“(...)
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego
Uma
flor ainda desbota
Ilude
a polícia, rompe o asfalto
Façam
completo silêncio, paralisem os negócios
Garanto
que uma flor nasceu.
Sua
cor não se percebe
Suas
pétalas não se abrem
Seu
nome não está nos livros
É
feia. Mas é realmente uma flor”.
(A
flor e a náusea – Carlos Drummond de Andrade)
Nessa semana um acontecimento,
que para muitos pode parecer banal, fez com que mudasse meu jeito de olhar para
o caos que se instalou aqui, dentro de mim, há pelo menos duas semanas.
Estava me arrumando para sair
quando meu pai perguntou:
- Por que você não vai de carro?
Parei por um minuto antes de
responder e disse:
- É perto daqui, não será
necessário.
Não satisfeito com minha
resposta, ele insistiu e parecendo adivinhar os montes de questionamentos e
medos que passavam pela minha mente disse:
- Vai de carro, qual o problema?
- E se acontecer alguma coisa? Se
eu não conseguir estacionar, ou acontecer algum acidente?
- E o seguro? Serve para quê?
Nessa hora me lembrei de uma
conversa que tínhamos tido há 08 anos, logo que tirei minha habilitação e sofri
meu primeiro (e único) incidente automobilístico.
Convém esclarecer que nunca
gostei de dirigir. Quando completei 18 anos meus pais me incentivaram a tirar a
carteira de habilitação, mas eu não gostava nem de tocar no assunto. Fui tirar
a carta três anos depois, quando senti necessidade e fiz questão de não contar
nada a ninguém.
Fiz todas as aulas, o exame,
reprovei, fiz mais aulas, outro exame e só quando estava com a carteira em mãos
reuni a família e contei do meu feito. Na época lembro-me que meus pais não
acreditavam que eu tinha feito aquilo, sem contar nada a eles, já que morava em
outra cidade e lá tinha poucos conhecidos.
Chegaram a insinuar que eu
tivesse comprado a habilitação, mas não, posso afirmar que paguei sim por ela,
mas cumpri todas as normas, incluindo o cursinho preparatório que na ocasião
era novidade.
Bem, mas o meu feito de tirar
habilitação não se resume apenas a isso, prometo contar detalhes dessa saga nas
próximas colunas, por enquanto o que foi dito já é suficiente para dar
continuidade a essa história.
Então, como ia dizendo, logo que
tirei a carteira, juntei todas as minhas economias e convenci minha mãe a ser
minha sócia na compra de um carro. Afinal de contas, quem casa quer casa e quem
tem carteira de habilitação quer carro.
Pois bem, escolhemos o carro, um
carro popular, mas em ótimas condições que fez minha alegria até o segundo dia
em que decidi dirigi-lo sozinha. Estava a caminho de um consultório médico,
estava atrasada, era em uma das muitas subidas que existem aqui na pequena
cidade.
Consegui estacionar com um pouco
de dificuldade, mas ao sair, não sei como (até hoje me pergunto como aquilo foi
acontecer), consegui enroscar a roda da frente em um arbusto que estava na
guia. Era um arbusto pequeno e torto que se enroscava cada vez mais, a cada
tentativa de tirar o carro dali.
Sei que o resultado foi um risco
na lataria e um amassado enorme que me fez chorar dois dias seguidos enquanto
pensava: Meus pais vão me matar!
Cheguei em casa inconsolável, só
chorava e mal conseguia explicar o que tinha acontecido. Minha mãe ficou
chateada é claro, mas disse para eu me acalmar, pois não tinha sido nada.
Quando meu pai chegou e me viu
chorando disse:
- Por que você está assim?
- Você viu o carro?
- Vi.
- Então, por conta do estrago que
fiz.
- Minha filha, se não tivessem
pessoas como você os funileiros iam morrer de fome.
Na mesma hora sorri e pensei: Não é que ele tem razão!
Às vezes passamos por fases tão
difíceis, por dores intermináveis, que nos impedem de olhar para o outro, para
o que está ao nosso redor. Mas
precisamos exercitar nosso olhar, para que até mesmo nas dificuldades possamos encontrar
algo bom.
Tenho vivido uma fase difícil,
acho que a pior dos últimos 29 anos e hoje quando guardava o carro na garagem
depois de ter vencido meu medo, observei uma florzinha reluzindo no meio do
concreto. Foi então que percebi que essa fase difícil também deve me trazer uma
lição. Acho que ainda estou confusa com seu real significado, mas uma coisa eu
já percebi, ela está me fazendo mais forte e menos medrosa.
Que possamos encontrar uma flor
em cada pedra que é colocada no nosso caminho. Que tenhamos a coragem de olhar
para os lados, para baixo e, sobretudo para o alto em busca de soluções, de
respostas que nem sempre estarão na nossa frente.
Coragem, foco, força e fé é o que
desejo para que possamos encontrar, mesmo diante dos piores dias, mesmo nas
noites mais escuras e silenciosas, a sensibilidade necessária para achar graça
da desgraça, como meu pai fez...
Foto de: Taline Libanio.
3 comentários:
Texto publicado na Capa do Caderno Dois do Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 27/04/13.
Aguardo comentários! ^^
Oi Taline! Com o tempo eu percebi que para tudo, TUDO, na vida sempre tem os dois lados, o positivo e o negativo.
Se foi positivo, maravilha!
Se foi negativo, por mais difícil que seja, existe alguma lição a ser tirada da situação.
Portanto, diariamente, e em tudo, existe sempre os dois lados...
Enfim, complicado, mas é a forma como encaro as adversidades da vida!
Beijos!
Minha amiga, concordo contigo e arrisco dizer que sei qual é o sentimento quando se ouve uma sugestão do outro lado da coisa. Aquele momento que a gente, de cabeça baixa, observa nossas lágrimas no chão e quando ouve o que foi dito chora mais ainda. Não sei se de vergonha, pela tempestade no copo d´aguá, ou se por saber que aquele não é o motivo da dor. Enfim, o bom é conseguir ver este outro lado. E que bom que você tem pais que te ajudam nisso. Adorei o texto, me fez lembrar de várias situações como essa.
PS: Continuo a insistir, conheça a bicicleta, o melhor meio de tranporte para pequenas distâncias (ou seja, para uma cidade). Tenho orgulho de dizer que este ano completo 15 anos de vencimento da minha carteira de habilitação. Hahaha.
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