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segunda-feira, 13 de maio de 2013

Jeito para tudo...


“(...) A vida significa tudo
o que ela sempre significou
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?
Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho...”
(Santo Agostinho)

Em uma consulta médica recentemente me deparei com um doutor bem diferente dos que se apresentam atualmente. Um senhor de pouco mais de 60 anos, cabelos brancos, voz forte e que dispensa da atenção e do tempo geralmente economizados pela maioria dos médicos.
Após me perguntar como me sentia, quando retornava de um período afastada, o senhor sentado a minha frente não se furtou a aceitar minha resposta e me deu conselhos em forma de histórias, mostrando-me outro lado da vida.
Contou-me sobre a improvável possibilidade científica de um besouro voar e de como sua aerodinâmica o impedia disso. Enquanto ele falava, me lembrava das inúmeras vezes que já tinha me assustado com um besouro caindo na minha cabeça no rancho do meu avô. Perguntou-me se eu acreditava que um besouro poderia voar, mesmo contradizendo as Leis da aerodinâmica e pensei que se eu não estava louca, já tinha presenciado muitos deles realizando tal feito.
Minha resposta então foi sim. Pois bem disse ele, você está certa. E acrescentou que o besouro só voava por não saber que ele não poderia conseguir fazê-lo, visto que ninguém teria lhe dito que seu peso, suas formas o impediriam de sair do chão e finalizou essa história com essa frase:
 - Para tudo nessa vida têm jeito, basta acreditar.
E quando menos percebi, havia acrescentado sem pensar:
- Menos para a morte.
Foi quando o vi arregalar os olhos, se ajeitar na cadeira e me dizer com toda a convicção do mundo:
- Será?
Cresci aprendendo que para tudo nessa vida tem um jeito, menos para a morte. Não sinto medo de morrer, mas morro de medo quando me deparo com a menor possibilidade de alguém próximo partir dessa para uma melhor. Ditado que também é questionável, já que não sabemos exatamente o que encontraremos do lado de lá, sendo difícil afirmar que será melhor do que aqui.
O fato é que seja por nós ou pelos outros acho que nunca estamos preparados para a morte. Morrer significa fechar um ciclo, partir, desligar-se da terra e dos seus bens e grande parte das pessoas simplesmente não se preparam e nem tem interesse de estar prontas para isso.
E isso é algo absurdo se pensarmos que é a única certeza da vida. Se é óbvio que vamos morrer, que para a morte não há jeito, por que não nos preparamos para ela? Por que insistimos em deixar com que ela nos derrube pelas costas e nos pegue desprevenidos? Por que não aceitar a morte como algo previsível e que pode ser transpassada com tranquilidade e sabedoria?
Creio que a resposta é uma só: porque ninguém gosta de perder. Aceitar a morte significa aceitar a perda. Perda de pessoas amadas, perda de bens, perda de momentos, perda de cheiros, sabores e imagens. Perda de risos, de colos e abraços.
Esse mesmo médico me contou outra história quando afirmei a previsibilidade da morte. Disse que tinha um vizinho relojoeiro que ficou paraplégico aos 18 anos e que afirmava não ter medo da morte. Dizia que a morte assustava quem não tinha tempo para realizar o que queria, o que gostava e que para ele, apesar de trabalhar com relógios, tempo era o que menos lhe importava, pois o tinha de sobra. Dizia que a morte poderia chegar mais cedo para ele do que para outros, devido a sua debilidade física, mas a única certeza que ele tinha é que estavam todos na mesma fila e que um dia voltariam a se encontrar.
A questão do tempo me fez repensar a morte. Entendi que ao ser questionada sobre a certeza da morte, poderia ter mil respostas, e que a única certa diria respeito ao que acredito. Se acreditar na eternidade a morte será só um estágio, se acreditar no fim com a morte, esta será o grande ponto final, se acreditar em reencarnação a morte será só mais um degrau para a evolução.
Independente de acreditar nisso ou naquilo acho que o que nos falta é valorizar em vida o que a morte nos apontará como perda. E para isso precisamos do tempo que o relojoeiro tem de sobra e a nós constantemente falta.
Valorizar os minutos com as pessoas e coisas que nos dão prazer não é aumentar a lista de perdas quando a morte chegar, pelo contrário, é encará-la de frente, dizendo a cada dia que está preparado para sua chegada, pois tem feito tudo o que tem vontade, o que dá prazer e principalmente ao lado das pessoas que ama.
Se amanhã ou depois você ou elas partirem a perda não será ausência, mas presença em forma de lembrança, em forma de cheiros, sabores e abraços que jamais serão esquecidos. A saudade tornará a perda dolorida, difícil de encarar, mas se você teve tempo para dedicar-se a pessoa que se foi, ou a fazer o bem enquanto esteve aqui, as boas lembranças transformarão aos poucos a saudade em nostalgia.
Hoje entendo o que aquele doutor de cabelos brancos quis me dizer. Não adianta sofrer pelo inevitável, mas podemos viver o previsível de forma a aproveitar cada minuto do nosso tempo com o que e com quem realmente importa.
E apesar da sua previsibilidade, a morte não tem data e hora marcada para chegar, então acho que devemos começar a partir de agora a redirecionar nosso tempo para as pessoas que amamos, para os sonhos e planos que a cada ano que passa ficam mais distantes.
Percebi ao sair do consultório que tinha iniciado meu reordenamento de tempo na semana anterior, antes mesmo dessa conversa, mas que ainda existe tempo de sobra para torná-lo preciso, detalhado, minucioso. Vou fazer um planejamento de dias felizes a curtíssimo prazo ao lado das pessoas que amo, pois se para a morte não existe jeito, para a vida tem... E como tem!

Foto de: Taline Libanio.

3 comentários:

Taline Libanio disse...

Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 04/05/13.

Aguardo comentários!^^

Luis F. Moraes disse...

Olá Taline!

Eu busco em todas as situações olhar os dois lados, o positivo e o negativo. E por isso, acredito que para tudo existe um jeito, um "remédio", por mais que seja difícil em determinados assuntos.

E eu, assim como você, me preocupo muitas vezes mais na perda de pessoas queridas do que na minha...

Ótimo texto! :)

ana flávia disse...

Amiga querida, como fiquei feliz de ler esta crônica... parabéns pela nova forma de interpretar a vida! Amo vc!