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domingo, 12 de setembro de 2010

O que os olhos não veem o coração sente...


Depois de um longo feriado que me rendeu muitas histórias, imaginei um retorno pacato à rotina. Um dia comum, sem muitas surpresas, sem fortes emoções ou mudanças.
No trabalho tudo bem, nada além do esperado, alguns imprevistos brevemente sanados, enfim, nada capaz de tirar meu controle e minha paz.
O final do dia chegou rápido, quatro dias longe de tudo me deu a sensação de ter ficado longe da cidade por um ano. O feriado passou rápido e o dia subsequente mais rápido ainda. Ao tentar voltar para casa consegui perder três ônibus. Dizia para mim em pensamento: Mas será possível? Três ônibus em menos de cinco minutos, só você mesmo!
Acabei entrando no primeiro ônibus que encontrei depois destes desencontros, certa de que seria o caminho mais curto até em casa. É claro que não foi assim tão curto, já que o motorista percorreu dois bairros inteiros antes de se dirigir ao meu destino final.
Só não perdi a calma graças ao prolongado descanso físico e mental e especialmente por ter entendido mais uma vez o porquê de ter perdido três ônibus antes de parar dentro deste.
Andávamos há pouco mais de quinze minutos quando o ônibus parou em um ponto sem muito movimento, vi a porta se abrir e um garoto gritar:
- Calma pai, já pedi para o motorista esperar.
Em seguida observo um senhor de quarenta e poucos anos subir os degraus com cuidado, segurando nas mãos uma guia utilizada por deficientes visuais. O garoto, de uns onze anos aproximadamente, que havia entrado primeiro, segurou a mão do pai e o levou até o banco mais alto da condução.
- É aqui que vamos sentar?
- É, daqui dá para ver melhor lá fora pai.
- Por mim tudo bem.
Sentaram-se bem atrás de mim, deste modo, mesmo que não quisesse foi inevitável escutar a conversa que se seguiu:
- Nossa, esse ônibus está vazio pai. Só nove pessoas.
- Com a gente?
- Isso, e já contando o motorista. Tem uma moça na nossa frente, uma outra moça com duas crianças do lado, um senhor lá na frente,uma menina com roupa do meu colégio do outro lado e o motorista.
- Está vazio mesmo. E o que nós vamos fazer na “cidade” (aqui as pessoas ainda têm costume de dizer que o centro é a cidade, independente do bairro em que vivam)?
- Ah, sei lá. Queria ficar um pouco sozinho com o senhor, tem coisa que não gosto de falar na frente da vovó.
- Mas quer falar sobre o quê?
- É que eu conheci uma garota na escola hoje. Tão bonita pai. Mas depois te conto que agora vou escutar essa música.
Olhei brevemente para trás e vi o garoto colocar o fone de ouvido e cantarolar alguma coisa, enquanto o pai mantinha um leve sorriso no rosto.
Pouco antes do ponto final, o garoto olha pela janela e diz:
- Nossa! Não acredito!
- O que foi filho?
- A garota pai, passando ali na calçada em frente da loja de pesca.
- A garota bonita?
- É pai, olha lá.
- Olhar para quê?
- Ah, sei lá, se não quiser olhar então imagina.
- Então me diz como ela é.
O garoto começou a detalhar a garota passo a passo, dos sapatos até o arranjo no cabelo, dizia a cor da roupa, dos olhos e até o gesto que ela fazia. Fiz questão de olhar a jovem que subia distraída rumo ao calçadão no centro, realmente uma bela garota. A descrição da jovem foi interrompida pelo questionamento do pai:
- Não passamos o ponto filho?
- Nossa! Já estamos quase, bem perto já.
- Acabou se distraindo, não é?
- É, mas acho melhor a gente dar outra volta. Não quero que ela me veja agora e ainda tenho muita coisa para te contar, pode ser?
- Por mim sem problemas – disse o pai rindo enquanto trazia o garoto para junto de si, num forte abraço.
E assim permaneceram sentados no ônibus enquanto eu descia no ponto final. Na certa fariam o caminho inverso todinho para que tivessem tempo suficiente para compartilhar aquele segredo tão importante para pai e filho.
O pai, provavelmente nunca verá o rosto, nem a roupa da linda menina que em breve será a ele apresentada pelo garoto, mas com certeza poderá advinhar seu cheiro, imaginar seu sorriso e a cor da boca pelos olhos do filho que, muito mais do que seu guia, hoje se tornou seus olhos.
Enquanto observava o ônibus se afastar, agradeci a Deus pelos meus olhos saudáveis e por ainda existir esse amor sincero e cúmplice neste mundo que anda cada vez mais cinza... Um ótimo exemplo para iniciar esta curta semana de volta à rotina.




Ilustração de: Gabriel Vicente.

4 comentários:

Monique disse...

òum...muito fofo.
=)

Anônimo disse...

Puxa!!! Que história!!! Simples, mas, emoionante...
Pâmela :-)

Isabel disse...

Ah... que lindo o amor (de todas as formas)é tudo nessa vida...

Diario de um Pirata disse...

Oii Querida, cá estou eu de volta!!
Lindo texto pra variar, profundo...conheço uma pessoa que também gosta de descrever do mesmo jeito que o garoto.

Parabéns Mais uma vez!
Beijão
P-)