“Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira” .
(Johann Goethe)
Quinta-feira, oito da noite, dia
frio apesar do tímido outono, chego em casa depois de um dia cansativo mas
extremamente gratificante de trabalho e percebo que a ventania do dia anterior
deixou bem mais do que uma vidraça trincada em minha vida, bagunçou com força
minha mente e meu coração.
O pensamento fixo nas palavras da
tarde anterior ia e vinha me lembrando constantemente que alguma decisão
precisava ser tomada. Abro a geladeira, me empanturro de um doce em caldas
feito pela minha mãe e não contente abro uma cerveja e tomo, devagar, gole a
gole, brindando às conquistas do dia e pedindo coragem para novamente deixar de
ser covarde.
Nem me lembro da última vez que
tinha tomado uma cerveja sozinha em casa, especialmente em uma quinta-feira.
Não é um hábito, mas às vezes é bom para relaxar, para engolir a solidão e
olhar para dentro do caos que se instalou dentro do meu peito há quase dois
meses.
Confesso que receios misturam-se
a anseios e me fazem ter medo do sim e do não. Medo de arriscar e novamente me
ferir, medo de recuar e me privar de algo bom. Cada receio um anseio. Cada medo
um segredo. Cada segredo uma espera. Espera de um desejo sem fim que
provavelmente nem exista mais, mas que permanece guardado em algum canto da
minha alma e constantemente se apresenta sem pedir licença, fazendo questão de
lembrar-me da sua existência.
Afirmei no meio da ventania da
tarde passada que escrevo tudo o que preciso ouvir. O ouvido mais próximo é o
meu, são meus olhos que leem as palavras inéditas e as assimilam, são eles
capazes de me fazer sorrir ou chorar a cada ponto final, a cada reticências.
Minhas reticências chegaram ao
fim. É hora de tomar uma decisão. Não me resta mais espaço para o talvez, para
minha insegurança, para meu medo. A decisão tomada não terá volta, mas mudará
com certeza o rumo dos meus rotineiros dias.
Enquanto escrevo procuro colocar
os prós e contras na balança e mais uma vez me deparo com meu pavor de
relacionamentos. Como uma garota romântica que desejava casar de véu e
grinalda, e ter pelo menos três filhos hoje se tornou uma mulher que se apavora
ao menor sinal de que um novo compromisso se aproxima? O que fizeram com minhas
ilusões de adolescente? Onde as escondi?
A verdade é que parece que nunca
estou feliz. Por vezes sou exigente demais, por outras flexível demais. Uma
hora não dá certo porque não existe reciprocidade da parte dele, outra hora
porque eu não consigo me envolver. Tem dias em que coloco um ponto final por
não ter surgido o pedido de casamento e em outros porque me assustei com um
pedido inesperado. O que está acontecendo? Alguém saberia me explicar?
Depois de terminar a cerveja e
voltar para o texto me lembrei de uma palestra que assisti recentemente, dada
pelo Professor Marins onde ele focava constantemente o poder do tempo em nossas
vidas.
Que o tempo é meu grande
inspirador não é segredo algum, pelo seu excesso, falta ou transformação já me
rendeu inúmeros textos e reflexões, mas confesso que alguns pontos de vista
abordados por ele não haviam me chamado a atenção até agora. Dizia o professor:
O tempo, dividido por nós em três
partes só é alvo de nosso domínio em uma delas. O minuto passado não nos pertence
mais, o minuto futuro ainda não nos pertence, a mim resta apenas o agora, o já,
que passa na mesma velocidade, esteja você, feliz ou não, realizada ou não.
Acontece que vivemos 70% dos
nossos dias no passado, cultivando dois sentimentos complexos: a culpa (Por que
não fiz diferente, por que não fiquei com ele, por que mudei de trabalho, por
que não me arrisquei, por quê, por quê, por quê?...) e a nostalgia ( Tempo bom
era o da infância, ah! Bom mesmo foi aquele verão, queria ter quinze anos
novamente...).
Os outros 25% do nosso tempo
vivemos no futuro, alimentando dois sentimentos ainda mais complexos: a
ansiedade (Será que vou conseguir, será que vai dar tempo, será que sou capaz,
como vai ser?) e o devaneio (Se eu tivesse me tornado engenheiro, se eu não
tivesse me casado, se eu tivesse nascido rico, se, se, se...).
E sabe o que resta para o agora?
O único espaço de tempo dominado por nós? Restam apenas 5% do nosso tempo para
investir no agora, no único espaço de tempo capaz de realizar nossos devaneios,
amenizar nossa ansiedade, reparar nossa culpa ou superar nossa nostalgia.
Quando escutei isso pensei: mas não é que é verdade?! E logo em
seguida: Será que eu também vivo
desperdiçando 95% do meu tempo? E não menos de um minuto depois: Sim, você desperdiça.
E hoje, novamente me vejo
colocando prós e contras no papel, relembrando o passado e tentando adivinhar o
futuro para decidir o meu agora. Quanto tempo perdido! Por que insisto em
acreditar que com essa estratégia, de calcular friamente cada minuto, terei
mais sorte do que se simplesmente optasse por vivê-los, um a um, intensamente?!
A verdade é que ficamos esperando
momentos inesquecíveis, declarações inacreditáveis, príncipes encantados,
prêmios de loteria e não nos permitimos viver a grandeza de um pequeno detalhe,
a simplicidade das coisas banais e que apesar de raras não custam caro, basta
treinar nosso olhar para encontrá-las.
Agora tenho a oportunidade de ser
feliz, de ganhar beijos apaixonados, abraços demorados e ouvir diariamente o
quanto sou especial por fazer parte da vida de alguém. Deixar isso tudo passar
com receio de que as cicatrizes do passado retornem ou com o temor de que o
futuro não seja tão colorido quanto almejo seria no mínimo burrice.
Desejo ser feliz sem pressa,
morosamente. Desejo ser feliz agora e não só por cinco minutos, cinco dias,
cinco anos ou cinco por cento... Desejo ser feliz já e integralmente porque
cinco, ah...cinco é muito pouco!
Um comentário:
Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 21/04/12. Aguardo comentários!
Postar um comentário