"Meu poema sem dono. Que antes de ser, já não me era. Já não me tinha. E ao tentar ser, perde-se pouco a pouco. Na confusão de tanta linha". Clara Mazini.
Olhei para o céu exatamente às dezoito horas e vinte e dois minutos e acenei para o horizonte. O sol se despedia tímido, preguiçoso como o dia que se recusava a ir embora. Sua luz irradiou brilho e cor por todo o manto azul que envolve a terra.
Um alaranjado forte misturou-se
ao azul celeste escondendo um lilás recatado que logo em seguida deu espaço a
um violeta quase cinza, dando boas vindas à noite que se aproximava.
O sol se despediu em um
espetáculo furta-cor. O emaranhado das cores me fez lembrar o passado, me fez
também olhar de dentro para fora e ver o quanto anda faltando cor por aqui.
Meus sentimentos andam espalhados, esquecidos, misturam-se aqui e ali.
Dias difíceis têm se apresentado.
Notícias duras de engolir, medo, ansiedade e a insegurança, que andava sumida,
voltou e me pede agora seu lugar cativo. Eu reluto, mas a sensação é de que erro sempre
que quero acertar e até mesmo quando acerto causo mal estar.
A brisa fresca que invade minha
sala alivia o cansaço físico, mas a mente ainda borbulha. Queria tanto saber se
estou no caminho certo. Cheguei a imaginar que seria bom se meus dias
transcorressem sem surpresas, como os do astro rei. Começam e terminam sempre
no mesmo ponto. Mas mudei de ideia tão logo me lembrei de todos os pores-do-sol
que já assisti e de como cada um deixou seu significado.
Tiveram dias de céu azul claro,
outros de nuvens cinza, aquele em que a lua já lhe fazia companhia e outro em
que as nuvens brincavam de pique-esconde. Gosto quando as cores se combinam e
de quando a sombra do sol deixa todo o resto insignificante. Cada dia é único,
cada pôr-do-sol também, bobagem querer tornar os sentimentos exceções desta
regra, apesar de acreditar que assim como as cores, eles até podem se misturar,
mas não perdem suas propriedades.
A verdade é que perdi o rumo. Misturei
cores demais e agora não sei mais qual me move. No meio de toda essa confusão,
bem antes do pôr-do-sol, estava sentada no terminal de ônibus nesta mesma tarde
quando vi um senhor se aproximar. Devia ter mais de setenta anos, era gordo, de
cabelos brancos, vestia uma camisa azul que refletia seus olhos, uma bermuda
verde musgo, sapatos marrons e meias escuras.
Parou na minha frente, olhou para
os lados e resmungou algo. Levantei-me e ofereci meu lugar. Ele me olhou e
disse enquanto sentava-se: Dói muito.
Observei mais de perto seu rosto e vi lágrimas escorrerem de seus olhos. Vi suas
mãos com os dedos atrofiados e imaginei que a dor tinha ali sua causa, perguntei-lhe
se precisava de algo.
Ele me olhou, os olhos ainda
cheios de lágrimas, colocou as mãos no rosto e chorou, compulsivamente. Não
disse mais nenhuma palavra. Novamente me aproximei e perguntei se ele precisava
de algo. Nenhuma palavra, apenas as lágrimas.
Fiquei ao seu lado até meu ônibus
chegar, antes de sair, coloquei a mão em seu ombro e desejei que ficasse bem,
novamente os olhos azuis me olharam e ele repetiu: Dói muito.
Dessa vez, limitei-me a dizer: Eu sei, em mim dói também. Ele então
enxugou os olhos e disse: Obrigado.
Entrei no ônibus e da janela
observei enquanto ele se levantava e caminhava devagar até a saída do terminal.
Provavelmente nunca saberei a causa daquela dor. Mas de que adiantaria saber se
não poderia amenizá-la? Compartilhar com ele a minha dor pareceu mais racional,
por mais que minha causa fosse outra, por mais que minha dor pouco se parecesse
com a dele.
A verdade é que para dor não
existe medida, nem solução. Sua causa pouco importa. Em dias de dor intensa,
seja ela física, emocional ou espiritual, o consolo pode ser a única saída. Tem
dias em que é preciso viver a dor, curti-la até seu cessar, apontar-lhe um
ponto final nesses casos não seria saudável. Seria como interromper um ciclo,
engasgar-se com o soluço de choro engolido.
O pôr-do-sol colorido me trouxe
de volta os olhos azuis daquele senhor, a mistura das cores no céu exaltaram o
colorido de suas roupas e o sol se despedindo foi como um sopro, talvez o mesmo
que fez com que ele se levantasse e seguisse seu caminho.
Eu também quero encontrar meu
caminho. Preciso de mais cor, de misturas sem sentido, não quero mais
combinações perfeitas, preciso de novos sonhos, preciso colocar a dor para fora
e para isso desejo um sopro, forte, intenso e furta-cor...
Foto de: Murilo Mendes.
5 comentários:
Texto publicado na capa do Caderno Dois do Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 15/09/12.
Foto de: Murilo Mendes.
Aguardo comentários!
Olá,
gostei muito do texto! tem um pouco a ver com o meu dia hoje.. legal! bjss
Dor, no sentido lato da palavra, significa " Sensação mais ou menos aguda mas que incomoda". Dor, mas qual seria a linha tênue que nos permite sentir dor? Dor, dor e mais dor... Todos nós sentimos dor uns da alma, outros da perca, outros da distancia e tantos outros e outros. Cabe a gente escolher qual dor suplantar...Taline mais uma vez você arrebentou em suas palavras magicas, diretas e dolorosas....
lindo texto Tá!A foto também é incrível!
Ao ler, pensei logo na esperança de dias melhores, na ideia de renovação, tão necessária para que a gente caminhe, siga em frente.
Quando leio algum texto seu, as vezes já logo lembro de alguma música que possa embalar a leitura. Neste aqui, escutei juízo final do nelson cavaquinho
O sol....há de brilhar mais uma vez
A luz....há de chegar nos corações
O amor...será eterno novamente
bjs girl!
parabéns!
Taline sempre tive algo muito certo para mim....que algumas pessoas passam em nossas vidas e outras passam mais ficam para sempre...mesmo sem nomes...endereço...fisicamente....em seu lindo texto medito que as vezes a cor branca é a mais certa para começar e recomeçar...enfrentar...suportar...viver..sobreviver..chorar...rir...para que possamos colorido nossos caminhos....você é sentimento puro...te admiro ...Rosana
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