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sábado, 11 de abril de 2009

Toc, toc... Quem bate?


Lenita tem uma mania que a persegue desde criança. Na verdade, acho que é mais um defeito do que uma mania, mas como até hoje esse defeito perdura, creio que tornou-se parte de sua rotina, uma verdadeira e feia mania. Uma mania terrível de mentir.
Lenita sempre mentiu, mas mentia de um jeito que eu nunca tinha visto. Ela não mentia para a mãe ou os amigos, não mentia na escola ou no trabalho, ela mentia diariamente para ela mesma. Lenita mentia tanto que chegava a acreditar que suas mentiras eram verdades e a partir delas ia recortando pedaços de retalhos e costurando outros em sua vida. Tirava uma pessoa daqui, recortava um trabalho ali e ia costurando, cada coisa em seu lugar, cada pessoa fora do lugar, cada lugar dentro de uma pessoa.
Quando era criança adorava correr descalço pela grama verde, tomar banho de chuva e água bem gelada em pleno inverno. Até que um dia ela pegou uma dor de garganta daquelas e teve que tomar uma grande injeção, que a fez acreditar na primeira mentira. Daquele dia em diante ela mentiu para ela mesma que não gostava de andar descalço, nem de tomar banho de chuva ou água gelada. E repetiu essa mentira tantas vezes que acabou acreditando. Ainda hoje, ela não se dá esses pequenos prazeres, mesmo sabendo que a dor de garganta tem pouca ou nenhuma ligação com eles.
Quando entrou no colégio, ouviu uma história de que as meninas bonitas e vaidosas eram burras e que as meninas burras sempre acabavam sozinhas, sem namorados ou amigos. Ela tratou, então, de mentir para ela mesma que não era tão bonita e vaidosa, e mesmo hoje, vendo as garotas bonitas com muitos amigos e namorados, ela custa a acreditar que é bela, ao menos ainda crê na sua inteligência e preserva grandes amigos.
Certa vez, Lenita apaixonou-se muito. Um amor tão grande que parecia não caber no peito, fez planos, pensou no vestido de noiva, na cerimônia ao ar livre, nos cumprimentos, nos amigos e familiares reunidos, mas acabou por desmanchar cada arranjo do altar com as decepções que surgiram em seu caminho. Chorou rios de lágrimas e mais uma vez mentiu. Mentiu que não acreditava mais no amor, que não queria mais viver para sempre ao lado de alguém, muito menos se apaixonar. Mentiu tão forte que quase acreditou. Faltou muito pouco para Lenita nunca mais amar, foi quando recortava esse sentimento de sua vida e ali costurava um retalho cinza que foi surpreendida por um inquietante barulho:
- Toc, toc.
- Quem bate?
- É a felicidade!
- Felicidade? Até parece! Desde quando a felicidade bate duas vezes na mesma porta?
- Toc.
- Quem bate?
- Oras! É a felicidade! Posso entrar?
- Não me lembro de você, o que quer aqui?
- Vim te ajudar a costurar.
- A costurar? Mas essa colcha de retalhos é minha e de mais ninguém, gosto de fazê-la assim, sozinha.
- E até quando vai continuar achando que não precisa de ajuda para juntar seus retalhos? Pare de mentir para você mesma Lenita, me deixe entrar!
Lenita ficou sem respirar por alguns segundos e relembrou todas as mentiras, todos os sonhos desfeitos, os vidros quebrados, olhou os retalhos rasgados pelo chão, tesoura nas mãos e encontrou seu medo.
- Quem disse a você que minto? Eu não suporto mentiras! Já menti para você?
- Tantas vezes que até me afastei de você. Mentia sempre, para mim e para você. Mentia todas as vezes que buscava defeitos em você enquanto se olhava no espelho, todas as vezes que preferiu ficar sozinha por ter medo de arriscar, todas as vezes que deixou seus pré-julgamentos ditar suas regras e, principalmente, todas as vezes que privou-se de se apaixonar. Por que insiste em me afastar de você Lenita?
Lenita encostou-se na porta e pensou muito. Será que não era feliz? Mas que pergunta! Claro que era! Sempre foi feliz! Sempre foi a mais animada da turma, a piadista da família, sempre buscava manter o sorriso no rosto, claro que era feliz. É certo que às vezes ficava triste, sentia-se só, e para sentir-se melhor mentia para ela mesma. Será que a felicidade não entendia que as mentiras eram seus escudos?
Já havia escutado tanta mentira, já tinha se decepcionado tanto, com tanta gente que acabou entrando nessa onda também. Antes que alguém ameaçasse uma mentira, ela inventava uma mentira maior ainda, que a deixava segura por alguns segundos, e insegura pelo resto da semana.
Acabava pintando o homem mais romântico do mundo de um cafajeste, um conquistador barato, tudo por medo de se decepcionar. Fazia uma grande oportunidade de emprego parecer um serviço sem importância, com medo de mudar-se. E assim ela foi vivendo, mentia aqui, ali, costurava um retalho aqui, rasgava outro ali. Já estava acostumada com sua vida medrosa, pela metade. Não precisava de mais felicidade. Será que precisava?
- Como quer me ajudar a costurar? Meus retalhos acabaram.
- Pois te trouxe um retalho colorido, perfumado, que já te pertenceu, mas foi rasgado há algum tempo. Está remendado, com algumas marcas, mas continua belo e resistente.
- Que retalho é esse? Já tenho todos os que preciso aqui.
- É o retalho do sentimento mais nobre deste mundo.
- O retalho do amor?
- Esse mesmo. Deixe apaixonar-se Lenita! Vamos, me deixe entrar.
Lenita respirou fundo, não sabia se estava disposta a novos desafios, novas convivências e emoções. Não sabia se era a hora. Estendeu a colcha de retalhos no chão, e percebeu que faltava um retalho em seu centro. Olhou o retalho cinza em suas mãos, relembrou o passado, pensou no futuro e acreditou no presente.
- Toc.
- Quem bate?
- É a felicidade.
- Pode entrar. Entre e me ajude a costurar.

7 comentários:

Taline Libanio disse...

Creio que este soneto reforça a importância de viver cada momento intensamente...Em homenagem a todos aqueles que ainda creêm no poder de transformação dos sentimentos nobres...

Soneto de fidelidade
(Vinícius de Moraes)

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Paulo disse...

Adorei o texto!! Mesmo as mentiras nos confortando durante um tempo, uma hora ou outra a verdade virá e perceberemos que mesmo com algumas quedas devemos continuar na esperança de um dia a felicidade bater em nossa porta.

Anônimo disse...

My dear! Adoreii!!adorei tanto e achei de uma delicadeza ímpar que minha vontade é de te agradecer muito por compartilhar suas crônicas, é sempre um prazer poder ler tudo o que vc escreve!

Tamara

Anônimo disse...

QUEM SERÁ ESSA LENITA, PARECE QUE EU A CONHEÇO, OU TEMOS UM POUCO DE LENITA EM CADA UM DE NÓS, AS VZ A MENTIRA É UMA MANEIRA DE NOS PROTEJER, SERÁ!!!!!!, OU MEDO DE ENCARAR A VIDA COMO ELA É, NÃO SEI O CERTO, SÓ SEI QUE É..........

Luis F. disse...

Ola Taline!

Muito bom o seu texto desta semana!

Muito inteligente e criativo!

A parte do diálogo foi bem bacana!

Bjos!

xandy disse...

Muito bom o texto amore, o que seria de nossas vidas se ñ fosse as pequenas mentiras q contamos ou acreditamos enquanto esperamos q a felicidade bata um dia em nossas portas?? Toc Toc....hahaha
amo vc e amo mais!!!

Marly Meyre disse...

viver é ter esperança.
Esperança é querer viver.
bjus