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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cobrança em dobro...


Semana passada fui consumida pelo trabalho e pela indisposição provocada, sobretudo pelo calor que tem castigado a cidade. Um ar quente, abafado, que dificulta até a respiração. Em dias assim o melhor a se fazer é ficar em frente ao ventilador acompanhado de muita água fresca, contudo, nem sempre isso é possível, especialmente em dias úteis, mais especificamente no meu local de trabalho.
Uma das minhas atribuições é realizar visita domiciliar. Confesso que não gosto muito desta prática profissional, acho invasiva e em muitos casos desconcertante, apesar de aceitar e compreender sua importância e utilidade. O fato é que não gostar não significa não fazer e em alguns casos minha presença faz-se inevitável e o que me resta é aproveitar a ocasião para algum aprendizado.
Em virtude da necessidade de renovar um benefício existente no município voltado a mães que tiveram no mesmo parto dois ou mais filhos, ou seja gêmeos, dirigi-me a uma residência onde já esperava encontrar pelo menos duas crianças, mal apertei a campanhia e logo vi uma cabecinha na porta dizendo:
- Quem é você?
Apresentei-me e pedi para que a garotinha de quatro anos chamasse a mãe. Não demorou muito para que a mãe da criança aparecesse na companhia da irmã gêmea. As duas garotinhas negras, com os cabelos cheios de trança, quatro anos completos e um sorriso largo no rosto, me puxaram pelas mãos mostrando as roupas idênticas e indicando o caminho da sala.
Enquanto entrevistava a mãe das crianças era constantemente interrompida. Pediam para ver meu crachá, minha caneta, o processo, o que eu estava escrevendo e porque fazia tantas perguntas para a mãe, previ que logo começaria o meu interrogatório e não demorou quase nada para que as perguntas explodissem:
- Você tem pai?
- Tenho sim.
- Esse aqui é meu pai – me dizia uma das meninas mostrando um porta-retrato.
- E onde está seu pai?
- Ele foi trabalhar. Sabia que eu adoro o meu pai?
- É mesmo? Ele é um bom pai?
- É sim, ele me levou no Mecjoni.
- Onde?
- No Mecjoni, você não conhece?
- Eu não. Onde fica?
- É bem longe, um dia eu peço para o meu pai te levar.
Vendo que eu realmente não estava entendendo nada sobre o Mecjoni a mãe das crianças me esclareceu que se tratava do Mc Donald's e que as crianças tinham estado no local na ocasião do aniversário da irmã mais velha.
Mistério esclarecido, eis que começou novo interrogatório:
- Tia, como chama sua filha?
- Eu não tenho filha.
- E seu filho, como chama?
- Eu também não tenho filho.
- Nem gêmeos?
- Não, nem gêmeos.
Certa de que minha explicação tinha sido suficiente continuei a preencher os papéis do formulário, até que novamente fui interrompida pela garotinha:
- Por que você não me conta o nome da sua filha?
- Porque eu não tenho filha.
- Nunca teve?
- Não.
-Mas por quê?
-Porque ainda não chegou a hora.
-E quando vai ser a hora?
Boa pergunta – pensei comigo. Mas antes de tentar responder o que não tinha resposta fui salva novamente pela mãe das crianças que com a face rosada de vergonha disse para as filhas:
-Ela ainda não tem uma filhinha, mas um dia ela vai ter.
Não satisfeitas com a resposta começaram novamente as interrogações:
-E como vai chamar?
-Não sei ainda.
-Sua filhinha não vai ter nome?
-Vai sim.
-E como vai ser?
-Não sei.
-Não sei é nome, tia?
-Não, disse que ainda não pensei nisso.
-Conta tia, como vai ser o nome?
-Cara – disse sem pensar, por ter escutado o nome no anúncio da novela, pouco antes da pergunta, na televisão ligada na sala.
-Clara?
- Isso.
- Credo tia, que nome mais feio!
Não segurei o riso. Tantas perguntas para ter a conversa encerrada com uma crítica. A mãe das meninas nesta altura já não sabia se sorria, se chamava a atenção das filhas ou se me pedia desculpas.
Sai daquela casa com um ar diferente, sem saber ao certo se estava bem ou não. Acho que até um pouco tonta. Na verdade assustada, afinal nunca imaginei ser cobrada em dobro por não conhecer o Mcjoni e por não ter filhas.
A verdade é que este encontro com as garotas me fez pensar nos anos que estão passando velozmente e nos meus sonhos futuros, que incluem filhos, quem sabe gêmeos. Sonhos esses que têm sido tão deixados de lado que já nem sabia o que responder quando questionada a dizer um nome. Sonhos tão impensados ultimamente que pareceram improváveis depois desta conversa.
Creio que na verdade o susto serviu para repensar algumas posturas e renovar alguns sonhos. Sonhos esses que vi estampados nos sorrisos largos e nos olhos de jabuticaba daquelas duas garotinhas gêmeas.



Ilustração de: Gabriel Vicente.

2 comentários:

Fernanda disse...

McJoni foi muito engraçado!!! Quanto às outras questões nem sempre são, mas faz parte! Tudo tem seu tempo! Bjo0 amiga!!!

Isabel disse...

Tenha paciência tudo virá ao seu tempo... tudo dará certo no final...
Filhos são um presente de DEUS, mas exigem muita renúncia, e a gente tem que estar preparado para essas renúncias, senão....