreendidos e que nos surpreendem é uma das coisas que dá sabor no cotidiano de nossas vidas.
Excelente texto! Como sempre!
Bjos!
Espere por esses sorrisos o tempo que for por que eles sempre aparecerão , mas de uma coisa tenha certeza pois o pouquinho que te conheci percebi que voce não conseguira se revelar por inteiro , basta ler e ver como voce se descreve rsrsrs .... Mas isso eh muito bom por que sempre vai ficar um gostinho de quero mais ...
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