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sábado, 24 de janeiro de 2009

Tinta fresca


Era domingo, dia em que podia dormir até mais tarde, acordar com preguiça e dormir mais um pouco, mas não neste domingo. Acordou cedo e disposta. Pouco mais de oito horas da manhã, abriu os olhos, sentou-se na cama e olhou o céu azul lá fora, dia lindo, pensou, dará tudo certo.
Lembrou-se da breve conversa que tivera com ele na noite anterior, relembrava cada palavra, cada frase e ansiosa deixou que o otimismo a invadisse.
Havia aberto a ele seu coração, disse-lhe todo o amor que por ele sentia e que ali estava a sua espera. Disse a ele que cansada estava de enganar-se e que não poderia ter apenas sua amizade, queria mais, o queria por inteiro e estava decidida a conquistá-lo.
Os avisos de amigas relembrando os erros do passado e as lágrimas derramadas, a voz de seu coração que prenunciava uma nova cicatriz, nada disso bastou-lhe, queria, precisava viver esse sentimento plenamente.
O dia passou arrastado, tentou ficar mais bonita, escovou os cabelos, após tomar um banho demorado, pintou as unhas e perfumou-se delicadamente. Ligou o rádio e ouviu uma canção, leu seu horóscopo no jornal e agarrou-se em livros para passar o tempo.
Quando olhou novamente no relógio, já passavam das dez horas da noite. Pois é, ele não veio. Sentiu uma dor forte no peito e uma vontade de chorar. Em sua mente vieram as lembranças como em um filme: as risadas, o cafuné, os abraços e brincadeiras, o último beijo e a ilusão.
Despertou com o som do telefone. Correu para atendê-lo, era ele. Foi uma conversa breve. Ele reafirmou gostar dela, mas disse não estar preparado para um relacionamento, creio que ele nunca esteve, nem estará pronto para relacionar-se com ela, contudo, nunca deixou isso muito claro. Disse algumas coisas a mais depois disso, mas a dor fez com que ela perdesse a audição e a fala. As palavras, já sem sentido, saiam com dificuldade. A primeira lágrima escorreu em sua face e ela desligou o telefone.
Apagou as luzes da casa e sentiu-se sozinha como jamais havia se sentido. Entrou no quarto, sentou-se na cama e chorou silenciosamente. Ficou ali, estática, por horas, acreditando que junto com as lágrimas poderia tirar do peito esse amor não correspondido.
Sentia o peito abrir-se e uma angústia profunda a dominara. Precisava sufocar esse sentimento que a invadira, sabia que a única alternativa era esquecê-lo. Lembrou-se de todas as tentativas anteriores, das decepções e finalmente percebeu que aquela história precisava de um ponto final e que a caneta estava em suas mãos.
A noite nunca fora tão silenciosa e vazia, as lágrimas há tempos não tinham gosto tão amargo. Decidiu por pingar no final daquela noite um ponto firme e único. Deu com esse gesto adeus às ilusões. Prometeu naquele instante pintar-se de cinza e nunca mais apaixonar-se.
Temo que ela cumpra essa promessa e desacredite do amor para sempre. Temo mais ainda que esse ponto final seja um obstáculo para novas histórias de amor.
No mais, me resta observá-la todos os dias. Verei com cuidado qual é sua cor e no dia em que ela estiver cinza, chorarei tristemente a perda de, talvez, uma das últimas românticas deste mundo, restará então o cheiro de tinta fresca e um novo olhar para os casais apaixonados.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Um quarto de século...



Foi ouvindo o som dos pássaros e um galo cantando bem longe, que ela abriu os olhos e observou o relógio. Ainda era cedo. Sem coragem para levantar-se, espreguiçou-se demoradamente e deu um longo suspiro.
Olhou para o criado-mudo e encontrou um embrulho colorido, deu um sorriso e não teve tempo de abri-lo, a porta se abriu e ela escutou um agradável bom dia.
Junto com a saudação ganhou um beijo e um forte abraço materno. Sua mãe abriu a janela, que lhe mostrava o dia azul e a apressava para levantar-se. Com muito custo saiu da cama, olhou pela janela e sorriu. Que dia lindo, pensou.
Ainda de pijama foi até a cozinha e sentiu o cheiro de bolo no forno. Em cima da mesa uma vasilha com recheio. Ela provou, que delícia! Foi até o quintal, brincou com o cachorro e avistou a irmã molhando as plantas. Guerra de água, alguns safanões, abraço fraterno e gosto de acolhida.
Tomou um longo banho, escolheu uma roupa fresca e bem colorida, chinelos nos pés e um cheiro de lar. Observou seu pai pela janela, um rádio de pilhas tocando música caipira e ele abanando a churrasqueira. Abraço paterno e risadas sem fim. Foi assim que passei muitos aniversários da minha infância.
Hoje, distante da minha família, o dia não começou de forma tão agradável. Acordei atrasada, com o despertador tocando uma música latina, bem diferente do som dos pássaros. Não tive o abraço materno e o desejo de bom dia veio por telefone, de forma breve. Não tinha cheiro de bolo no forno, nem fumaça invadindo a casa.
No ônibus as pessoas não sabiam meu nome e muito menos que era meu aniversário, no trabalho alguns cumprimentos e um desejo de ser feriado. O abraço fraterno chegou via SEDEX, em embalagem colorida e números digitais.
O céu está azul, mas o dia sem graça. Nem mesmo as comemorações iniciadas no final de semana e os abraços e ligações dos novos amigos conseguiram trazer de volta aquela sensação da infância.
A nostalgia de aniversários anteriores me entristece um pouco, mas, não me deixa desgostar desta data, pois para mim o ano inicia-se realmente após a comemoração do meu aniversário. É nesta data que faço o balanço do ano anterior, que retomo alguns planos e excluo outros. É neste dia que sei com quem posso contar a vida toda, esteja longe ou perto. É aqui que inicio mais um recomeçar.
E como gostaria de recomeçar com a família, amigos de infância e novos amigos reunidos. Como seria bom se fosse mesmo feriado e pudesse estar mais próxima dos meus, mas não é. E o dia passou arrastado, sem muitas novidades ou transformações.
Um quarto de século, vinte e cinco anos de vida e nada de novo, senão a saudade da velha rotina. Nada de emocionante ou surpreendente, nada, até que...
Ela entrou tímida na sala onde eu trabalhava, com um sorriso no rosto, pouco mais de um metro de altura, cabelos e olhos pretos, toda vestida de cor-de-rosa. Trazia um copo de água nas mãos, puxou uma cadeira na minha frente e sentou-se:
- Oi!
- Oi, você está sozinha aqui?
- Sim, estou trabalhando um pouco e você?
Ela aponta para os presentes em cima da mesa e diz:
- Eu estou esperando minha mãe, ela está ali do lado. O que é isso?
- Alguns presentes.
- De quem são?
- São meus.
- E por que você ganhou presentes? O Natal já passou.
- É que hoje é o meu aniversário.
- Ah é?! Parabéns! Quantos anos você está fazendo?
- Vinte e cinco.
- Nossa! Eu ainda tenho sete!
- E quando você faz aniversário?
- Só em setembro, ainda está longe.
- É, mas logo chega.
Olho para a porta e a mãe da garotinha a esperava dizendo:
- Pare de atrapalhar a moça! Vamos embora.
Nós duas sorrimos e ela despediu-se, antes, contudo, lhe perguntei:
- Qual seu nome?
- Taline e o seu?
- Também!
Ela sorriu, soltou das mãos da mãe, me abraçou e colocou o copo, já vazio, junto dos outros presentes.
- Para você!
- Obrigada! É um ótimo presente, muito útil!
Ela sorriu, deu um aceno de mãos e saiu da sala.
Nos olhos daquela criança e naquele abraço senti a sensação daquela acolhida da infância. Na cumplicidade de nomes iguais e tão raros. Na esperança de que um dia ela completasse seus vinte e cinco anos e eu voltasse aos meus sete anos de idade, nem que fosse só por alguns minutos. Foi assim que terminei meu dia de trabalho, com um quarto de século nos ombros e uma esperança infinita de dias melhores.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Folha em branco


Inspirar, respirar, expirar. Inspiração. Sem inspiração.
Não sei o que é pior, não ter inspiração ou encontrar inspiração nas coisas mais inusitadas. Hoje estou assim, sem saber se chove ou faz sol, se escrevo ou leio, se durmo ou acordo, se como ou bebo, se assisto um filme ou escuto música. Estou assim, sem sal nem açúcar. Numa ânsia de fazer qualquer coisa e com uma vontade enorme do ócio.
Mas a verdade é que preciso escrever. E escrever por obrigação nunca foi minha praia, muito menos meu campo, mas existem coisas que mesmo quando feitas sob obrigação nos dão prazer e escrever é uma delas.
Na verdade não foi difícil começar este texto, foi só olhar para a folha em branco e encontrar várias idéias: neve, boneco de neve, cenoura, salada, verão, sol, calor, chuva, frio, cobertor, suor, banho, nuvem, fumaça, neblina, montanha, grama, margarida, pomba, eca! Essa não, não suporto pombas, mas enfim, na minha mente as coisas funcionam assim, uma coisa puxa a outra.
Pode ser que todas as mentes funcionem assim, mas como não sei o que se passa na sua mente, nem se você mente quando diz sobre o que se passa na sua mente, falo só por mim.
Tenho ainda como agravante ter uma imaginação incrível, que torna o elo entre as coisas mais fortes. Na verdade acho que não existe muito sentido nessas ligações, o fato é que nem tudo precisa ter sentido. Esse texto mesmo não tem começo, nem fim, você pode lê-lo de cima para baixo, do meio para cima ou para baixo e se preferir a tradição comece do primeiro parágrafo. Tentou?
Aposto que muitos dirão que não deu certo, que não fez sentido nenhum, e não era para fazer mesmo, porque você é que constrói o sentido para o que está lendo, posso escrever qualquer coisa aqui e você vai entender de um jeito, e o fulano de outro, o sicrano vai se assustar e o beltrano achar engraçado, no fim, cada um escolhe seus significados, e isso acontece constantemente em cada segundo de nossas vidas.
Quando se está de mau humor um bom dia merece aquela resposta clássica: “só se for o seu”, ou, “o que têm de bom?” Mas se você teve uma noite maravilhosa e acordou com o som de pássaros, além de responder: “dia lindo, não?”. Vai colocar um sorriso enorme no rosto e deixar o indagador com uma pulga atrás da orelha.
Caso eu escreva que adorei a mangueira do fulano, você pode imaginar a borracha usada para lavar carros e garagens, uma árvore frutífera ou se tiver uma mente poluída outra bobagem qualquer. Do mesmo jeito que quando digo que não estou feliz com meu gato, você pode achar que não gosto de felinos, ou que não estou muito satisfeita com minha relação amorosa. Poderia ficar aqui o dia inteira escrevendo coisas desse tipo e te enlouquecer com essa tal polissemia, mas creio que já foi o suficiente para que você pensasse um segundo e tentasse descobrir outras palavras do tipo e principalmente outros sentidos para sua vida.
Na verdade só queria mesmo te fazer pensar. Pensar faz bem. Você pensa muito ou pouco? Eu penso bastante. Tanto que às vezes me esqueço do por que comecei a pensar.
Quando se pensa muito em alguma coisa, as situações ganham outros significados e muitas vezes perdem a relevância. É pensando que construímos sonhos, problemas e soluções, assim, sempre é bom pensar, mas na medida certa, nem muito, nem pouco, pense no ponto.
Pense em coisas que precisa pensar e em coisas que gosta de pensar. Pense acordado e acorde pensando, pense dormindo e durma pensando, pense e respire, respire fundo para pensar, pense rápido, lentamente pense, pense hoje, pensou ontem e pensará amanhã. Pensar no quê? Ah, isso é com você. E se não quiser pensar, lamento informar que você pode até tentar, mas não vai conseguir, pois até para pensar em nada é preciso pensar.
É isso, tão essencial e involuntário quanto o respirar é o pensar, e de tanto pensar e não encontrar inspiração acabei escrevendo esse texto sem pé nem cabeça, mas que me fez pensar e respirar um bocado! Ufa!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Cadê o espírito natalino?


O Natal passou. O tão esperado Ano novo já chegou, as árvores de natal perderam seus presentes, as casas suas decorações, as crianças a expectativa pela noite de natal, os meses ganharam novas promessas, as pessoas novos rótulos e eu ainda não encontrei o espírito natalino.
Creio que o seu Natal deve ter sido como o de muitos anos anteriores, e diria, inclusive, que em todas as casas é possível notar alguma semelhança, pois me parece que essa data foi criada para acontecer da mesma forma em todas as casas, em todo o mundo, com “pequenas” exceções religiosas, culturais e socioeconômicas. Foi criada para que se parecesse com um “comercial de margarina”.
Uma mesa farta, com um belo peru, fios de ovos, cerejas, mesa de frutas, vinho, champanhe, cerveja, frutas secas e amêndoas. Uma árvore de natal com pisca-piscas, vários pacotes de embrulho no chão, o especial da Xuxa na TV, as crianças jogando na sala, outras dormindo no sofá, os pais, tios e tias bebendo um pouco a mais, os jovens bebendo escondido e apresentando seus novos namorados para a família, as avós felizes ao ver a família reunida, amigo secreto, sorrisos, satisfação, decepção, lágrimas, saudades de quem não está presente, uma oração, um discurso, muitas piadas, sono, final da bebida, restos de pernil, luzes apagadas, um vento leve que entra pela sala e apaga a última luz: Feliz Natal. É isso.
No dia seguinte, o Natal continua, mas já não tem mais graça, os preparativos agora estão voltados para o Ano novo. As comemorações continuam, as comilanças e bebedeiras também, mas a união, as gargalhadas e a vontade de rever alguém que mora longe já passou. Os assuntos já não são mais novidades, a ressaca física e moral impede outras piadas, as crianças brincam isoladas com seus novos brinquedos, os jovens discutem por algo que aconteceu na noite anterior, as velhas mágoas ressurgem com o apagar da última luz, despediu-se o espírito de natal.
E com o Ano novo não é diferente. Festas em clubes, chácaras, amigos e família reunida, roupas brancas, fogos de artifício, champanhe, promessas, simpatias, desejos, esperança e quando se acorda tudo continua igual. Você não perdeu peso, nem arrumou um namorado, não enriqueceu, nem arrumou um emprego novo e então você se acomoda e deixa as metas do dia primeiro para o mês de fevereiro e assim vai...
Confesso que tinha certeza de que meu Natal seria assim, como um falsete para as brigas, mágoas, rancores e dúvidas. Talvez por ter que trabalhar até as 12h00 da véspera de Natal e chegar em casa praticamente com o Papai-noel, talvez por que há algum tempo já tenha desacreditado de algumas coisas, talvez por que desde que me mudei desta cidade já não fazemos mais árvore de natal, nem colocamos guirlandas nas portas, já que isso era feito por mim.
E realmente, meu Natal foi comum, como de muitos outros anos. Família reunida na casa da avó, tios e primos, amigos, muita comida e bebida, um champanhe que não abria por nada deste mundo e que rendeu as gargalhadas mais gostosas da noite. Fotos e histórias antigas, recordações, lembranças, abraços, família. Cheiro de aconchego, de acolhida, gosto de carinho e satisfação.
Foi assim meu Natal, típico e atípico, com situações comuns, como meu tio declarando seu amor por nós depois de muitas cervejas e contando a mesma história por quatro vezes seguidas, e atípico por desta vez não ter um peru enfeitado na mesa, nem árvore de natal, mas por ter sido a noite mais prazerosa em família dos últimos anos. Confesso que não parecia Natal, e que se eu não tivesse pedido a champanhe talvez nem um brinde teríamos feito em homenagem a esta noite, e realmente não seria preciso.
O olhar, as risadas, as piadas e lembranças de outros natais permitiram que esta noite tivesse um brilho diferente. E arriscaria até dizer que havia encontrado o espírito natalino neste momento, não fosse pelo fato de nele não acreditar.
As promessas para o Ano novo ainda não consegui enumerar, preferi não pensar nisso, afinal, mais preocupante do que o que provavelmente eu não irei cumprir, é a busca pelo espírito natalino. E quando digo que dele já desacreditei, não quero dizer que não acredito mais no Natal, e sim que me decepciono quando vejo no que ele se transformou.
A essência do Natal, a união da família e amigos para lembrar o nascimento do menino Jesus há tempos perdeu seu significado, hoje é representado pelos presentes, pela comida e bebida em excesso, pelos compromissos de trabalho que nos impedem de entrar no “clima” desta data festiva.
O espírito de natal para mim nada mais é do que harmonia, paz, solidariedade, caridade e isso quando acontece apenas em uma noite festiva não me parece sincero, deveria acontecer constantemente, em cada bom-dia, em cada sorriso, em cada afago e na vontade de estar perto dos que amamos diariamente e não só nesta ou naquela data.
Infelizmente não tenho visto o espírito natalino, nem aqui, nem acolá, talvez por estar buscando nos lugares errados, talvez por já não acreditar tanto na humanidade, o fato é que essa reflexão não pertence ao Natal. Pertence a você e a mim em cada minuto de nossas vidas.
Sugiro que se junte a mim nesta busca, procure nos cantos da sala, embaixo das escadas e cadeiras, dentro das gavetas e armários, nos potes de açúcar da cozinha, e principalmente dentro de você, tente encontrá-lo ai, no seu peito, na sua razão, nos seus atos.
E caso você o encontre, me avise, ficarei imensamente feliz em reencontrá-lo em épocas distantes do Natal. Até lá, deixo a esperança de dias melhores, para mim e para vocês... Felizes semanas, meses e anos novos!