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sábado, 25 de outubro de 2008

O recheio é a melhor parte? Então, coma primeiro!



Não faz muito tempo que mantinha uma mania boba, uma mania que não sei de onde surgiu, só sei que já me fez perder muitos bons momentos e me impediu de aproveitar tantos outros intensamente.
Tinha uma mania boba de deixar a melhor parte para o final. Em tudo, absolutamente tudo. Tinha uma mania boba de achar que a melhor parte deveria ser deixada para o último instante, acreditava que assim, fecharia com chave de ouro qualquer acontecimento deixando o melhor para o fim.
Fazia planos incríveis e sempre escolhia sua melhor parte e a deixava para depois, planejava uma viagem mas sempre deixava para o final (do ano, da faculdade, do curso, da formatura). Pensava em um lugar que sempre quis estar e deixava para a lua-de-mel, para viajar com os futuros filhos, enfim, os melhores planos sempre eram deixados para os momentos que eu julgava serem os mais importantes, os insubstituíveis e que, portanto, deveriam ser perfeitos.
Comprava uma roupa nova e separava para uma ocasião especial, geralmente ela nem existia ainda, mas se um dia aparecesse lá estaria. Costumava separar minhas roupas em roupa para sair, para trabalhar e para ficar em casa, era inconcebível usar uma blusa novinha em folha para ir trabalhar, “gastar a roupa”? De jeito nenhum!
Escolhia um pastel ou uma empada pelo recheio, mas comia primeiro as bordas, todas elas, aquele monte de massa, até que sobrava só o recheio e então comia, mas já não tinha o mesmo sabor, também, depois de comer tanta massa que graça teria o recheio?
Antes do almoço escolhia a sobremesa e nunca me atrevia a experimentá-la antes da comida, não sei se por conta das broncas que já levei na infância por mordiscar doces antes da refeição, ou pelo simples fato de deixar o melhor para o final.
Acontece que um dia a morte apareceu na minha vida. Como num pulo breve e ágil levou em seus braços alguém muito querido, alguém que eu achava que ia viver 200 anos, e que eu considerava a pessoa mais saudável desse mundo, não bebia, não fumava, não comia carne, praticava esportes, era muito paciente e feliz, com uma família linda. Mas para a morte não existe argumento que baste, quando ela cisma, o que nos resta é reforçar nossa fé e seguir. Confesso que já soube de muita gente que morreu assim ou assado, aqui ou acolá, de “morte morrida ou matada”, mas nunca tinha parado para refletir sobre isso, até este momento.
Tem pessoas que adoecem e se vão, deixam saudades, mas a doença prepara o coração dos seus para um adeus mais ameno, para esses a morte permite um fim mais longo,arrastado, contudo, geralmente mais doloroso. Outros partem sem avisar, são levados pelos braços sem nem mesmo conseguir dizer adeus, deixam corações aflitos, planos por terminar, deixam contas a pagar e coisas para fazer. Simplesmente vão, muitas vezes pela metade, sem ter tido tempo de deliciar-se com a sobremesa, de declarar seu grande amor ,de vestir a roupa nova ou de chegar ao recheio.
O que quero dizer com isso é que tantas vezes adiamos nossos melhores planos, deixamos de nos sentir bonitas e atraentes guardando uma roupa no armário, nos martirizando com o trabalho, deixando para outro dia ou para mais tarde o cinema, os amigos, a família e a sobremesa, com a certeza de que no final do ano, ou da semana, ou do dia a gente realiza o programado e no entanto nos esquecemos de que nem tudo é passível de planejamento com hora, dia e ano certo para acontecer.
Então, use sua melhor roupa para ir até o supermercado, você pode encontrar o amor da sua vida na fila do pão. Use salto alto para ficar em casa e sempre que tiver vontade trabalhe de chinelos. Passe batom e escove os cabelos antes de dormir. Coma a sobremesa e todo o resto que quiser quando sentir vontade, e se o recheio é a melhor parte, então, coma primeiro.
Não faça planos longos demais, feche os olhos e aponte o mapa, coloque roupas na mochila e compre a passagem de ônibus, vá, arrisque-se, viva intensamente. Declare-se, não dispense um amor verdadeiro, tente, dê uma chance a quem gosta realmente de você, lute pelo que acredita.
Trabalhe, não muito e nem pouco, o suficiente para que possa viver bem. Gaste seu dinheiro com coisas que te dão alegria, com pessoas que te fazem bem, os banqueiros não dão a mínima para você, apreciam apenas sua conta bancária. Enfim, viva cada dia, cada segundo, de modo que ele dure o tempo suficiente para que tenha valido a pena, para que tenha ao menos deixado algo de bom!
E se for para morrer, que seja de tanto rir, que seja de amor, de alegria, de prazer e em último caso que seja de saudade. Saudade de pessoas e de momentos que pudemos compartilhar e viver intensamente. Momentos em que pudemos aproveitar tudo, por inteiro, as bordas, o recheio, cada migalha, o começo, o meio e o fim.
Resumindo, diria que devemos nos apropriar da frase utilizada pelo poeta e filósofo Horácio, que desde os anos 20 a.C., aproximadamente, já nos dizia: “carpe diem quam minimum credula postero” (colha o dia, confia o mínimo no amanhã). Isso é o que desejo. É o que preciso colocar em prática, é o que sempre soube, mas nunca tive coragem de fazer...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A felicidade vem de elevador



O mês é maio, o ano 2004, o clima frio, o céu estrelado, o que a move é seu coração, o que lhe assombra é a ilusão, eis que surge uma nova história, um amor sem final feliz, mais um amor, um amor para recordar.
A vida afetiva não era convidativa, a tristeza tomava conta do seu peito. Estava desiludida, desamparada, buscava um novo amor. Em seu caminho só decepção. Conheceu algumas pessoas interessantes, outras cruzaram sua vida e passaram despercebidas. O vazio continuava.
O coração apertado, cansado, com medo de uma nova cicatriz decide interromper a busca. Resgata seu amor-próprio e, só, volta a sorrir.
Foi quando ele apareceu. Alto, com um sorriso lindo, olhos brilhantes, voz forte, inteligente, bom papo, engraçado e tímido.
Almoçaram juntos. Viam-se diariamente, tinham alguns amigos em comum, interesses diversos, sentimentos estranhos, sensações confusas. Era o início.
Foram a um restaurante, jantaram, em seguida dirigiram-se para a casa dela. Cappuccino, conversas, risos, olhares, elogios, olhares. Ele é muito interessante.
O interesse surge. Ele a olha com mistério, queria conhecê-la, fazer parte de sua vida, só não sabia como.
Os dias passam, voltam a se encontrar. Conversa fiada depois do almoço, viagem para a cidade natal. Um final de semana sem vê-lo e o pensamento começa a voltar-se para ele. No retorno, uma alegria imensa ao reencontrá-lo. Bolo de baunilha e café, risos, olhares, risos.
Caminhadas no poliesportivo, confidências, uma amizade se fundava. A vida parecia mais agradável, menos amarga, mais colorida, menos densa. Será que era real?
Mãos dadas por um curto caminho que parecia uma estrada imensa. Constrangimento, dúvida, afeição, risos.
Visita a um amigo em comum, massagem nas mãos, olhares cruzados que causam um frio no estômago. Elevador, um abraço, um passo, dois, três, apartamento 33.
Meia-luz, mochila no chão, olhos nos olhos, mãos dadas, voz rouca, frase improvisada, susto!
Lembranças, medo, atração, medo, vontade, medo, coragem, medo, saudade, medo, angústia, medo, dúvida, medo.
Um pedido, uma declaração. Amor? Paixão? Ilusão...um beijo, compromisso selado. A porta se fecha, ele sai, o sono não vem, o pensamento insiste, será ele?
Hora de tomar uma decisão. Medo, coragem, medo, coragem, medo, coragem, medo, coragem, coragem, coragem.
A felicidade veio de elevador, subiu três andares, ganhou espaço, recebeu declarações e promessas. Permaneceu ali por quase dois anos. Partiu devagar, sem fazer muito barulho, pela escada, degrau por degrau.
Desgastou-se com o tempo, com as brigas, com os valores divergentes, com os planos diferentes. A felicidade veio de elevador. A realidade a esperava na escada, bem ali no último degrau, para lembrá-la que os amores eternos são utópicos.
Ilustração de: Gabriel Vicente.

sábado, 11 de outubro de 2008

Velha é a mãe!


Depois de uma semana inteira de sol, calor escaldante, que deixou a segunda terrível e arrastou a semana num cansaço daqueles, o final de semana chegou. Enfim sábado! E só porque é sábado chegou uma frente fria, choveu e todos os programas foram literalmente por água abaixo.
Restou-nos o shopping, que em dias chuvosos torna-se badaladíssimo. Que lugar chato, um monte de gente olhando vitrines, algumas fazendo compras, fila no cinema, fila para o almoço, fila para o sorvete, fila para pagar, fila para sair. È, melhor voltar logo para casa.
Entro no ônibus na companhia de uma amiga, conseguimos dois lugares, nos acomodamos e no ponto seguinte o ônibus é abarrotado pela presença de adolescentes. Um monte deles! Entram com umas sacolas de papelão enormes e tiram folhetos, garrafas de água e pipoca de dentro delas. Então me lembro de ter visto um anúncio dias antes de uma feira de profissões em um colégio ali perto. Estavam voltando da feira de profissões, alvoroçados, entrando como uns loucos no ônibus para conquistar seu lugar, batendo com as sacolas na cabeça de todos que estavam sentados inclusive na minha. Penso que se eles tiverem a mesma garra para encarar o vestibular que tiveram para marcar território na condução estarão na lista dos aprovados com certeza.
Começam então as conversas paralelas. Um grupo de garotos fala das meninas aqui, outras meninas falam mal dos meninos ali, riem alto e o tempo todo de coisas que para mim simplesmente não faziam sentido nenhum. Que saudade dessa época, os primeiros amores, as primeiras amizades verdadeiras, as primeiras decepções, as primeiras conquistas, eita tempinho bom.
Mas voltando ao ônibus, uma garota começa uma conversa com um grupo de meninos que estava ao seu lado:
- Vocês estavam na feira?
- Sim, e você?
- Também, vocês já decidiram para que curso irão prestar o vestibular?
- Ah não, nós vamos nos formar só no ano que vem.
- Sério? Achei que já estavam no terceiro ano.
- Por quê? Você já está no terceiro?
- Sim, por quê? Não parece?
- Na verdade achei que você já tinha terminado.
Nesse momento os meninos quase caem de tanto que riem e a garota sem sentir-se intimidada diz:
- Mas quantos anos você acha que eu tenho? Dezoito?
- Na verdade achei que era mais.
- Mais quantos? Vinte e quatro? Tenho cara de velha?
Ai meu coração! Nessa hora tive vontade de levantar e dizer, velha é a mãe! Mas olhei para o lado, minha amiga se encolhia no assento de tanto rir e eu pensando, ninguém merece!
Então, comecei a pensar no quanto essa questão de idade é relativa. Quando tinha meus dez anos nem pensava no que seria do meu futuro, mas como adorava pentear minhas bonecas, achava que com dezoito anos seria uma cabeleireira famosa. Aos dezoito prestes a iniciar a faculdade imaginava que quando tivesse vinte e seis estaria casada e feliz. Aos vinte e quatro estou feliz, mas solteira e penso que aos trinta quem sabe consiga planejar um casamento. E é assim mesmo, para uma criança ter vinte ou cinqüenta anos é a mesma coisa, mas para os adultos um ano a mais faz muita diferença.
Lembro-me de um dia que perguntei para uma criança que atendo quantos anos ela achava que eu tinha e sem pensar muito ela respondeu: trinta e nove. Caramba! Então, eu disse: quase, um pouco menos e ela arriscou: dezoito? Peguei-a no colo e sorri, é quase isso, um pouco mais.
Claro que não foi muito agradável ser considerada velha aos vinte e quatro anos, mas acredito que a idade está no dia-a-dia. O que você já viu, as experiências que teve, as coisas que conquistou e as que perdeu, os começos e os desencontros, as pessoas que conheceu e aquelas que esqueceu, o pôr-do-sol e o luar que presenciou, tudo isso é que constrói sua história e sua idade.
Nossas rugas e cabelos brancos são criados por nós, com o sofrimento antecipado sem necessidade, com o stress nosso de cada dia, com as tempestades em copo d’água, com as briguinhas e intolerâncias.
Ser jovem e feliz depende única e exclusivamente de nós. Acredito que devemos ser como as crianças que não se importam com o tempo, ou com os problemas que para elas sempre tem soluções.
Sorrir mais e preocupar-se menos é ingrediente essencial para o elixir da longa existência, e isso repito em voz alta para que eu ouça também. Aproveitemos intensamente nossos dias, sejam eles de chuva ou de sol, com certeza, valerá à pena!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A partida


Lenita entrou no ônibus às quatro da manhã disposta a nunca mais voltar naquele lugar. Estava cansada de tudo aquilo. Cansada das conversas das vizinhas na esquina, da fofoca nas mesas de restaurantes, dos olhares enquanto circulava pelas ruas da pequena cidade.
Lembrou-se, enquanto viajava, de tudo o que lhe havia acontecido nas duas últimas semanas. Lenita fora ofendida em seus maiores valores, teve sua índole e sua honestidade questionada. A formação de seu caráter havia sido julgada por estranhos.
Solitária, na grande cidade, viajou para a cidadezinha em busca de paz, em busca de acolhida e se deparou com um ninho de sujeira e hipocrisia. Mal se iniciou um novo dia e viu sua família acusada, escutou calúnias e sentiu asco. Teve vontade de gritar, mas não conseguiu. A injustiça tapou a boca de Lenita que chorou.
Lenita, que no seu dia-a-dia luta contra a injustiça e a desigualdade, e não se cansa de alertar às pessoas para que não cometam o erro do julgamento, viu-se julgada. Julgada por desconhecidos, que fizeram a maldade pela vontade do poder, fizeram a maldade por prazer, desconhecidos que não mostraram sua cara e não merecem o mínimo de respeito.
E você pode, então, se perguntar: Oras, se Lenita sabe que tudo não passa de uma calúnia sem fundamento, por que se sentiu assim? Por que Lenita sentiu vontade de sumir para sempre?
A resposta é simples. Lenita não suporta injustiças. Lenita não suportou ver nos olhos dos seus a indignação, não suportou ver tanta mentira lembrando-se das dificuldades que já passou para chegar hoje onde está.
Lembrou-se do esforço para passar no vestibular, das dificuldades encontradas na Universidade pública. Lembrou-se das conquistas profissionais, todas vindas de sua competência. Recordou-se, ainda, das contas a pagar no final do mês: aluguel, cursos, prestações, sem falar nas viagens diárias de ônibus para ir de um trabalho ao outro. Bom seria se tivesse um apartamento individual e um carro à sua disposição, mas ainda não os têm, contudo, não tem pressa.
Lenita nunca passou fome, mas não nasceu em berço de ouro. Aprendeu desde muito cedo que a maior virtude do ser humano é a honestidade e seu caráter. Moldou-se nas bases do trabalho e da dignidade. Trabalha porque precisa manter-se, não por hobby. Trabalha por amor à profissão que escolhera. Trabalha, pois o trabalho enobrece o homem e não lhe dá tempo para cuidar da vida alheia.
Lenita sempre sentiu saudades da pequena cidade onde nascera, tinha de lá boas recordações e pensava em um dia voltar definitivamente. Mas Lenita, agora adulta, percebeu que a pequena cidade não tem a violência intensa das grandes cidades, nem a miséria instalada em cada esquina, mas tem algo pior. A pequena cidade guarda a ambição e a síndrome do pequeno poder no coração de muitos, mantém em seu seio alguns coronéis que coagem a população com mentiras e ameaças.
Lenita sente saudades da época em que era criança. Naquela época as histórias inventadas eram contos de fada, lendas e poemas com belas palavras, e não histórias transbordando de mentiras da sua vida e dos seus.
Chora Lenita com pesar, chora com um dó gigante das pessoas que ainda perdem seu tempo criando histórias da vida alheia, criando versões para a vida de famílias que desconhecem. Para essas pessoas que vivem da ociosidade e da maldade por pura maldade Lenita têm um conselho, diria ela que dentro de um lar, só quem lá vive sabe o que se passa e por mais que se possa imaginar ou querer adivinhar nem sempre as impressões serão verdadeiras.
Lenita antes de partir, encheu os pulmões e bradou naquela madrugada fria, gritou o mais alto que pode na ingênua intenção de tocar o coração das pessoas que ali moravam:
- Ei vocês! Libertem-se da inveja, da ignorância e da hipocrisia! Vão ler um livro, cuidar de seus filhos e cônjuges, vão plantar uma árvore e soltar pipas, vão caçar vaga-lumes e ver se eu estou na esquina, vão fazer um bolo de chocolate e contar estrelas, vão ver o sorriso de uma criança, vão organizar sua vida e solucionar os seus problemas, vão ser felizes e por favor, deixem a mim e a minha família em paz!
Partiu Lenita, com lágrimas nos olhos e com um gosto amargo na boca. Partiu Lenita de cabeça erguida. Partiu Lenita, com vontade de nunca mais voltar naquela terra, que hoje lhe é estranha. Partiu Lenita sem nem mesmo conseguir dizer adeus.