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sábado, 23 de agosto de 2008

A caçadora de vaga-lumes


Era um rancho como qualquer outro, mas para uma garota de sete anos criada na zona urbana, com medo de aranhas e com pavor de mosquitos era um misto de excitação e terror.
Lembro-me bem dos finais de semana que passávamos lá, eu, minha irmã, minha avó e minha tia. Os poucos quilômetros que separavam o rancho da cidade pareciam milhas de distância para mim na época, era como se a civilização desaparecesse toda vez que entrávamos naquela estradinha de terra.
Abrir a porteira velha e fechá-la era castigo, ninguém gostava de descer da carroceria da caminhonete, então, costumávamos tirar par ou ímpar, geralmente eu perdia, logo eu que nunca ganho nem pano de prato em bingo de Igreja, ganhar no par ou ímpar seria mesmo demais. Mas tudo bem, a recompensa era chegar primeiro na entrada do rancho, sentir o cheiro da relva molhada pelo orvalho e olhar para aquele pequeno pedaço de terra que mais parecia uma imensidão. Olhava cada detalhe, tentando descobrir o que havia mudado desde a última vez que lá estivera.
Conferia a grama, nem sempre aparada e verdinha, mas sempre coberta por plantinhas que faziam nossa alegria: Dorme - Maria! E lá íamos nós, em volta da casa repetindo a frase e batendo os dedos em cada folha da plantinha que se fechava imediatamente. Checava o largo rio que cortava toda a área do rancho e já analisava se era um bom dia para fazer barcos de palha e folhas de bambu ou não. Logo depois corria para atravessar a pequena ponte de madeira, que costumávamos chamar de: a ponte do rio que cai, na verdade, caía mesmo, toda vez que o rio enchia demais lá se ia a ponte. Em seguida, gostava de encher os pulmões, abrir os braços, olhar para o alto e girar, enquanto era observada por uma fileira de árvores gigantescas, como soldados nos reverenciando e dando as boas-vindas.
Adorávamos ir bem cedinho para aproveitar cada minuto do dia, mas o melhor mesmo era o anoitecer – espaço para todos os tipos de histórias, inclusive para as primeiras de terror que me tiraram o sono.
Nunca tive coragem de dormir lá quando criança, era assustador, mas esperar até o anoitecer tinha uma recompensa valiosíssima, podíamos caçar vaga-lumes. Que delícia! Ficávamos na espera da escuridão total para que as luzes verdes começassem a aparecer, eram muitas, mal sabíamos para onde correr, minha tia ensinava como nos aproximar sem assustar os bichinhos, e lá íamos nós, com uma caixa de fósforos vazia caçar vaga-lumes.
Cada inseto aprisionado era colocado no pote transparente, ainda no escuro, quando conseguíamos uma boa quantidade, levávamos o pote para o meio da relva e abríamos a tampa, que espetáculo, pareciam dezenas de pisca-piscas desenhando no céu.
Um dia decidimos guardar alguns para vê-los no claro e foi esse um dos que considero meus maiores erros. Desde aquele dia perdi o encanto por vaga-lumes, era um inseto sem graça, não tinha aquela lanterna no traseiro como nos desenhos, nem cara de muitos amigos, senti mais asco e medo do que alegria ao vê-lo na luz, sem contar que ele não piscava longe da escuridão. Caçar vaga-lumes desde então, nunca teve a mesma graça, até o espetáculo ao abrir o pote de vidro perdera parte de seu brilho.
Hoje, alguns anos depois, vejo que não tenho mais a mesma habilidade para caçar vaga-lumes, nem mesmo vontade de fazê-lo, e quando fico nostálgica, prefiro lembrar-me do que sentia antes de conhecê-lo verdadeiramente, pois, as impressões eram melhores e me traziam mais alegria.
Creio ainda que grande parte das minhas desilusões e desesperanças atuais foram criadas por este mesmo erro cometido na infância. Muitas vezes vivemos momentos de extrema alegria e prazer que podem ser ofuscados quando quebramos expectativas criadas por nós mesmos.
Imaginar que o vaga-lume era como das histórias em quadrinho me fazia bem, mas não era real e conhecer a verdade não foi muito agradável. Assim, muitas vezes ao criarmos expectativas em relação a algo ou alguém nos esquecemos de que nem tudo é tão certo ou perfeito como imaginávamos, ou como gostaríamos que fosse e que estas ilusões podem ser quebradas por um motivo simples: somos humanos e vivemos em uma realidade que tende constantemente a cristalizar ações, pessoas e sentimentos, nos tornando cada vez menos crianças e cada dia mais adultos, infelizmente.
Ressalvo, contudo, que evitar criar expectativas não é sinônimo de deixar de sonhar, ou fechar-se para o mundo e todas as surpresas que ele nos reserva, significa apenas que devemos deixar as coisas acontecerem a sua maneira e as pessoas se apresentarem como são, antes de pintá-las da nossa cor preferida, assim, é possível evitar desilusões e promessas nunca feitas e por isso, jamais cumpridas.
Resta-nos, pois, viver cada instante e olhar esporadicamente no baú do passado para aproveitar as boas recordações e encontrar nas entrelinhas algumas respostas para as angústias de hoje. Que tal tentar? Você se lembra de alguma história da sua infância que te disse boas-vindas, mesmo que de forma amarga, ao mundo chato dos adultos? Posso apostar que sim...

3 comentários:

Anônimo disse...

tatá, cada dia melhor... =)
bjinhu!

Flávio Guto disse...

Mais uma vez, uma ótima crônica, amiga!
Senti isso há pouco tempo quando fui assistir "História sem Fim", filme que me encantava quando eu era moleque e que estes dias me pareceu tão bobo... Mas lembro do que ele me representava na infância e de como ele me fazia feliz!
E só discordando um pouco, acho que nós devemos sim criar expectativas. Com certeza é um baita risco que corremos, mas a vida é risco mesmo: risco das coisas darem errado, mas também de darem certo. Jamais deixe de sonhar; esta ação é o irreal que nos permite lutar e viver.
Bjão

Anônimo disse...

E sou eu que tô nostalgica ?!

Drica Lupianhes