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domingo, 26 de abril de 2009

Anita


Anita gritou. Gritou tão alto que sua boca estremeceu e sentiu faltar o ar em seus pulmões. Gritou para livrar-se de tudo aquilo que lhe fazia mal. Gritou tão alto que as vidraças da vizinhança chacoalharam. Gritou tão forte que sentiu medo.
Anita chorou.
Colocou para fora toda a dor que havia suportado, mandou embora com o vibrar de suas pregas vocais sua indignação e contrariedade. Recusou todas as injustiças e formas de coerção com seu bradar.
Lembrou-se da última colher de brigadeiro que era sua por direito e da qual nem sentiu o cheiro, lembrou-se da bola colorida furada pelo vizinho sem nem ter tido tempo de com ela brincar, recordou os lanches roubados no colégio e as brincadeiras de mau gosto feitas por outras crianças. Crianças que sabem ser cruéis quando querem e sabem cutucar as feridas mais abertas. Feridas que deixarão marcas eternas em suas vítimas adultas.
Chorou mais alto e por mais tempo ao lembrar sua primeira decepção. Lembrou-se do primeiro amor não correspondido e das lágrimas derramadas por ele. Gritou ao lembrar-se de seus fracassos amorosos e de seu gosto amargo, sentiu medo de nunca mais conseguir sorrir.
Anita gritou chega. Chega de tanta injustiça e julgamento. Fora ofendida no que tem de mais precioso. Fora julgada por pessoas que nem sequer sabiam seu sobrenome. Anita chorou de raiva e amargor, não queria acreditar que ainda existiam seres humanos capazes da maldade pelo poder, capazes da maldade pelo prazer.
Anita desejou mudar-se, pediu para ir para bem longe, em um mundo onde não houvesse tanta injustiça e hipocrisia. Seu pedido fora atendido, foi levada para longe dos seus. Enterrada em cova profunda, em cerimônia simples e com poucos convidados.
Anita observou tudo e gritou mais uma vez. Contudo, agora, ninguém a ouvira. Sentiu um pesar e uma dor indecifrável, havia sido tudo em vão? Sua morte, seu bradar, seu sofrimento?
Anita chorou ao ver crianças dormindo nas calçadas e seus pais agredidos como vagabundos. Chorou ao ver pessoas de bem sendo julgadas injustamente, gritou ao ver tanta desigualdade. Anita quis voltar, mas não pôde.
Triste, adormeceu numa nuvem fofinha, foi amparada por anjos, acordou sobre caixas de papelão e coberta por jornais ao ouvir sons de sirenes nas ruas da grande cidade. Olhou para os lados e sorriu. Conseguiu sorrir e pensou: Que sonho terrível. Levantou-se e caminhou até seus pais e irmãos, foi amparada pelos braços sujos daquela que lhe dera a luz e lhe ensinara que não há bem maior que a honestidade e o trabalho. Dormiu serenamente pensando que nada é tão ruim que ainda não possa ficar pior.
Ingênua, nem imaginava a tempestade anunciada na previsão do tempo que se aproximava, muito menos a tristeza da morte que se instalaria naquela noite. Adormeceu ali ao relento, com um leve sorriso nos lábios. Adormecera Anita, a garota que gritou, e tentou mudar o mundo. Adormecera para nunca mais acordar.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Dia das Meninas Esporte Clube


Há pouco mais de um mês, aderi à idéia de uma amiga e me filiei ao “Dia das Meninas Esporte Clube”. Não, não é um clube de campo, nem um clube aonde você vai se exercitar fisicamente, ou fazer pique-nique com a família nos feriados. Na verdade até aproxima-se um pouco disso, mas não é assim um Clube, é só um Clube.
Com certeza na sua época de infância já deve ter participado deste tipo de Clube, clubinhos fechados, onde só entravam meninos ou meninas e onde existiam várias regras: Aqui você pode falar palavrão, soltar pum e comer todo o chocolate que aguentar. Aqui você não pode estudar, olhar para a irmã do próximo e entrar se não tiver a senha.
Ah! A senha. Maldita senha que mudava toda semana, se faltasse a um encontro que fosse tinha que pagar um mico daqueles para conseguir a nova senha, isso quando ela não era o resultado de algum jogo de lógica, que você, simplesmente, não entendia.
Mas enfim, o “Dias das Meninas Esporte Clube”, ao qual chamamos carinhosamente de “Dia das Meninas”, surgiu da reunião de poucas, mas verdadeiras amigas que devido à rotina estressante e enlouquecedora do dia-a-dia não tinham tempo nem de pegar o telefone e dizer: oi amiga, estou viva. E isso não é exagero, ficávamos tanto tempo sem nos ver que uma das meninas que era morena ficou loira, a outra que era solteira casou-se e nós nem ficamos sabendo das peculiaridades dessa nova rotina.
Certo dia, conseguimos finalmente nos reunir e decretamos oficialmente o “Dia das Meninas Esporte Clube”, restrito às mulheres, que são amigas fiéis e leais e a quem você pode contar tudo, eu disse tudo. Não há segredos no “Dia das Meninas”, não há proibições ou censuras. É o dia reservado para a mais deliciosa e verdadeira fofoca.
É o momento que temos para falar bem ou mal dos namorados, maridos, pretendentes e daquele moço bonito que você esbarrou na fila do pão e que provavelmente nunca mais verá, mas que mexeu profundamente com você. Vale falar dos ex-namorados, dos colegas de trabalho, dos chefes, do síndico e da vizinhança, sem contar dos planos para as férias ou simplesmente para o próximo final de semana. É um espaço reservado para terapias em grupo, para discutir relações de afeto e amizade, ouvir conselhos, críticas, sugestões, elogios e, sobretudo, para tomar decisões.
Decisões. Esta é uma palavra chave do “Dia das Meninas”. Conversando com suas amigas, você descobre que sempre é hora de fazer escolhas e tomar decisões, decisões a seu favor e contra coisas e pessoas que te irritam profundamente. É hora de decidir-se sobre o fim de um relacionamento, ou sobre a possibilidade de entregar-se a um novo amor. É hora de criar coragem e pedir demissão do seu trabalho, ou quem sabe um belo aumento, ou ainda, fazer as malas e sumir para bem longe por alguns dias. E como é fácil tomar essas decisões quando se está em ótima companhia, como é fácil decidir-se quando você ao mesmo tempo em que leva puxões de orelha, também ganha colo.
O objetivo do “Dia das Meninas” é basicamente esse, você conseguir, mesmo que por uma noite, tomar suas decisões. Mesmo que depois de passar o efeito da cervejinha, ou depois de feita a digestão das gostosuras culinárias que acompanham esse momento, você se levantar e for embora certa de que no dia seguinte vai acordar e trabalhar como sempre. O importante foi que você conseguiu, mesmo que por um segundo visualizar seu futuro mais feliz, diferente e teve apoio pra isso. Creio que é assim que começam a realização de sonhos, com a mera capacidade de sonhar.
Mas por que estou dizendo isso tudo? Porque não há em uma reunião sequer que alguma de nós (senão todas) queira mudar algo em nossas vidas. Neste feriado de Páscoa, o encontro das meninas foi “exportado” para minha cidade natal, e mesmo em outra cidade, com outras meninas, com outras vivências os assuntos não foram muito diferentes.
Desilusões amorosas, insegurança no trabalho, namorados ciumentos que simplesmente não admitem uma mulher no bar com as amigas sem a sua companhia. Aliás, me sinto na obrigação de reforçar essa inquietante questão: por que os homens continuam a achar que tem mais direitos do que nós mulheres? Eles já não pagam mais as nossas contas, não criam nossos filhos e ainda se acham no direito de nos proibir de fazer algo que nos faz tão bem? E por que isso?
Creio que por simples e pura insegurança, mas eles jamais admitiriam isso, então, mulheres, não dêem ouvidos. Saiam sim com suas amigas, tirem um dia, uma tarde ou uma noite que seja para falar bobagens, dar risadas e esquecer dos seus compromissos, dos seus medos e daquele chato que vai estar te esperando com um bico enorme, mas tudo bem, você supera, igual a ele existem homens aos montes por ai, mas igual a você não, você é única.
Um cardiologista essa semana me disse que até uma panela de pressão precisa de uma válvula de escape e que eu precisava encontrar a minha, e sabe o que pensei no mesmo segundo? Eu já tenho a minha válvula de escape.
A minha melhor e mais segura válvula de escape é a minha liberdade. É ela quem me dá a possibilidade de concretizar sonhos, conhecer novas pessoas, tomar decisões, falar o que penso, sorrir e chorar sem censura, reunir as amigas verdadeiras e rir das piadas até o dia seguinte, sem medo de ser criticada.
Assim, deixo aqui essa sugestão, criem o seu “Dia das meninas (ou Meninos) Esporte Clube”, mas não se esqueçam de que a única regra inviolável para fazer parte deste grupo e que deve ser mantida sempre é ser livre...

sábado, 11 de abril de 2009

Toc, toc... Quem bate?


Lenita tem uma mania que a persegue desde criança. Na verdade, acho que é mais um defeito do que uma mania, mas como até hoje esse defeito perdura, creio que tornou-se parte de sua rotina, uma verdadeira e feia mania. Uma mania terrível de mentir.
Lenita sempre mentiu, mas mentia de um jeito que eu nunca tinha visto. Ela não mentia para a mãe ou os amigos, não mentia na escola ou no trabalho, ela mentia diariamente para ela mesma. Lenita mentia tanto que chegava a acreditar que suas mentiras eram verdades e a partir delas ia recortando pedaços de retalhos e costurando outros em sua vida. Tirava uma pessoa daqui, recortava um trabalho ali e ia costurando, cada coisa em seu lugar, cada pessoa fora do lugar, cada lugar dentro de uma pessoa.
Quando era criança adorava correr descalço pela grama verde, tomar banho de chuva e água bem gelada em pleno inverno. Até que um dia ela pegou uma dor de garganta daquelas e teve que tomar uma grande injeção, que a fez acreditar na primeira mentira. Daquele dia em diante ela mentiu para ela mesma que não gostava de andar descalço, nem de tomar banho de chuva ou água gelada. E repetiu essa mentira tantas vezes que acabou acreditando. Ainda hoje, ela não se dá esses pequenos prazeres, mesmo sabendo que a dor de garganta tem pouca ou nenhuma ligação com eles.
Quando entrou no colégio, ouviu uma história de que as meninas bonitas e vaidosas eram burras e que as meninas burras sempre acabavam sozinhas, sem namorados ou amigos. Ela tratou, então, de mentir para ela mesma que não era tão bonita e vaidosa, e mesmo hoje, vendo as garotas bonitas com muitos amigos e namorados, ela custa a acreditar que é bela, ao menos ainda crê na sua inteligência e preserva grandes amigos.
Certa vez, Lenita apaixonou-se muito. Um amor tão grande que parecia não caber no peito, fez planos, pensou no vestido de noiva, na cerimônia ao ar livre, nos cumprimentos, nos amigos e familiares reunidos, mas acabou por desmanchar cada arranjo do altar com as decepções que surgiram em seu caminho. Chorou rios de lágrimas e mais uma vez mentiu. Mentiu que não acreditava mais no amor, que não queria mais viver para sempre ao lado de alguém, muito menos se apaixonar. Mentiu tão forte que quase acreditou. Faltou muito pouco para Lenita nunca mais amar, foi quando recortava esse sentimento de sua vida e ali costurava um retalho cinza que foi surpreendida por um inquietante barulho:
- Toc, toc.
- Quem bate?
- É a felicidade!
- Felicidade? Até parece! Desde quando a felicidade bate duas vezes na mesma porta?
- Toc.
- Quem bate?
- Oras! É a felicidade! Posso entrar?
- Não me lembro de você, o que quer aqui?
- Vim te ajudar a costurar.
- A costurar? Mas essa colcha de retalhos é minha e de mais ninguém, gosto de fazê-la assim, sozinha.
- E até quando vai continuar achando que não precisa de ajuda para juntar seus retalhos? Pare de mentir para você mesma Lenita, me deixe entrar!
Lenita ficou sem respirar por alguns segundos e relembrou todas as mentiras, todos os sonhos desfeitos, os vidros quebrados, olhou os retalhos rasgados pelo chão, tesoura nas mãos e encontrou seu medo.
- Quem disse a você que minto? Eu não suporto mentiras! Já menti para você?
- Tantas vezes que até me afastei de você. Mentia sempre, para mim e para você. Mentia todas as vezes que buscava defeitos em você enquanto se olhava no espelho, todas as vezes que preferiu ficar sozinha por ter medo de arriscar, todas as vezes que deixou seus pré-julgamentos ditar suas regras e, principalmente, todas as vezes que privou-se de se apaixonar. Por que insiste em me afastar de você Lenita?
Lenita encostou-se na porta e pensou muito. Será que não era feliz? Mas que pergunta! Claro que era! Sempre foi feliz! Sempre foi a mais animada da turma, a piadista da família, sempre buscava manter o sorriso no rosto, claro que era feliz. É certo que às vezes ficava triste, sentia-se só, e para sentir-se melhor mentia para ela mesma. Será que a felicidade não entendia que as mentiras eram seus escudos?
Já havia escutado tanta mentira, já tinha se decepcionado tanto, com tanta gente que acabou entrando nessa onda também. Antes que alguém ameaçasse uma mentira, ela inventava uma mentira maior ainda, que a deixava segura por alguns segundos, e insegura pelo resto da semana.
Acabava pintando o homem mais romântico do mundo de um cafajeste, um conquistador barato, tudo por medo de se decepcionar. Fazia uma grande oportunidade de emprego parecer um serviço sem importância, com medo de mudar-se. E assim ela foi vivendo, mentia aqui, ali, costurava um retalho aqui, rasgava outro ali. Já estava acostumada com sua vida medrosa, pela metade. Não precisava de mais felicidade. Será que precisava?
- Como quer me ajudar a costurar? Meus retalhos acabaram.
- Pois te trouxe um retalho colorido, perfumado, que já te pertenceu, mas foi rasgado há algum tempo. Está remendado, com algumas marcas, mas continua belo e resistente.
- Que retalho é esse? Já tenho todos os que preciso aqui.
- É o retalho do sentimento mais nobre deste mundo.
- O retalho do amor?
- Esse mesmo. Deixe apaixonar-se Lenita! Vamos, me deixe entrar.
Lenita respirou fundo, não sabia se estava disposta a novos desafios, novas convivências e emoções. Não sabia se era a hora. Estendeu a colcha de retalhos no chão, e percebeu que faltava um retalho em seu centro. Olhou o retalho cinza em suas mãos, relembrou o passado, pensou no futuro e acreditou no presente.
- Toc.
- Quem bate?
- É a felicidade.
- Pode entrar. Entre e me ajude a costurar.

domingo, 5 de abril de 2009

Ilusões e blá-blá-blá


“Quando minhas filhas eram jovens, eu adorava levá-las na praia. Enquanto o pai delas dormia, eu as deixava sair para flertar. Sempre conheciam rapazes interessantes e diziam-se apaixonadas, demonstravam vontade de se casar, de ter filhos. Hoje, eu já não gosto mais de ir à praia, nem minhas filhas. Elas se incomodam com a areia e com a maresia. Estão separadas, sem filhos e nunca mais falaram de apaixonar-se. Acho que para mim um terço daquela ilusão acabou, mas para elas, muito mais”.
Ouvi esse relato de uma senhora de oitenta anos enquanto almoçava e me coloquei a pensar sobre muitas de minhas ilusões. Sobre todas aquelas que haviam sido concretizadas e todas as outras que se desfizeram neste um quarto de século.
Quando eu era criança brincava de casinha, sonhava em casar na Igreja, em ter filhos e em ser uma ótima dona-de-casa. Quando entrei na escola comecei a odiar os meninos e alguns desses planos se desfizeram. Eles eram chatos, quebravam nossos brinquedos e só sabiam jogar bola e nos colocar apelidos. Vivia correndo atrás deles com uma mochila cheia de cadernos nas mãos, com a intenção de surrá-los para valer.
Aos poucos o ódio tornou-se afeição e fazer amizade com os meninos parecia bem mais fácil do que com muitas meninas, invejosas e cheias de frescuras, que olhavam para o mesmo garoto e usavam mini-saia para conquistá-lo. Nessa época, as amigas eram raras, mas fiéis, do tipo que sabiam mais da sua vida do que você mesma e talvez por isso, sentiam-se no direito de escolher além do sabor de seu picolé, qual garoto deveria paquerar.
Na adolescência os sentimentos confundiam-se de tal forma que você era capaz de sentir o coração sair pela boca e suspirar toda vez que o professor de história entrava na sala e falava seu nome durante a chamada, do mesmo modo que sentia as pernas tremerem quando passava ao lado do garoto do terceiro ano, que nem sabia da sua existência, mas para você, isso não importava, a existência dele já lhe era mais do que suficiente.
É ainda neste período que os primeiros planos a dois começam a surgir, muitas vezes com o garoto do terceiro ano que nem imagina fazer parte deste sonho, mas isso não tem importância, pois, nessa época só se planeja, não se pensa em como cristalizar sonhos. E isso é tão bom! Você pode fantasiar estar casada, bem feliz, com filhos, numa casa linda, e com o garoto mais lindo do colégio, sem sequer se preocupar com as contas no final do mês, com a dor de barriga dos filhos, com seu excesso de peso após a segunda gestação ou com a careca do seu esposo. Você pode iludir-se à vontade, imaginar declarações de amor em público, rosas jogadas de um helicóptero, príncipes em cavalos brancos, tudo perfeito, lindo e sem problemas.
O problema é que quando você volta para a realidade, começa a pensar no quanto de tudo aquilo poderia tornar-se real e então perde “um terço da ilusão” ou mais. Perder um terço ou metade das ilusões não me parece tão preocupante, o que me inquieta é quando algumas pessoas chegam ao ponto de perdê-las por inteiro, e o pior, o fim de muitas ilusões dá-se frequentemente na fase em que teríamos maiores possibilidades de concretizá-las, com o perdão do neologismo, na “adultescência”.
Não acham que é muito triste mudar totalmente seus planos e deixar de sonhar por não ter conseguido comprar aquela casa linda, ou por não ter podido gerar um filho, ou ainda por que aquele garoto lindo do colégio nunca olhou para você? Pois é, mas isso acaba acontecendo constantemente e nas coisas mais simples do seu dia-a-dia, até que se torna rotina. Hoje você deixa de sonhar com o homem ideal, amanhã com o carro novo, daqui a um mês deixa de lado o sonho de ser mãe e logo em seguida o de dar a volta ao mundo em sete dias, e sabe o que isso significa?
Infelizmente tenho que dizer que você não deixou apenas de sonhar, deixou, sobretudo, de viver. Quando se perde o foco, o objetivo de nossos planos, passamos a ser meros coadjuvantes em nossas vidas, onde tudo está bom, nada precisa mudar, e só nos resta vê-la passar, de qualquer jeito, sem força para transformações ou novas ilusões. Escrevo esse texto, repetindo em voz alta cada palavra, pois tenho perdido muitas ilusões nos últimos tempos e isso é triste.
É hora de resgatar o restinho de esperança que ainda existe em cada ilusão e renová-las. É hora de relembrar o passado, criar o presente e planejar o futuro, sem medo de acertos ou erros, sem temor, apenas com uma vontade de dias melhores, repleto de novidades, de surpresas, de novos sons, gestos, gostos e prazeres.
Quando criança, os meninos quebravam nossos brinquedos, corríamos atrás deles com uma mochila nas mãos e lhes ensinávamos uma lição. Hoje, os homens partem nossos corações e nós os deixamos partir com nossa esperança em suas mochilas. E isso está certo?
Antes, quando o dono do bar da esquina te entregava uma bala a menos você reclamava e ganhava duas. Hoje somos roubados diariamente e não nos damos o trabalho de reclamar, pois isso requereria uma ação transformadora. Mas isso dá muito trabalho, não é?
Há algum tempo, quando colocavam apelidos em você, você bolava um bem pior para seu colega ou brigava com ele até ser levado à diretoria. Hoje, se te colocam apelidos ou te tratam mal, você vai para casa, tranca-se no quarto, olha-se no espelho e diz: será verdade?
Creio que já está na hora de voltarmos a nos indignar com todas as coisas e pessoas que se acham no direito de romper com nossas ilusões.
Crianças felizes não podem continuar se transformando em adultos amargos. Adultos infelizes não podem viver de lembranças da adolescência. Precisamos aprender a colocar pontos finais em nossas histórias, mas, sobretudo, virar a página e recomeçar a escrevê-las, com mais indignação, com novos planos, novas possibilidades e ilusões.
Vamos permitir que a esperança dos tempos de criança domine nossos dias, tardes e noites. Vamos consentir que o sorriso de sábado à tarde e o gosto do picolé de chocolate invada nosso coração diariamente. Vamos mais uma vez recomeçar, cair, sorrir, levantar, nos indignar e seguir em frente, sempre em frente.