Vote aqui! :)

domingo, 29 de novembro de 2009

Sexta-feira treze...


Sexta-feira treze. Nunca me importei com esta data, com as previsões e superstições que cobrem de cinza o treze e que chegam a dar um frio na espinha e um pouquinho de medo nas noites escuras, isentas de lua.
Sextas-feiras sempre foram muito convidativas, as treze inclusive, em especial uma que marcou minha vinda para este mundo. Isso mesmo, nasci em uma sexta-feira treze, de janeiro, numa tarde ensolarada que marcou o início de muitas noites insones para meus pais e paparicos para mim.
Na escola sempre fui motivo de risadas quando dizia o dia do meu nascimento, mas sempre me orgulhei de ter nascido em um dia tão polêmico. Sempre gostei desses mistérios que envolvem a data, passei minha adolescência rodeada de bruxas imortalizadas nos livros do escritor Paulo Coelho, com seus enigmas, magias e segredos. Acreditava que ter nascido neste dia poderia ser a reserva de algo misterioso, algo mágico ou quem sabe uma sorte maior para enfrentar esse mundão.
Nunca vivenciei nada de ruim nas sextas-feiras treze que atravessaram meu caminho e me surpreendi quando fui assolada com uma notícia pouco agradável, na terceira e última sexta-feira treze deste ano.
Foi uma sexta-feira quente, como quase todas as outras de novembro, com raios de sol intensos que faziam arder até os cabelos. Um dia para tomar um banho de mar ou piscina para alguns poucos privilegiados que se encontram de férias ou simplesmente nasceram na boa vida. Para mim um dia comum de trabalho, mais um dia como tantos outros que já passei por aqui, só não passou despercebido por conta de um tal sorteio.
Comecei a descobrir o significado de sorte e azar com bastante clareza, e a vivenciar a angústia que assola muitos supersticiosos, naquela ensolarada sexta-feira treze. Eram apenas dois dias depreciáveis: Natal e Ano Novo, prontos para serem sorteados na escala de plantão de final de ano dos trinta e cinco assistentes sociais, prontos para garantir um dia de sorte ou azar.
Como já disse outras vezes, Murphy é meu amigo e não deixaria uma chance como esta passar. É obvio que ele teria que mais uma vez me provar a veracidade de sua teoria, e foi dito e feito: “Se há duas ou mais formas de fazer alguma coisa e uma das formas resultar em catástrofe, então alguém a fará”, bingo! A profecia se cristalizou e não contente com a proximidade do feriado fui escalada exatamente para o dia oficial das comemorações natalinas.
Vinte cinco de dezembro. Dia maravilhoso para ficar de plantão. Dia excepcional para ficar longe da família, dos amigos, da cidade natal e do único momento onde todos os familiares se reúnem no ano.
Mentiria se dissesse que fiquei calma e que tive a certeza de que tudo ficaria bem. Mentiria se dissesse que não senti uma vontade súbita de largar tudo e voltar para a pequena cidade. Mentiria mais ainda se dissesse que aceitei o sorteio de bom grado e que não derramei nenhuma lágrima sequer.
Confesso que foi um dia horrível. Não conseguia acreditar em tamanha falta de sorte e dias depois soube de um grande estudioso das catástrofes humanas que dizia: “Murphy é um otimista!”, pois é meu caro “Johnson”, o senhor tinha toda razão.
Passado os dias de lágrimas e desapontamento depois de inúmeras tentativas infundadas de troca do plantão, resolvi me aquietar e esperar que mais uma vez o universo conspirasse a meu favor, e foi me lembrando de uma conversa que tive com minha mãe na tal sexta-feira treze que resolvi guardar um pouco de esperança:
- Mãe?
- Oi filha, tudo bem?
- Está sentada?
- O que aconteceu?
- Você acredita que fui escalada para trabalhar no dia vinte e cinco de dezembro?
- Não acredito!
- Pois é, e não consegui trocar com ninguém. Estou inconformada.
- Calma filha, vai dar tudo certo.
- Como mãe? Não vai ter jeito não, vou ter que ficar aqui mesmo.
- Confia em mim, vai dar tudo certo.
- Então pode começar a orar por um milagre, por que parece que não vai ter jeito não.
- Fica tranqüila, vai dar tudo certo, eu prometo.
Vai dar tudo certo, confia em mim, dará tudo certo, eu prometo. Fiquei repetindo aquelas palavras no ponto de ônibus enquanto olhava para o sol quente e pensava no quanto seria bom estar em casa naquele instante.
Pensava na minha família, nos meus amigos, no significado que todos eles têm em minha vida e senti um nó na garganta. Um nó tão grande que me fez por um segundo entender o porquê daquilo tudo. Fez-me entender que este não seria o último Natal que teria que passar longe dos meus por conta do trabalho, mas me fez acreditar que também não seria o primeiro.
E foi nesta esperança e na confiança que tenho em minha mãe, que nunca quebrou uma promessa feita a mim, que me apeguei nos dias que se seguiram.
Ainda hoje não sei dizer se foi o destino, se foi a magia, se foi uma obra divina ou quiçá o amor de mãe, que conspiraram para que tudo fosse resolvido. Graças a uma boa alma que pouco conheço, mas que se dispôs a sacrificar seu Natal para que eu tivesse o meu de volta eu pude voltar a sorrir:
- Soube que talvez você possa trocar seu dia de plantão comigo?
- Isso mesmo, posso sim!
- Jura?
- Sim, eu troco, não tem problema. Vou te dar este presente de Natal.
- Você é que merece um presente! Muito obrigada!
Foi assim, com este presente adiantado de Natal que iniciaram as alegrias daquela quarta-feira, do dia dezoito de novembro, dia em que por coincidência ou não, minha mãe completou mais um ano de vida e ao saber da notícia disse que já tinha ganhado seu maior presente: minha presença para o Natal...

sábado, 21 de novembro de 2009

Vai assoprar ou não?

Era apenas mais uma dessas noites insones. Noite quente, cheia de estrelas, sem nuvens. Noite clara, cheia de luzes e sirenes. Noite das luzes vermelhas da viatura policial e do barulho das sirenes da ambulância.
Passava da meia-noite, o sono não vinha. Ouvi barulhos de rádio comunicador e me aproximei da janela.
Da vista da minha janela, observei duas viaturas da polícia militar e quatro guardas fardados, questionando um casal que acabava de descer de um veículo.
Enquanto dois policiais revistavam o carro, outro checava o documento do rapaz e um quarto questionava a moça.
Encontraram duas mochilas no porta-malas do carro e uma terceira em seu interior. Mochilas repletas de DVD’s piratas, apreensão que causou risadas entre os policiais e problemas para o rapaz magro, que agora de cabeça baixa observava sua companheira ser liberada, até perdê-la de vista, sem nenhum abraço de adeus, sem nenhum afeto.
- Tem DVD aqui que nem saiu no cinema. O cara é o rei da pirataria – disse um dos policiais. Frase suficiente para que o outro logo se pronunciasse:
- “Filho”, você está detido, entendeu? Não precisa responder mais nada até chegar à delegacia.
Encostaram o carro do rapaz na rua da frente, à espera do guincho, chamaram reforço e assim que uma terceira viatura chegou levaram o “rei da pirataria” para a delegacia.
História que me deixou pensando em quantos reis e príncipes da pirataria existem espalhados por ai e que aquele rapaz, agora cabisbaixo, não passava de um simples bobo da corte. Mas esse era apenas o início da movimentada noite.
- Ei! Rapaz, você está louco?!
Escutei a frase em alto tom e voltei à janela, ainda sem sono, e pude ver um carro quase atropelando os cones de sinalização colocados pela polícia.
Com esse motorista a tolerância foi menor e as palavras mais ásperas. Sem meia conversa o rapaz foi detido, sem nem poder explicar-se, apesar de tentar dizer que não tinha visto o aviso para parar com antecedência, porque o policial havia sinalizado bem próximo ao cone:
- Você está dizendo que eu não fiz meu trabalho direito? – gritou o policial.
- Não bicho, não foi isso que eu disse.
- Bicho?! Você sabe com quem está falando?!
- Não consegui ver ser crachá senhor.
- Isso mesmo, comigo é senhor. Você chama de bicho seus amigos e suas “negas”, eu não.
- Posso me explicar agora, senhor? Sou pai de família, trabalhador, só fiz o que o senhor pediu. Pediu para eu parar em cima do cone e eu parei.
- Você bebeu rapaz?
- Eu tomei uns goles sim senhor, mas só fiz o que o senhor pediu.
- E aonde você ia com tanta pressa?
- Ia levar meu amigo para Campinas, a gente estava trabalhando até agora.
- Trabalhando no boteco? Ia dirigir desse jeito?
O rapaz, visivelmente embriagado não teve tempo de responder, só pode observar os policiais retirarem uma caixa preta de uma das viaturas, analisar por alguns minutos o equipamento e lhe dizer:
- Você vai assoprar ou não?
- Assoprar o quê?
- O bafômetro rapaz! Presta atenção! Você vai assoprar ou não?
- E se eu não assoprar?
- Se você não assoprar vai para o Distrito Policial (DP) e o carro vai ser guinchado. Se você assoprar vai pra casa com uma multa. E ai? Vai assoprar ou não?
- Mas eu sou pai de família, trabalhador, você está sendo injusto cara! Eu preciso do carro para trabalhar.
- A pergunta é simples, você vai ou não assoprar? É só dizer sim ou não.
- Quero dar um telefonema.
- Pode guardar o bafômetro, ele não quer assoprar, encaminhem-no para o DP e chamem o guincho também – ordenou um dos policiais aos demais.
Mais um carro enfileirado na rua à espera do guincho. Depois deste outras duas motos paradas, mais um carro e revista em alguns transeuntes. Mas estas histórias eu não quis ouvir. Tentava esvaziar a mente com estas linhas para preenchê-la com um pouco de sossego, à espera não do guincho, mas do sono dos justos.
Confesso que estou farta de tanto blá-blá-blá embaixo da minha janela, principalmente porque as palavras altas, o rádio comunicador, as sirenes e os palavrões, invadem minha calma sem permissão, quase que diariamente.
Sinto-me cansada de tanta invasão. Enquanto estas pessoas invadem meu sossego, eu invado suas histórias, que são abraçadas por mim, pelo simples fato de estarem na vista da minha janela.
Sinto saudades do barulho dos pássaros e do cheiro de mato da minha terra. Onde o único “assopro” que invadia minha calma era a brisa leve que adentrava o quarto com os primeiros raios de sol...

sábado, 7 de novembro de 2009

A greve

Greve é greve em todo lugar. Aqui, na Europa ou na América do Norte greve é greve e sempre será greve, desde fins do século XVIII. Se não me engano a palavra greve origina-se do francês grève, que era também o nome de uma praça onde desempregados e operários insatisfeitos com suas condições de trabalho se reuniam, a Place de Grève.
No Brasil a greve é legalizada, garantida pela Constituição Federal de 1988, que assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, desde que não prejudiquem serviços essenciais à população e atividades inadiáveis.
Movimentos grevistas surgem e desaparecem como bóias no meio do oceano, já foram proibidos e ainda assim aconteceram; já foram solicitados e ficaram submersos; já foram esquecidos e marginalizados e agora apresentam-se previsíveis.
Atualmente é possível arriscar sem medo os períodos mais propícios ao início de uma greve, que sempre tem data certa para começar, mas nunca para terminar.
Geralmente é assim, passado o início do ano, se não houver nenhum sinal de reajuste salarial, é bem provável que em breve se ouvirá dizer: greve à vista!
Todo ano a mesma história, quase sempre as mesmas reivindicações, os mesmos grevistas e as mesmas reclamações de quem está de fora.
Particularmente nunca participei de um movimento de greve, não sei se por acreditar que esta talvez não seja a melhor forma de negociação, ou por não encontrar argumentos mais sólidos, o fato é que independente de minha opinião o efeito de uma grave geralmente é breve e inegável.
Presenciei bem de perto três grandes greves neste ano, a dos motoristas de ônibus, a dos médicos e dos bancários. A primeira me atingiu diretamente, pois como sempre relato aqui, tenho o ônibus como meu meio de locomoção diário para o trabalho, claro que seria mais confortável ir de carro, mas isso no momento é impossível por dois motivos: não tenho um automóvel e não sou muito fã de direção, mas isso é história para outro dia. O fato é que uma semana sem ônibus foi o suficiente para generalizar o caos no trânsito e nas empresas da cidade.
Era gente “rachando” táxi, gente correndo atrás de lotações, que começaram a surgir na porta dos terminais de ônibus como os guarda-chuvas dos camelôs ao menor indício de chuva. Funcionário chegando atrasado por ter trocado o ônibus pela bicicleta, empregador utilizando o atraso para mandar o fulano embora por justa causa, enfim, foi aquele “vucovuco”.
Eu, não tinha muita opção a não ser esperar os poucos ônibus da frota de emergência que ainda circulavam, nada como duas horas no terminal de ônibus e mais 40 minutos em pé, apertada como em uma lata de sardinha para se entender as consequências de uma greve e descobrir suas sutilidades.
Foi em um desses dias de greve, na fila do ônibus que vi um garoto com o braço erguido, que exultava o dedo indicador apontado na direção daquela fila de gente. Ele ia e vinha contando e dando número às pessoas como se fossem bois no pasto. Quando se aproximou de mim disse:
- Sessenta e quatro.
Olhei para ele e retruquei:
- O que você disse?
- Sessenta e quatro – ele respondeu.
- E o que tem isso?
- Tem que você é a mulher de número sessenta e quatro da fila, bem atrás do homem de número quarenta e dois.
- Então temos mais mulheres do que homens na fila?
- É... Mas isso é em todo lugar, não é? Na minha casa mesmo tem seis mulheres e dois homens. Na minha escola tem mais meninas do que meninos.
- Mas por que você decidiu contar as pessoas de forma separada aqui?
- Para ver se minha mãe tinha razão.
- Razão em quê?
- Hoje, antes de sair de casa, ela disse que as mulheres é que fazem as coisas acontecerem, que são elas que acordam cedo e fazem tudo na casa e vão para o trabalho, enquanto os homens ficam dormindo.
- E você concorda com isso?
- Ah... Eu já estava de pé quando ela disse isso, mas meu pai estava lá dormindo, disse que hoje ia fazer greve. Não sei direito o que é isso, mas deve ser bom, não é?
- O quê?
- A greve ué, quando eu crescer quero fazer greve também, ai posso dormir até tarde enquanto minha mulher sai e faz as coisas acontecerem.
Não tive nem tempo, nem reação para responder ao garoto, pois o ônibus já se aproximava e sua mãe correu o puxando pelo braço, mas que o que ele disse faz bastante sentido faz, não acham?