Vote aqui! :)

domingo, 14 de março de 2010

Tolos multiplicadores de tempo


"A globalização não é apenas palavra da moda (...). Suas dimensões básicas, que estão revolucionando a atividade produtiva e o modo de vida neste fim de milênio, são a aceleração do tempo e a integração do espaço. O paradoxo é que embora façamos as coisas que desejamos em cada vez menos tempo, falte também cada vez mais tempo para fazer aquilo que desejamos. Quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele” (GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo).

Aquela história de aceleração do tempo me deixou bastante aflita. Confesso que já me preocupava em excesso com a organização e o aproveitamento do meu tempo e que depois deste milionésimo de segundo a menos senti a necessidade de analisar minha vida inserida na relação espaço e tempo.
Calma. Não farei nenhuma análise científica, muito menos me atreverei a falar de física, até porque nunca fui uma boa aluna nesta matéria. Até hoje não consigo entender muitas das fórmulas apresentadas em sala de aula e me basta saber que ao conseguir calcular inconscientemente a possibilidade de atravessar uma rua, sem ser atropelada, já estou utilizando de cálculos da física.
Peço licença para utilizar alguns exemplos da minha vida para ilustrar esta reflexão e mais, peço que tentem incluir seus exemplos no decorrer deste texto, pois só assim poderemos realizar uma reflexão coletiva.
Tenho passado por dias angustiantes, que se desenrolam em uma única questão: o que fizeram com as minhas 24 horas do dia?
A sensação de que o dia já foi e que nem metade da lista de tarefas foi cumprida é opressora, angustiante e diria mais, torturante.
Para entender essa angústia precisei listar todas as atividades realizadas diariamente e então ficou fácil saber para onde as 24 horas foram.
Dedico-me atualmente ao cargo de assistente social em um setor público, que raramente me permite o cumprimento de apenas 6 horas diárias, estipuladas no edital do concurso, adicionam-se as 2 horas diárias no transporte público e lá se foram 8 horas.
Além disso, preciso estudar para atender a minha teimosia de realizar duas pós-graduações simultâneas. Considerando que não tenho pique diário para a leitura de livros científicos, quando não estou estudando me dedico a pesquisas na internet e outras distrações. Estudo e computador consomem aproximadamente 3 das minhas horas restantes, e lá se foram 11 horas.
Faço questão ainda de passar pelo menos 1 hora do dia lendo o jornal local e pesquisando notícias curiosas do Brasil e do mundo que servirão de inspiração para a coluna da semana, soma-se ai mais 1 hora de elaboração e revisão dos textos, e lá se foram 13 horas do meu dia.
Há que se considerar que eu preciso me alimentar pelo menos três vezes ao dia, e que cada refeição exige tempo de preparo e de louças limpas, assim lá se foram mais 3 horas, computando 16 horas!
Lembrando que, com a conquista das mulheres no último século, tive a oportunidade de me tornar independente financeiramente e morar sozinha. Para tanto, pensando na manutenção da minha saúde, do meu nome e da minha casa torna-se indispensável encarar filas de banco e sessões de fonoterapia, discutir com a atendente da NET, trocar a lâmpada da sala, além das habituais tarefas designadas historicamente às mulheres: limpar a casa, lavar e passar roupa e fazer pelo menos uma sobremesa por semana. Dividindo estas tarefas em dias diria que lá se foram pelo menos mais 2 horas, totalizando 18.
Como ninguém é de ferro também gosto de ir ao cinema, sair com meu namorado, visitar minha família, cuidar da minha tartaruga ou ficar estendida no chão da sala escutando música sem pensar em nada. Confesso que tem sobrado pouco tempo para essas atividades, mas em termos, poderia dizer que dedico outras 2 horas diárias a esses prazeres, e enfim 20 horas!
Infelizmente ainda não sou um ser extremamente desenvolvido e necessito do sono para repor as baterias, deste modo, quando o raro silêncio da rua me permite utilizo minhas últimas 4 horas do dia para descansar.
Depois de fazer e refazer estes cálculos percebi que tenho dedicado muitas horas a coisas que podem ser importantes para outras pessoas, mas não são tão importantes para mim.
Lembro-me que quando me instalei nesta cidade, passei 8 meses me dedicando apenas ao trabalho e viajei com freqüência, conheci novas cidades e culturas, sai aos finais de semana, fiz muitos amigos, experimentei novos sabores, fui a peças de teatro e a shows em praças públicas, mas um insistente sussurro vivia dizendo que eu precisava me dedicar a outras atividades.
Não demorou muito para arrumar um outro emprego e fazer uma dupla jornada de trabalho e tão logo saí de lá iniciei uma pós-graduação e seis meses depois a outra. E hoje, olhando para isso tudo me sinto envergonhada por perguntar para onde foram minhas 24 horas.
Eu as consumi! E não da forma mais prazerosa ou mais rentável, as consumi multiplicando minhas tarefas, com a falsa ilusão de que assim conseguiria multiplicar o tempo. A verdade é que GIANNETTI está correto, “quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele”. Carecemos de tempo para subdividi-lo ao atendimento de nossas múltiplas tarefas.
O fato é que quanto mais atividades temos, mais querermos ter, numa enganosa impressão de que o tempo irá multiplicar-se para atender nossos ditames. Quão tolos somos! A humanidade adora brincar de Deus e tem arriscado até multiplicar o tempo na última década.
Gostaria de ter a percepção, e de que esta fosse coletiva, do resultado de tanta correria, pois ao avaliar ponto a ponto do meu dia, percebi que tenho tido pouco tempo para cuidar de mim e das pessoas de quem eu gosto, e isso tudo para agradar ao futuro, que pode apresentar-se promissor, mas que não me dá garantias.
A única certeza que tenho agora, a única garantia que é palpável é que o tempo não para e cabe a mim, e a você dentro da sua rotina, não multiplicá-lo, mas consumi-lo com as melhores coisas desta vida, é isso que faz o tempo render, é isso e nada mais!

Ilustração de: Gabriel Vicente.

3 comentários:

Marly Meyre disse...

Os jovens tem o desejo de fazer muitas coisas. Quando mais jovem tambem ansiei por muitas coisas - que depois percebi eram superfluas- Depois percebemos que: podemos fazer tudo, mas, temos que ter um tempo de...
vagabundar, perambular sem destino, divagar,enfim... deixar um tempo vago só pra gente.
No futuro verás q este tempo foi precioso para a realização em sua vida.
bjus no seu coração.
PS: como esta sua colega de apto?
Ela ja tem um nome?

Paulo disse...

Um texto excelente para este momento de incertezas com uma conclusão fantástica.
Concordo que tentamos fazer o máximo de coisas possíveis para tentar garantir um futuro que é incerto. O melhor a fazer é aproveitar nosso tempo da melhor forma possível com o que nos faz bem, utilizar nosso tempo com cada momento bom que nos é dado.

Wagner Nicolau disse...

as coisas são feitas para estragarem e serem jogadas fora o mais rápido possível. então precisamos de uma renovação compulsiva... acho que isso tem a ver com o tempo... vc vai sempre achar que nao tem nada, nao fez nada, ta tudo errado e tem que correr com a eficácia do tamanho da perfeição....

o tempo é hipócrita, e nunca teremos ou chegaremos a tempo a lugar algum.