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sábado, 26 de setembro de 2009

Da vista da minha janela...

Da vista da minha janela vejo o moço de olhos castanhos passar. Vejo seus cabelos ao vento e imagino seu pensamento. Ora com sorriso nos lábios, ora com ansiosos passos.
Da vista da minha janela vejo a moça se maquiar. Vejo os olhos procurando o pequeno espelho, vejo os lábios se apertarem para uniformizar a cor, ora rosada, ora furtacor.
Da vista da minha janela vejo um emaranhado de prédios. Vejo suas luzes coloridas refletindo nas sacadas, vejo semblantes atrás das cortinas, ora fechadas, ora escancaradas.
Da vista da minha janela vejo sirenes piscando. Vejo homens de farda com sorriso no rosto e poder nas mãos, ora com justiça, ora não.
Da vista da minha janela vejo mulheres trabalhando. Vejo roupas curtas e ouço palavras obscenas, vejo um comércio que explora, maltrata e vicia, ora de noite, ora de dia.
Da vista da minha janela vejo lojas adornadas. Vejo faixas de promoção e vendedores alvoroçados, ora animados, ora de pés cansados.
Da vista da minha janela vejo palhaços enfeitados. Vejo seus narizes vermelhos e seus pés enormes, vejo rostos e bocas pintadas, ora acolhedoras, ora assustadas.
Da vista da minha janela vejo um caminhão barulhento. Vejo a madrugada ser engolida por sua caçamba, nas mãos de homens desatentos, que recolhem restos de coisas e enterram-se por inteiro, num ritmo ora consciente, ora sonolento.
Da vista da minha janela vejo pombos nos fios. Vejo asas batendo e tentativas de equilíbrio, vejo vôos rasantes e bicos abertos, ora assustando a gente, ora colhendo afeto.
Da vista da minha janela vejo um mar de gente. Vejo camisas coloridas e sapatos enfeitados, vejo sacolas na cabeça, mãos e braços, vejo crianças correndo, ora felizes, ora com cansaço.
Da vista da minha janela vejo o pôr-do-sol. Vejo o amarelo invadir meu quarto, tão quente e brilhante quanto a areia do deserto. Vejo o sol mudar de cor, do amarelo ao vermelho, se findando num alaranjado lilás, ora na minha frente, ora logo atrás.
Da vista da minha janela vejo o céu azul. Vejo as nuvens em formato de bichos e pessoas, vejo sua cor alterar-se no entardecer ou quando a chuva vem, ora para lavar a alma, ora para lembrar alguém.
Da vista da minha janela vejo meu quintal. Vejo uma imensidão de coisas e pessoas, vejo a diversidade de tudo o que há e do que ainda é possível criar. Vejo alguma esperança no fim deste horizonte, que ora se reprime e ora se expande.
Da vista da minha janela vejo o mundo e toda sua confusão. Ora na palma das minhas mãos, ora caindo no chão...

sábado, 19 de setembro de 2009

Só mais cinco minutinhos...

Com o apoio do dicionário me expresso. No intuito de reservar um pouco de trabalho intelectual para o fim deste texto, hoje me resumo em algumas palavras curtas, mas de grandes significados. Palavras que não provocam surpresa como as gigantes aglomerações silábicas: inconstitucionalissimamente ou oftalmotorrinolaringologista, mas que com muita ousadia transformam coisas, pessoas e lugares.
Palavras que quando ditas provocam ansiedade e quando sentidas provocam desconforto. Palavras que se auto resumem e indicam o grau de dificuldade na tentativa de retornar ao equilíbrio.
Mentiroso, creio ser, quem nunca as disse ou as sentiu. Mentiroso diria ser quem nunca as evitou ou as apreendeu. Mais mentiroso ainda diria ser quem um dia afirmou tê-las ignorado.
Estafa: fadiga resultante de um trabalho muscular ou intelectual intenso e prolongado; Fadiga: Condição em que um indivíduo acusa crescente desconforto e decrescente capacidade física e/ou mental, decorrendo ambos de atividade prolongada ou excessiva para a sua capacidade de tolerância; Cansaço: Falta de força causada por exercício demasiado; Canseira: Esforço aturado para conseguir qualquer coisa”.
Excesso, desconforto, esforço aturado, falta de forças, decrescente capacidade física e mental, intolerância. Diria que o excesso só foi possível pela ausência de tolerância, que por sua vez não foi utilizada porque o desconforto e a falta de forças, apesar de decrescer a capacidade física e intelectual são úteis e aturáveis para se conseguir qualquer coisa, ou ainda me atreveria a afirmar: coisa alguma.
Tenho vivido dias cansativos, estafantes, repletos de ansiedades, dúvidas, renúncias e escolhas. Tenho vivido noites insones, barulhentas, pensativas e cautelosas. Tenho vivido tardes sonolentas, doloridas, sem apetite e abarrotadas de cobranças.
Quando digo que estas palavras são mágicas, capazes de transformar coisas, pessoas e lugares digo com convicção. O melhor lugar do mundo torna-se um verdadeiro castigo quando estamos fatigados, até a praia mais bela ou a vista mais linda perdem a cor quando nosso corpo e nossa mente se encontram em estado de exaustão.
O seu passatempo preferido te esgota, o som da sua música predileta, que antes você ouvia por mil vezes seguidas, te irrita, a voz da pessoa amada te confunde e os resmungos da pessoa ao seu lado te cansam. Tudo, tudo se torna intolerante.
Atender aos chamados com sorriso no rosto, respirar fundo cinco, dez, mil vezes ao dia, para não perder o controle, deixar invadir-se pelo mau humor e pelo sentimento de incompreensão, tudo isso, absolutamente tudo são sinais de estafa.
Tenho perdido o sono no início da noite, logo em seguida sou invadida por uma onda de mau humor que me consome a madrugada toda, me faz acordar sem disposição e levar o dia irritada e exausta, tomando o cuidado de não descontar nas pessoas do meu convívio meu desgaste, mas xingando baixinho desde a lerdeza do motorista de ônibus, até a quantidade de palavras e assuntos que sai da boca do meu chefe.
Tenho sentido vontade de quebrar coisas e jogar chinelos na parede, tenho tido vontade de jogar ovos bem em cima das pessoas que passam gritando de madrugada pela minha janela, de fazer uma fogueira com todos os telefones que não param de tocar e dar um stop no mundo, para que eu possa respirar por um minuto em paz e dizer: hoje eu tenho tempo.
Devo parecer ridícula com tanta reclamação, mas creio que senão todas, muitas pessoas irão identificar-se com este emaranhado de emoções que transformam-se da fadiga em angústia em apenas um segundo. Quem nunca teve seu dia de fúria? Quem nunca quis jogar tudo para o alto? Quem nunca teve vontade de dormir o dia inteiro ou só mais cinco minutinhos?
Os cinco minutinhos extras têm me feito uma falta considerável. Faltam minutos para estudar, comer, dormir, namorar, sair. E sabe por quê? Porque um dia, eu acreditei que aturar um esforço para alcançar alguma coisa fazia todo o sentido do mundo. Só me esqueci de registrar que para se desfrutar de alguma conquista é necessário manter-se sadio, de mente e corpo, e para alcançar isso é preciso um pouco mais do que cinco minutos.
Recado dado, é hora de reorganizar minhas 24 horas e se não for pedir muito, vou incitar a conquista, além delas, de só mais cinco minutinhos...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O caracol é o cara! Já eu... preciso de um caminhão!


Dizem que a casa onde a gente vive reflete nosso interior. Que quanto mais bagunçada a casa maior a confusão interior, que quanto mais organizada, mais objetivos trilhados. Dizem ainda que guardar muitas coisas significa uma enorme dificuldade de desprender-se do passado.
Confesso que se isso tudo for verdade estou em apuros. Pude perceber isso esta semana enquanto tentava organizar minhas coisas para a mudança. Depois de sete meses de árdua procura encontrei um bom apartamento, com preço acessível, em boa localização e o melhor de tudo, um espaço só meu, que possibilitará o retorno da minha privacidade.
Mas voltando a arrumação, percebi que minhas poucas coisas transformaram-se em muitas, mas muitas coisas mesmo. Coisas que eu não lembrava ter visto, que eu nem imaginava existir apareceram no meio do meu guarda-roupa e das gavetas da cozinha. Sei que encontrei um amontoado de coisas, de entrada de cinema a extrato bancário, coisas de dois anos atrás, ali acumuladas, ocupando espaço.
Espaço é algo que não terei na nova moradia, claro que terei o suficiente para me acomodar com conforto, mas nem tanto que me permitirá acumular papéis de dois anos atrás. Desfazer-me destas pequenas lembranças não foi fácil, mas foi bom.
A cada papel rasgado e colocado no saco de lixo relembrava uma situação vivida, um passeio, uma pessoa e logo em seguida separava a lembrança no coração e todo o resto despejava no saco escuro, aquele buraco negro que poderia me dar mais espaço para novas lembranças, novas alegrias e com certeza novos papéis.
Já fiz tantas mudanças de residência que nem sei dizer qual delas foi a mais difícil, além das coisas que se perdem pelo caminho, o emaranhando de opiniões, palpites e formas de fazer isso ou aquilo deixa qualquer um maluco. A começar pela escolha do caminhão que fará a mudança, pelos carregadores e porque não pela forma com que os copos e pratos serão embalados, sem falar na data em que a empresa telefônica poderá transferir o serviço.
É chato, cansativo, irritante, mas no final é muito bom. Mudar dá trabalho, nos deixa de mau humor, sem disposição por alguns dias, mas todas as mudanças nos trazem uma lição e o melhor, um novo caminho.
Tem gente que viveu por toda a vida no mesmo lugar, e isso não é ruim, mas tenho certeza que estas pessoas nunca abriram todas as gavetas e armários para reencontrar lembranças do passado. Arriscaria dizer que estas pessoas criaram novas aspirações pelas mudanças ao seu redor ou por uma mudança interior, mas não por sua própria mudança.
Tem gente que passa a ser mais simpático quando recebe uma nova vizinha na casa da frente, outros ganham verdadeiro ar sisudo com o cachorro do novo vizinho ao lado, o fato é que a mudança seja sua ou ao seu redor sempre provoca sensações que nos obrigam a renovar nossas emoções.
Existem ainda, pessoas que não conseguem se desfazer das coisas, vão guardando aqui e ali na esperança de um dia ser útil, como se aquela blusa de dez anos atrás ainda fosse servir no próximo ano, ou aquele pedaço de cano que sobrou da construção pudesse ser útil até o final do mês. Confesso que me incluo neste grupo, pois não sou tão desprendida, não consigo me desfazer de tudo o que ganho, especialmente quando se diz respeito ao meu ponto fraco, que está diretamente relacionado aos papéis.
Pode ser um bilhetinho da época da faculdade, ou um diário da quarta série, a entrada do cinema ou o cartão do táxi, tenho a mania de guardar todo e qualquer tipo de papel, o problema é que quando preciso deles dificilmente encontro. E por conta disso estou vivendo momentos de mau humor e ansiedade, deixar no saco escuro aqueles papéis que parecem tão úteis tem sido um sacrifício.
Além disso, parece que o tempo não colabora, a cada hora o número de sacos aumenta e os papéis aos poucos vão sumindo e dando lugar ao espaço, que eu sempre precisei e nunca tive. O lado negativo da mudança pode ser resumido ao meu último dia de férias, pois foi totalmente utilizado para encaixotar pertences, rasgar lembranças, empacotar saudades e detalhar certezas, amparando-as bem para que em segurança fossem levadas para o novo lar.
O que me espera agora é um novo porteiro, um novo supermercado e padaria, novos vizinhos, momentos de constrangimento no elevador, novo motorista de ônibus e novas histórias. Que sejam coloridas e alegres como todos os papéis que piquei nesta tarde, para que possam enfeitar minhas lembranças até a próxima mudança.
O que posso afirmar agora é que os sacos continuam se acumulando, e as caixas de papelão também. Seria bom se pudesse levar a casa nas costas como os caracóis que hoje dormem ao pé de uma roseira e amanhã se mudam para as folhas dos antúrios enfeitando os jardins.
Seria bom me deslocar sem rumo levando a casa nas costas, o difícil seria me desfazer dos papéis e de seus significados. Mas enquanto carregar a casa não é possível, creio que preciso de um caminhão! Um não, talvez dois ou três para acomodar bem minhas lembranças, meus pertences, minha saudade, meus papéis e, claro, toda a minha expectativa de um novo recomeçar...