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sábado, 22 de maio de 2010

A cor do acaso...


Estava mais uma vez declarando minha falta de sorte quando levei uma grande rasteira do acaso. Um daqueles tapas com luva de pelica quase imperceptíveis mas capazes de provocar enormes mudanças de valores. Um tapa lançado delicadamente, bem no momento em que insistia em cronometrar minhas ações, na ingênua pretensão de dominar meu tempo.
Poderia ser mais uma tarde de mau humor, daquelas em que ficamos remoendo aquela coisinha que podia ter dado certo e não deu; aquele minuto que poderíamos ter adiantado e nos atrasou uma hora, enfim, daquelas tardes em que se chega em casa e estufa-se o peito para dizer: que dia!
Poderia com certeza ser um final de dia assim, infeliz e emburrado. Mas não foi. Não por mim, nem por você, mas pelo acaso. Caso alguém nele não acredite e queira chamar de destino, força maior, Deus ou de simples coincidência, deixo aqui meu consentimento. Só gostaria que estas palavras fossem capazes de lhes mostrar algumas das inúmeras possibilidades que me foram apresentadas.
Havia chegado bem cedo ao trabalho, na ânsia de sair meia hora mais cedo para ter tempo de comprar um livro indispensável para minha monografia. Tudo o que precisava era me adiantar trinta minutos, apenas isso. Mas é claro que o universo costuma, nestas ocasiões, nos surpreender e conspirar contra ou a favor de acordo com o que o acaso espera do “caso” em andamento. E desta vez o acaso aparentemente estava contra mim, mas completamente disposto a me dar uma lição.
Mais uma vez o ônibus passou por mim, graças a duas palavras trocadas a mais e uma assinatura feita em cima do carimbo. Lá se foi o ônibus e meu livro. Ao observar o veículo passando me sentei no saguão e iniciei uma breve conversa sobre sorte:
- Não acredito que perdi o ônibus! Poxa vida, por causa de um minuto!
- Ah... Sempre acontece isso comigo também. Dá uma raiva não é?
- Raiva dá, mas já me acostumei. Foram tantas vezes que já nem me aborreço tanto. No início resmungava, declarava minha raiva contra a conspiração do universo, mas hoje espero.
- Ah, eu ainda me aborreço. É muita falta de sorte!
- É... Azar, falta de sorte, destino ou acaso. O fato é que o ônibus já foi.
Decidi atravessar a avenida com medo de perder outro coletivo no meio daquela falação, me despedi da colega de trabalho que ficou na porta do prédio e atravessei.
Dois minutos depois avisto um rapaz de camisa social, calça jeans, sapatos lustrados correndo bem apressado. Vinha em minha direção, quase cego de tanta pressa. Ao passar por mim, vi sua carteira cair no asfalto, bem em frente aos meus pés:
- Ei moço! Moço! Moçoooo!
- O quê?!
- Sua carteira caiu aqui!
- Meu Deus! Obrigado moça, muito obrigado! Que Deus lhe abençoe! Nossa! Muito obrigado...
E assim foi agradecendo meus ascendentes e descendentes até a nona geração. Eu sorri e disse:
- Não precisa agradecer, só tenha mais calma. A pressa é inimiga da perfeição.
Ele seguiu com passos largos, mas agora sem correr e eu me senti uma tola. Olha só quem estava falando sobre pressa, sobre ter calma.
Do outro lado da rua minha colega sorriu e disse:
- O que aconteceu ai?
- Ele perdeu a carteira bem na minha frente.
- Nossa!
- Agora entendi por que perdi o ônibus.
- Pois é, você tinha que fazer esta boa ação.
Boa ação. Foi a última frase que ouvi antes de entrar no ônibus que logo se aproximou. Frase curta, mas suficiente para me mostrar o quanto somos impacientes e mal humorados. O quanto custamos a ler nas entrelinhas e a aceitar as pedras no caminho, desacreditando no jardim que existe depois dos cascalhos.
A ação foi boa para o rapaz que com certeza teria muita dor de cabeça, mas foi melhor para mim que havia perdido a crença no acaso, no destino e novamente me permiti acreditar que algumas coisas relamente estão fora do nosso controle.
Que delícia saber que nem tudo depende da minha vontade, da minha ação. Que maravilha acreditar que coisas boas e ruins acontecem o tempo todo e temos a possibilidade de apanhá-las ou chutá-las para bem longe. Que alívio entender que nem sempre o caminho mais curto é o que tem menos curvas e que o conceito de perda de tempo é extremamente relativo.
Que sensação mágica compreender as inúmeras combinações que casualmente fazemos diariamente. Que sensação estranha e ao mesmo tempo gostosa esta do desconhecido. Que bom não ter a certeza do que acontecerá em cinco minutos ou em vinte anos. Que surpresa boa saber que existem muito mais cores neste planeta do que podia imaginar.
Que presente inestimável ganhei naquela tarde, ao abrir meus olhos para novos horizontes, repletos de cores novas, tantas cores que nem saberia calcular. Tantas cores que talvez nem consiga desvendar, mas só de saber que ali estão, que desafogo. Mesmo que por vezes demore a encontrá-las dentre tantas misturas possíveis, o fato é que elas sempre estarão lá, e mesmo que nunca as enxergue, só de saber que estas inúmeras possibilidades existem, ah que alívio! Isso já me basta.


Ilustração de: Gabriel Vicente.

3 comentários:

Paulo disse...

Muitas vezes acontecem esses "desencontros" com nossos planos, como pegar um onibus mais cedo, para que aconteçam outros "encontros" que podem nos trazer um novo olhar sobre cada acaso.

Anônimo disse...

oi

Marly Meyre disse...

ola minha nora...
como me fez bem este teu texto...
Saber que encontros e desencontros fazem com que vivamos na certeza de que não somos onipotentes e nem oniscientes.
Existe um deus que provê nossas necessidades no tempo certo; que não é o nosso.
bjus no seu coração.