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domingo, 6 de maio de 2012

Coração em desalinho...


"Que medo alegre,o de te esperar..."
Clarice Lispector

Seria uma noite como qualquer outra na companhia de amigos, servida de um bom vinho e longas risadas. Seria uma noite para se recordar pelo novo lugar, pela música que lhe era agradável, pelas pessoas que rodeavam o ambiente e a faziam pensar no quanto ainda restava do mundo e das pessoas que nele vivem para conhecer.
Seria só mais uma noite, não fosse pelo músico que se sentou bem à sua frente. Os olhos iluminados e o sorriso largo logo lhe chamaram a atenção. O antebraço definido e as mãos pequenas com dedos longos se moldavam delicadamente nas cordas do instrumento musical que já parecia fazer parte do seu corpo. Todos seus gestos e sons começaram a causar-lhe encantamento.
Músicas iam e vinham e os olhos fixos nele. Como era bom presenciar aquele amor que dele exalava pela música a cada acorde. Os olhos por vezes fechados, fazendo de cada momento único, para ele e mais ninguém. Enquanto tocava parecia que o mundo todo estava na ponta de seus dedos, nem a presença dela, nem as vozes ecoando no bar, muito menos a chuva lá fora o faziam desconectar daquela melodia.
Teria sido apenas mais um músico que tocava brilhantemente, digno de aplausos, não fosse pelos olhares que se cruzaram. Longamente, uma, duas, muitas vezes. Olhares acompanhados de sorrisos e de uma energia que parecia neutralizar todo o movimento ao seu redor.
O relógio corria sem pena. Anunciava a hora da despedida, ela precisava partir, mas não sem antes tentar uma aproximação. Rabiscou com cuidado algumas palavras no papel improvisado e esperou o último aplauso.
Aproximou-se dele e lhe mostrou o bilhete. Os olhos dele, de frente com os dela, brilhavam, que olhos lindos, cor de mel, donos de um olhar profundo, daquele tipo que chega até a alma. Um sorriso que parecia transcender qualquer sentimento negativo. Uma ou duas palavras trocadas, um abraço forte...Abraço demorado, gostoso, que lhe lembrou um sonho recente. Mais uma vez olhos nos olhos e o encontro rápido dos lábios. Por fim a despedia.
Caminhou pela rua deserta envolvida naquela sensação de ter ganhado e perdido algo muito importante em menos de um minuto. Sentiu os pingos da chuva no seu rosto e teve vontade de voltar, mas sua razão não permitiu. Deitou sem sono, olhou para o céu mais uma vez, nenhuma estrela, céu nublado como seus sentimentos, adormeceu.
Os dias que se seguiram foram um misto de ansiedade e decepção. Coisas do coração, coisas que vem e vão, rápidas como chuva de verão, intensas como o som daquela noite que ainda envolvia seu coração. Sons que não a deixavam esquecer daquela sensação,  daqueles olhos que já lhe pareciam tão familiar.
A ela sobrou apenas a esperança de dias com novas canções. Ao destino a escolha de lhes proporcionar um novo encontro, o que até onde sei nunca aconteceu.
Seria uma linda e romântica história, não fosse pelo bilhete esquecido no chão. Seria o encontro de possíveis almas em desalinho, não fosse pelo silêncio que ocupou todos os dias que se seguiram. Seria um amor para recordar, não fosse por aquele desafinado coração que depois de outra corda estourada provavelmente se enganou outra vez...




Ilustração de: Joa de Arievilo (http://pinturasdejoa.blogspot.com.br)

2 comentários:

Taline Libanio disse...

Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 05/05/12. Aguardo comentários!

Paula Leão disse...

Fiquei angustiada de ler Taline...faria tudo pra não me sentir assim, dava meu email, voltava!Mas nas idas e vindas pode ser que reencontre...Não desperdice oportunidades - meu lema! Bjos