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sexta-feira, 31 de julho de 2009

sábado, 25 de julho de 2009

Plataforma vinte e três

Rodoviária é um canto engraçado do planeta, ora cansativo, ora acolhedor, ora estranho, ora triste, mas frequentemente engraçado.
As rodoviárias que costumo frequentar apresentam-se especialmente coloridas nos últimos dias, repletas de casacos de pele ou lã (cheios de bolinhas), de gorros e cachecóis, de malas e maletas de cores neutras ou berrantes, tudo isso desfilando em corpos desajeitados, assustados, apressados, surpresos, emocionados ou quem sabe, aliviados.
Já vi muitas cenas engraçadas, tristes e emocionantes nas rodoviárias. Hoje mesmo, enquanto escrevo atrás do guardanapo que cobria a bandeja onde acabei de comer, pude presenciar diversas delas, todas contempladas por estes olhos que enxergam além dos corpos desajeitados que compõem as imagens.
Poderia falar do rapaz que passou sem nenhuma mala ou mochila, mas carregando uma imensa prancha de surf, ou da mãe que oferecia ao filho a mamadeira em uma das mãos e na outra um pacote de batatas fritas.
Poderia ainda falar do homem bem vestido que passou por mim, seguido por dois homens (vestidos) de preto. Teve ainda o casal de namorados que se despediu com lágrimas nos olhos e meios sorrisos e em seguida caminhou de cabeça baixa em direção oposta.
Sem falar nos vendedores de assinaturas de revista que ficam no meio do saguão aos gritos, implorando por um minuto de atenção. Hoje lhes dei um minuto e de brinde ganhei uma revista que falava sobre dietas, muito produtiva, me fez refletir enquanto digeria o lanche, o copo de refrigerante, sem falar das batatas fritas, é claro.
Existem ainda aqueles sujeitos que parecem ter saído da novela das seis, com botas, cinturões e “blue jeans”, ou de filmes como “As patricinhas de Beverly Hills” com seus saltos finos de verniz e suas malas com estampas de oncinha, ou ainda de seriados mexicanos, pois posso jurar a vocês que já encontrei a Bete – a feia, e o próprio Chaves em uma dessas longas paradas.
Outra coisa que costumeiramente me chama a atenção são as bagagens que deslizam por aqui, creio que se algumas falassem teriam lindas histórias para contar, como aquele carrinho de quase dois metros escondido naquela enorme embalagem de papelão, ou aquela rede repleta de bolas coloridas arrastada com tanto esforço.
O choro ou o grito de crianças também é uma constante neste meio, sem falar nos celulares que tocam sem parar, perturbando muitas vezes o sossego de alguns viajantes que conseguem dormir, e até roncar, nos bancos duros da rodoviária. Aliás, registro aqui que a rodoviária é um dos melhores pontos de encontros ocasionais que já inventaram, sempre encontro com um amigo nas manhãs que marcam o início de feriados, é incrível como sempre nos encontramos da mesma forma, eu trazendo um café na mão e um semblante amarrotado no rosto e ele dormindo serenamente na poltrona ao lado, termino o café, aguardo ele acordar e colocamos o papo em dia, depois de meses sem nos ver.
São tantas idas e vindas nestes espaços, tantas histórias e imagens que poderia escrever incontáveis textos sobre o assunto, textos que descreveriam desde o relógio enorme que anuncia a hora nos terminais até as festas de boas vindas e as fotos tiradas em frente a um amontoado de malas e passagens.
Hoje, no entanto, me prendo a apenas uma imagem. Tão forte que provavelmente não serei capaz de aqui descrever, mas tão real que seria impossível passar despercebida.
Plataforma vinte e três e em sua frente o retrato mais real e triste que já presenciei. No mesmo instante resgatei na memória as obras de Cândido Portinari na sua série “Retirantes”. Aquela mulher com vestido florido, um lenço no cabelo e chinelo de chita, equilibrando um saco de roupas na cabeça, sem o apoio das mãos que serviam de colo para o filho caçula. Aquela mulher rodeada de crianças, com mais ou menos idade que se olhavam assustadas e admiravam a imensidão daquele lugar, olhos arregalados observando tanto espaço, tanta luz, tanta gente.
Gente como eu e você que mais pareciam animais assustados após serem libertos de suas jaulas. Jaulas deixadas com a esperança de um futuro melhor, de um emprego, em busca de paz e quem sabe, dignidade. Dignidade que não vi nos olhos daquela mulher que aflita olhava para o relógio e para os lados com medo de ali ter sido esquecida. Esquecida por mim, por você, pela sociedade que nos seus ternos e correria, possivelmente não notou aquele retrato, ou se notou pouco fez para torná-lo colorido, e aqui me incluo, pois me limitei a observá-la.
Observei e me lembrei dos inúmeros relatos que já escutei em atendimentos no trabalho, me lembrei dos sonhos desfeitos, do preconceito e do medo que todas as famílias transpassam nos olhos quando enfrentam essa situação e fiquei em estado de choque. Não saberia dizer o que senti, acho que impotência e talvez lamento, pois imaginei que cedo ou tarde poderia me deparar com aquela mulher solicitando as passagens de volta com aquele mesmo relato de sonho desfeito.
Contudo, não a impedi de tentar, não me atrevi a escolher as cores deste retrato, até porque a mim não caberia tal escolha. Foi então que percebi o quanto é mais fácil solucionar os problemas alheios, indicar caminhos aos outros e dar “sábios conselhos”, do que fazer nossas escolhas e assumir nossas renúncias. Mal tenho tido certeza das cores que quero na minha aquarela, mal tenho conseguido escolher os tons e contrastes dos meus dias, e mesmo em pensamento me senti no direito de invadir aquele retrato. Que tolice a minha.
Creio que só não fui mais tola, pois apesar de não ver o desfecho desta história aprendi mais uma lição. Deixei aquela família ali na plataforma vinte e três à espera da esperança ou quem sabe de um milagre que em breve deveria chegar e caminhei para o meu destino, não sem antes, olhar para trás e dar adeus a ela, aos meus preconceitos e a minha soberba. Não sem antes, trazer para junto de mim aquela vontade de dias melhores.

domingo, 19 de julho de 2009

Um dia de cada vez...



Poderia começar esse texto falando do quanto é entediante ficar horas sentada em uma cadeira na rodoviária, ou ainda do quanto é cansativo ir ao supermercado ou ao banco. Poderia ainda falar sobre meus relacionamentos, minhas aventuras no ônibus, ou quem sabe sobre as enrascadas em que vivo me metendo. Mas hoje não estou com vontade de falar sobre nada disso, na verdade não estou com vontade de falar nada.
Diria que esta foi uma semana chata, de dias difíceis e de notícias desagradáveis, e que esse tipo de coisa não convém compartilhar com ninguém. Aliás, até seria conveniente a partilha se houvesse alguém com quem compartilhar, mas o fato é que estou me sentindo como um náufrago em meio a um mar de gente.
Sempre gostei de ter meu espaço, minha privacidade e de um tempo para cá isso passou a ser artigo de luxo, mas hoje, tanto espaço me sufoca. Tem horas que gostaria de estar rodeada de amigos, conversando alto e dando risadas, mas em outras até o barulho da rua me atrapalha. Tem dias que me sinto só no meio de uma multidão e que tenho vontade de dividir essa amargura, mas as palavras não saem, se misturam e dão um grande nó na garganta.
E você pode pensar: “Nossa que textinho deprimente, o que deu nela?!” ou ainda, “E quem nunca passou por isso antes?!”. E confesso que ficarei aliviada se acertei qualquer um dos pensamentos, pois seria como se neste instante partilhasse essa confusão de sentimentos com vocês. Às vezes não é preciso falar para compartilhar a dor, basta sabermos que alguém sente ou já sentiu algo parecido, como nos grupos de auto-ajuda, ou nos salões de cabeleireiro, onde você, muitas vezes, passa horas só escutando e sentindo-se cada minuto mais aliviada, ou incomodada dependendo do assunto.
Na verdade, só queria me mostrar um pouco mais transparente por meio destas palavras. Mostrar que sou comum, como você e todas as outras pessoas do mundo, que se sentem felizes hoje e tristes daqui a meia hora, que comem uma caixa de chocolates em frente à TV e em seguida iniciam dietas assustadoras com sopas e frutas. Sou assim, como você, humana. Cheia de defeitos, de sonhos para se realizar, cheia de tudo e de nada ao mesmo tempo, num compasso sem ritmo que me tira o chão em dias como hoje.
Não estou assim sem motivos, muitas coisas me indignam e me preocupam, muitas coisas me faltam e me aborrecem, muitas pessoas me causam saudade e me entristecem. Mas coisas deste tipo não acontecem só comigo, nem só nesta semana, acontecem sempre, a todo instante com todos nós e o que precisamos é ter fé e força para seguir em frente.
Contudo, acredito que chorar, sentir-se triste, querer colo e procurar apoio nas pessoas que nos amam não significa fraquejar, ou ainda, o fim da esperança, pelo contrário, significa o primeiro passo, lavar a alma para uma nova construção. Fortalecer o corpo, o espírito e o coração para o que vêm pela frente, para as surpresas que o amanhã nos reserva.
É por isso que tenho tentado viver um dia de cada vez, mas confesso que isso tem sido mais difícil do que andar de bicicleta na corda bamba ou ganhar na loteria. E isso porque sou extremamente apegada ao meu passado e completamente confusa sobre o meu futuro. Preciso das minhas lembranças, do cheiro do passado para cristalizar algumas certezas e planejar o futuro, que nada mais é do que uma folha em branco cheia de rabiscos atualmente. Alguns sonhos, algumas verdades, muitos medos e nenhuma certeza.
Um dia de cada vez, é assim que gostaria de viver sempre. Muito me admira quem o consegue, quem tem noites agradáveis de sono, sem preocupar-se com o amanhã. Eu tenho sentido inveja das pessoas que fazem propagandas de colchão na TV, parece que elas dormem tão bem, e eu aqui, horas acordada, olhando para o teto e fazendo a lista imaginária de todos os afazeres, que insistem em se desorganizar nas primeiras horas do dia.
Um dia de cada vez, seria bom se fosse tão simples quanto colocar uma palavra em frente da outra, ou respirar, mas não é. O que me acalma é que sempre existirão dias para que eu continue tentando vivê-los plenamente, o que não posso me esquecer, é que mesmo o “sempre”, sempre acaba.
Desejos de uma semana repleta de dias a vocês, para que possam vivê-los um a um, como eu gostaria desde sempre...

sábado, 11 de julho de 2009

Almoço de domingo


Domingo de céu emburrado, cinza, nublado. Vento frio, preguiça, vontade de ficar na cama o dia inteiro, mas o telefone toca e surge um convite:
- Taline? Já almoçou?
- Não, são dez horas da manhã!
- Você estava dormindo?
- Sim, hoje é domingo!
- Desculpe te acordar, mas sabe o que aconteceu? Comprei dois convites para um almoço beneficente e minha mãe não quer ir, vamos comigo?
- Hoje?
- É, daqui umas duas horas. O cardápio é feijoada e vai ter música ao vivo.
Pensei no dia frio, na vontade de ficar em casa, mas meu estômago falou mais alto.
- Está bem, eu vou.
- Olha, só que tem uma coisa.
- O que?
- Precisa levar prato e talher, porque lá não vai ter.
- Você está de brincadeira, não é?
- Pior que não, separa o quite almoço que logo chego ai.
Desliguei o telefone e pensei: só pode ser pegadinha. Mas vindo desse amigo não era nada impossível, vive me convidando para programas de índio, e eu nunca aprendo a lição, sempre aceito. Mas enfim, era almoço beneficente, ia ter música ao vivo e feijoada, não devia ser assim tão ruim.
Ele chegou e fomos para o ponto de ônibus, eu com os pratos e talheres em uma sacola de supermercado pensando no quanto aquilo era estranho, ir para um almoço e levar os pratos, é quase ter que levar os brigadeiros em uma festa infantil, ou a taça em um casamento.
Descemos do ônibus e antes de nos dirigir ao local do almoço ficamos observando do outro lado da rua as pessoas que entravam, todas com bolsas estilosas, sacolas térmicas, caixas enfeitadas carregando seus pratos e nós ali, com aquela sacola de plástico amarela do supermercado da esquina.
Entramos e fiquei em busca de alguém conhecido, de alguém com quem pudesse compartilhar todo aquele estranhamento, mas as pessoas ali pareciam bem à vontade com aquela situação, achei melhor entrar no clima e esquecer os pratos.
O salão estava bem arrumado, um lugar muito bonito, com uma área externa, várias mesas de oito lugares enfeitadas com flores e toalhas verdes. Encontramos uma mesa vaga e nos sentamos. Observei a disposição do caixa para bebidas e do aparadouro, apenas um, logo pensei na confusão que seria quando o almoço fosse servido.
Compramos algumas cervejas e um refrigerante e nos sentamos. A música começou a tocar, uma dupla afinada, mas pouco animada tocando MPB, surgiu aqui a primeira decepção, estava esperando um grupo de samba raiz, isso sim combina com feijoada. Mas enfim, quase uma hora depois de nossa chegada o almoço foi servido, uma fila enorme se formou, voltas e voltas de gente, com pratos na mão, era até bonito de se ver, pratos grandes, pequenos, fundos, rasos, coloridos, de porcelana, cada qual do seu jeito.
Minha observação foi interrompida por um casal que se aproximou e perguntou se poderiam juntar-se a nós. Imaginava que isso logo aconteceria, afinal estávamos em uma mesa de oito lugares, disse para eles que se sentassem e ficassem a vontade, e foi aqui que errei.
O casal sentiu-se mesmo bem à vontade! Tão a vontade que logo chamou mais dois casais para juntarem-se a nós. A mesa ficou cheia, de latas de cerveja, de gente, de gargalhadas e de incômodo. Os amigos deles que se aproximavam nos cumprimentavam como se fizéssemos parte do grupo, no início achei engraçada a situação, mas depois fiquei realmente incomodada.
Muitas cervejas a mais e um interrogatório se iniciou, e logo depois insinuações, como se eu e meu amigo fossemos um casal e não apenas amigos, como se amizade entre homem e mulher fosse utopia. Os homens da mesa começaram a dar conselhos machistas a ele de como me conquistar e ele, coitado, sem saber mais o que fazer, dizendo que era meu primo, e eu, já de saco cheio, dizendo que tinha namorado, mas nada disso parou com as piadinhas do tipo:
- Prima não é irmã! Vai fundo, a única coisa que você não deve fazer é contar com o não, porque ele já existe, o que vier além dele é lucro!
Ou ainda:
- Ah! Está namorando, mas não está casada! Quando eu comecei a investir na minha esposa, eu namorava a irmã mais velha dela, e hoje estamos casados há 40 anos!
Sorte sua e azar o dela, seu cafajeste! Pensei.
Bem, isso foi só parte da conversa que se fez presente ali. Diante de tanto constrangimento o que me restava? Almoçar. E lá fui eu. Coloquei-me no final da fila, e por lá fiquei, uns vinte minutos pelo menos, que passaram até rápido, pelo menos ninguém cuidava da minha vida ali.
A feijoada estava boa, bem temperada, apetitosa, mas o clima já não estava mais para feijoada, nem para música, nem para blá-blá-blá. Lembrava da minha casa, da minha cama e foi me dando uma vontade de dormir. Meu amigo saiu de lá sem almoçar, não aguentou ficar na fila, principalmente quando soube que o torresmo havia acabado.
Despedimo-nos dos casais, juntamos os pratos e talheres e saímos do prédio, tão aliviados que não saberia expressar aqui. Demos muitas risadas no elevador e no ponto de ônibus quando meu amigo me fez jurar que não estava com raiva dele.
Eu jurei e fui sincera, como poderia ter raiva de alguém que me permitiu este texto, que me permitiu lembrar dos almoços beneficentes de domingo da minha cidade e sentir saudades. Como poderia querer mal quem me fez rir até de pratos coloridos neste domingo cinza, emburrado e desajeitado.
Apesar dos pesares valeu a pena, pela companhia, pelas risadas, pela feijoada e por que não, pela boa ação.