“Quanto mais gosto da humanidade em geral,
menos aprecio as pessoas em particular, como indivíduos” (Fiodor Dostoievski).
Hoje me lembrei da única vez em
que fui vítima de um assalto nessa vida. Estava morando em Franca/SP, no
segundo ano da faculdade e descia com algumas amigas em uma rua pouco iluminada
a caminho de uma festa em república. Um rapaz
se aproximou de nós, anunciou o assalto e pediu dinheiro.
Uma de minhas amigas tirou o que
tinha na bolsa e entregou a ele, eu não tinha nada, só o ingresso da festa e um
bilhete de ônibus que também foi parar na mão do sujeito. Tão logo pegou a
merreca que conseguiu das estudantes, correu e nós ficamos ali, uma olhando
para a outra sem saber direito o que tinha acontecido.
Não me lembro de ter sentido
medo, aliás, fui a única que conseguiu abrir a boca e pedir que ele tivesse
calma. Era um garoto ainda, não foi agressivo, tão pouco insistente. Apesar de
ter sido um assalto anunciado, não me senti ameaçada, ou apreensiva, não mais
do que hoje.
Estava a caminho do trabalho, às
oito da manhã, em pé, no ônibus, que não estava lotado, mas sem lugar para
sentar, quando senti uma pressão no meu quadril que me incomodou um bocado.
Olhei para trás e vi um senhor, de estatura baixa, cabelos grisalhos, rosto
enrugado pelas marcas do tempo, de costas para mim, encostando seu quadril no
meu.
Tão logo o vi, com aquele
perfil típico de vovô dos comercias, pensei: ele deve estar tentando se equilibrar, não deve ter sido de propósito.
Dei um passo para o lado e sai daquela situação. Qual não foi minha surpresa
quando o mesmo senhor vira-se, coloca-se atrás de mim e tenta me abraçar com as
pernas, se é que me entende. Na mesma hora dei-lhe uma cotovelada e caminhei
para perto da porta.
E como tudo que está ruim, pode
ficar pior, qual não foi minha surpresa maior quando o vi se aproximar e
novamente tentar se encostar em mim, assim que o ônibus parou. Nesta hora não
tive dúvida, olhei para ele e disse em alto e bom som: O senhor não tem vergonha?
O cidadão olhou para trás, como
se não fosse com ele, em busca de uma saída para algo que não tinha explicação,
olhei novamente para ele a espera de uma reação, mas nada, nenhuma palavra para
tentar desculpar o que já era evidente: sua tentativa ridícula de me assediar
dentro do ônibus.
Senti vontade de dar-lhe um belo
soco no nariz, ou um golpe de Muay thai para ver se ando aprendendo algo nas
aulas, mas respeitei seus cabelos brancos e limitei-me a mostrar-lhe que não
concordava com aquela situação, que ele me dava asco e que para dizer bem a
verdade, não conseguia acreditar que um homem naquela idade estava se
sujeitando a isso.
Devia ter chamado a guarda
municipal, quem sabe até a polícia e feito um boletim de ocorrência contra
aquele depravado, mas não o fiz, estava atrasada, precisava trabalhar e dei por
resolvido o que foi observado por um ônibus inteiro e por ninguém comentado, ou
defendido.
Ter passado por essa situação
constrangedora foi horrível, mas pior ainda foi ver que ninguém, absolutamente
ninguém, tomou qualquer atitude para me defender, ou evidenciar o erro do
sujeito. Cheguei ao trabalho sentindo-me mal e apostando que coisas desse tipo
só aconteciam comigo, mas qual não foi minha surpresa maior ainda quando ao
expor o ocorrido para as colegas de trabalho escutei mais cinco histórias
parecidas vivenciadas por cada uma delas.
Foi então que parei para pensar
no quanto as pessoas me assustam. Creio que não exista nada pior para uma
mulher do que sentir-se desrespeitada, invadida, ultrajada, agredida dessa
maneira. A sensação de impotência é a pior do mundo, perca talvez para a de
injustiça, e infelizmente tanto uma quanto a outra (que nem deveriam existir),
andam presentes demais na rotina contemporânea.
Lembrei-me de todos os atendimentos
que fiz de mulheres vítimas de violência, das manchetes e declarações machistas
estampadas pela mídia do mundo todo recentemente, da luta incessante dos
movimentos feministas em busca da garantia de direitos básicos para as
mulheres, de todas as piadas ridículas que já ouvi sobre o assunto e da
banalização sobre assédio ou violência que pipoca por ai e me arrependi de não
ter tomado nenhuma atitude.
Voltei para casa envergonhada.
Com vergonha alheia de todos que colaboram para que essas situações perdurem
com comentários imbecis. Com vergonha da atitude tomada por aquele senhor que tinha
idade para ser meu avô, mas que não merecia nem um pingo do meu respeito. Com
vergonha das pessoas que não moveram nenhum dedo para me proteger daquela
situação. Com vergonha de mim, por não ter ocupado meu tempo com algo que
talvez não mudasse em nada meu dia, mas que poderia quem sabe mudar o enredo da
história de outras mulheres.
A verdade é que vivemos deixando
de lado tudo o que não consideramos essencial, ou que pode parecer irrelevante,
muitas vezes pela falta de apoio ou consentimento de quem nos rodeia. Hoje
quando contei para algumas pessoas sobre o que tinha acontecido elas riram,
consideraram normal o ocorrido em um tom: você
não foi a primeira e nem será a última.
Sim, infelizmente não sou
manchete inédita nesse quesito, nem tão pouco ela sairá de moda, mas se
continuarmos tendo esse tipo de postura, atitudes como as que vivenciei hoje
continuarão a acontecer, e o pior, cairão no modo banalização da violência em
breve. Espero não estar viva para presenciar o dia em que será considerado
normal um homem agarrar uma mulher no ônibus, ou ainda uma atitude heroica
observar algo do tipo e segurar-se calado, sem reação.
A verdade é que vivo enchendo a
boca para dizer que ainda acredito na humanidade, que ainda acredito nas
pessoas, mas tem dias em que sinto uma vergonha alheia tão grande que tenho até
receio de me rotular como parte desse gênero, esse ai, que se diz humano...
6 comentários:
Texto publicado no Jornal Democrata de São José do Rio Pardo/SP, no dia 01/09/12.
Aguardo comentários!!^^
Puxa amiga, sinto muito por você ter passado por isso. Infelizmente também conheço pessoas que passaram por situações semelhantes e sofreram muito as consequências de tamanha violência. Realmente não podemos nos calar diante disso e de outras tantas formas de violência, como não tolerar a diferença. Precisamos de um mundo com mais amor e respeito!
Sei bem o que você descreveu, infelizmente também passei por situação semelhante, no metrô em SP. Foi ultrajante, me senti impotente e também não fiz nada, mas concordo que não devemos nos calar e nem banalizar situações como essa. é isso aí!! concordo com a FER precisamos de mais amor, respeito e atitude!!
Ridícula a atitude do cidadão e ainda mais ridícula a dos outros usuários do ônibus de "fingirem" que nada estava acontecendo para tal acontecimento. O pior é que na sociedade em que vivemos, era ainda capaz de darem razão ao cidadão idoso, somente por este ser idoso... E triste ainda saber que provavelmente o mesmo idoso idiota vai voltar a fazer o mesmo com outras mulheres. E a sociedade? Vai se portar que nem aquela imagem dos três macacos: nao vi, nao ouvi e nao falei... Triste...
Essa é a mais pura expressão da banalização das mazelas humanas.
Podemos considerar redundante, chover no molhado ou qualquer expressão similar, mas também já passei por situação semelhante. Detalhe: com aplausos e tudo. Os que presenciaram entenderam se tratar de briga de casal, após ele me passar uma rasteira e me derrubar no chão, em plena luz do dia. Temo pelas próximas gerações.
Bjs lindaaa...
Oi Tah, quando eu te disse que já não tinha mais esperança no "ser humano", é por esses e outros motivos. Como já te disse, minha esperança já minguou. Realmente sinto muito por você, muito mesmo, quando você me ligou naquela noite percebi o quanto você estava nervosa, e o pior de tudo é que nem há palavras para amenizar isso.
Pra mim, este foi um de seus melhores textos, infelizmente com um conteúdo triste.
Te adoro Tah.
Beijos.
Leonardo Messias Vieira
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