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sábado, 30 de outubro de 2010

A culpa é de quem?!


Para ser bem sincera nem sei muito bem como começar este texto. A idéia está aqui na cabeça, martelando há pelo menos uns dez dias, mas o assunto não é fácil, incomoda, a mim inclusive, então não sei de que forma abordá-lo sem parecer exagerada ou melindrosa.
Acontece que andei perdendo o equilíbrio nos últimos meses, uma ansiedade sem tamanho me dominou e para domá-la comecei a comer. Comi muito, muito mesmo e como resultado ganhei novos cinco quilos, que somados aos outros sete que tinha conquistado quando aqui cheguei já significam doze.
Doze quilos a mais, peso suficiente para que o meu manequim subisse dois números e meu reflexo apresentasse abertamente, a quem quisesse ver, o resultado de tanta comilança.
Confesso que estava incomodada, principalmente pelas roupas que perdi, afinal não tenho dinheiro de sobra para renovar meu guarda-roupa e tentar usar uma roupa de cinco quilos a menos é constrangedor, para não dizer humilhante. Mas o incômodo estava interno, apenas comigo e com meu espelho.
Na semana passada, contudo fui abordada de forma muito indelicada por uma pessoa que trabalha na mesma secretaria em que atuo, que se desviou do portal ao me ver chegar e disse:
- Deixe-me sair senão você não passa.
Eu apenas a olhei, não sorri, nem disse nada. E ela continuou:
- Você engordou hein?
Mais uma vez me abstive de qualquer comentário, até por tratar-se de uma pessoa que sempre gostei muito. E novamente escutei:
- Além de ter engordado está de mau humor? Isso não é culpa minha, viu?
Terminei o que estava fazendo e sai. Chateada, incomodada e pensando na última frase que ela disse. Ela tinha razão, ela não teve culpa nenhuma. Não foi ela que ocasionou meu excesso de peso, mas a ela devo minha chateação e incômodo.
Quanto ao peso fiquei pensando no causador disso tudo e só consegui me lembrar de amigas dizendo frases soltas:
- Estava vendo fotos antigas esta semana, todas nós engordamos muito!
- Estava indo na academia, mas desisti, chego tão cansada em casa!
- Depois dos trinta anos fica quase impossivel perder peso, é bem mais difícil!
- Comecei uma dieta esta semana, mas não sei até quando vou conseguir cumpri-la!
- Meu colesterol está alto, não sei mais o que fazer!
E blá-blá-blá, toda aquela conversa de mulher depois do almoço, com relatos de inúmeras decepções e nãos. Comecei a pensar então sobre a relação do meu sobrepeso com minha rotina, que de certa forma muito se aproxima da rotina de muitas das minhas amigas e cheguei à conclusão que a culpa pelo excesso de peso é realmente minha.
Seria fácil culpar o chefe, a falta de recursos, de equipe, de tempo para viajar, para rever os amigos e estar com minha família. Seria fácil culpar a pós-graduação e a falta de descanso no final de semana, mas nem tudo é assim tão simples.
Abdiquei dos exercícios físicos porque sempre estou tão cansada ao chegar em casa que me dói só de pensar em vestir roupa de ginástica. Comecei a comer lanches e congelados porque são mais práticos, não tomam meu tempo livre. Não substitui doce por frutas porque raramente consigo pegar o mercadão aberto antes de ir para casa. Enfim, desisti de me cuidar.
E alguns poderão dizer: então a culpa não é sua, é do excesso de coisas que você faz, da sobrecarga de trabalho. E poderia até concordar se vivêssemos na época da escravidão, mas apesar de muitas coisas serem impostas eu sempre tive a possibilidade de dizer: não.
E nunca o fiz. Por medo, ou talvez por acomodação, quiça por mera esperança de que um dia tudo venha a ser melhor. E pensar que era só dizer não... Não quero mais trabalhar nessas condições. Não vou privar-me de qualidade de vida para ficar fazendo relatórios. Não vou atender meu telefone fora do horário do expediente. Não quero, não vou, não faço. Uma palavrinha tão pequena e tão difícil de ser dita.
Hoje levantei e vi meu cágado dormindo, na mesma hora pensei: que vidão! Quisera eu dormir até a hora que eu bem entendesse. Mas tão logo me vi comparando a minha vida com a de um animalzinho, e novamente senti-me incomodada, humilhada, do mesmo jeito em que me senti ao ser chamada de gorda.
Acontece que a minha cobrança é a que mais me perturba. Cobro-me dia e noite uma mudança de vida e sempre me vejo estática. Chega uma hora que isso incomoda tanto que a gente coloca para fora de alguma forma, no meu caso de forma errada, exagerando na comida. Isso não está certo.
Acomodada sei que não estou, pois continuo prestando concursos, buscando novas possibilidades, concluindo as pós-graduações que poderão me abrir novos caminhos, mas ainda assim a roupa que não serve mais, os comentários das amigas, e a fala daquela pessoa me incomodam demais.
A bronca aqui não é para quem me chamou de gorda, se bem que acho que cada um devia cuidar da sua vida e ponto, ela nem sequer imagina o mal que me causou ao dizer isso. A bronca aqui é comigo, com mais ninguém, comigo apenas.
Às vezes dá vontade de me chacoalhar e dizer: Acorda menina, vai ser feliz em outro lugar! Mas falta força, apesar do excesso de peso.
Bem, acho que é isso. Muito mais um desabafo do que um texto para esta coluna. Creio que esta é minha melhor forma de me aproximar de pessoas que também se sentem assim e que não sabem como agir. Confesso que nem eu sei ao certo a forma de superar esta fase, mas só de saber que não estamos sozinhos quando a culpa vem, já é algo muito confortador.
Uma semana repleta de abraços gordinhos a todos nós, é o que desejo!



Ilustração de: Gabriel Vicente.

domingo, 24 de outubro de 2010

E o seu um terço?


Passei por uma longa capacitação sobre o enfrentamento da violência contra a mulher nesta semana. Curso pesado, daqueles que mexem com nossos valores, que chegam a ferir por dentro, mas de uma importância tão significativa que deveria ser estendido a todos, independente da profissão, do sexo, raça ou opção sexual.
A violência doméstica em todas suas faces foi o tema mais abordado. Já atendi vítimas de violência doméstica, mas confesso que nunca soube muito bem por onde começar nestes atendimentos. Talvez por identificar uma limitação de recursos institucionais para encaminhamentos, ou pela dificuldade de manter-me neutra diante das partes ou até mesmo por não ter a dimensão da conjuntura que desenha uma agressão.
Cheguei à conclusão que todos são vítimas de violência. Independente da discussão sobre genêro e das diferenças sociais existentes entre homens e mulheres, muito além ainda de nossas diferenças biológicas, o fato é que somos criados em uma sociedade que constrói a violência dia e noite.
A começar pelos padrões de civilidade adotados por nós, cheios de machismo, de conservadorismo e senso comum. Meninos brincam com carrinho, meninas ganham panelas e ferro de passar. Meninos jogam bola, meninas ganham bonecas e brincam de casinha.
Como quebrar estereótipos tão intrínsecos, alimentados em nós desde criança? Confesso que ao lembrar da minha infância o que mais me veio à mente foram as bonecas Barbie, felizmente ainda me lembrei de corridas em carrinho de rolimã, de pipas coloridas e de subidas em árvores no sítio, tudo graças a meu pai que por talvez sempre ter sonhado com um filho homem, acabou depositando sua expectativa nas duas mulecas que Deus lhe deu.
Mas nem sempre é assim. Já vi meninos apanharem por experimentar o sapato da mãe ou pegar a boneca da irmã no colo. Da mesma forma que já vi uma garota ser recriminada por não sentar de pernas cruzadas ou por não gostar de maquiagem.
Longe de julgar a criação de cada um, a grosso modo estou querendo apontar que somos nós, em nossos padrões, em nossa sociedade machista e feminista ao extremo que criamos mulheres submissas ou solitárias e homens frustados ou agressivos.
Parece que fazemos questão de não esquecer a função social decretada a homens e mulheres na antiguidade, onde ao homem cabia a função de caçador, reprodutor e mantenedor da família e a mulher cabia apenas a gestação e cuidado dos filhos.
Este conceito é algo ainda tão arraigado que muitas vezes fica difícil acreditar. Ouvi um relato esta semana que demonstra o quanto isso ainda é presente culturalmente na vida de homens e mulheres:
Conta-se que uma jovem, em período de amamentação do quarto filho, foi orientada por uma agente de saúde a realizar o planejamento familiar, sendo instruída sobre o uso do contraceptivo oral. Residia em uma região muito vulnerável, não trabalhava devido a impedimento do marido que era extremamente machista e agressivo. Alguns meses depois, ela volta à unidade de saúde na companhia do esposo, muito bravo, que aos gritos diz a enfermeira:
- Você nos enganou!
- O que aconteceu senhor?
- Você disse para minha mulher que se tomasse todos esses comprimidos aqui, um por dia, não iamos mais ter filhos, e ela está grávida novamente.
- Mas a senhora tomou sem falhar a pílula, todos os dias? – dirigiu-se a enfermeira para a jovem.
- Eu tomei tudinho! – respondeu aos berros o esposo, impedindo que a mulher abrisse a boca.
Pois bem, mesmo depois de 50 anos da Revolução da Pílula, que provocou mudanças de hábitos sexuais significativos nos casais do ocidente e principalmente possibilitou a mulher ter o direito de escolher pela reprodução, cabendo a partir de então, a ela, decidir se teria um ou dez filhos, parece que algumas coisas não mudam.
O homem do relato anterior, com toda sua vaidade e orgulho, jamais poderia admitir que coubesse a mulher a escolha de ter mais filhos e se era para impedir a reprodução ele que o faria, optando então por tomar as pílulas no lugar da mulher.
Ignorância, machismo, prepotência, submissão? Tudo isso e um pouco mais, diria apenas que foi uma violência.
Violência dele contra ela, por humilhá-la, substimá-la e impedi-la de tomar decisões apenas pelo fato de ser mulher. Uma violência da sociedade contra ele que foi criado em uma família machista, onde o pai agredia verbalmente e fisicamente a mãe e foi assim que ele reproduziu suas atitudes com sua família. Uma violência dela contra ela mesma, mesmo que inconsciente, em uma luta diária na busca pelo rompimento de um ciclo de violência que parece não ter fim.
E finalmente uma violência de todos nós contra eles, por atribuir à ignorância, à falta de oportunidades ou ao fator econômico a consequência disso. Por culpabilizar esta mulher e dizer por entre ombros: Está assim porque quer, porque gosta de apanhar. Por fecharmos nossos olhos e ouvidos e não movermos uma agulha ao presenciarmos ou suspeitarmos de um ato de violência.
Provavelmente alguém dirá: que baboseira, o que eu tenho com isso? E então lhe pergunto: se você não provocou esta situação então o que tem feito para amenizá-la, para suprimi-la? E o seu um terço? Parte da responsabilidade é do indivíduo, parte do Estado e parte da sociedade, certo? E então, qual seu um terço?
Não precisa me responder, aliás, não pretendo com este texto criticar ou julgar atos de terceiros, muito menos instigar a paz no mundo (por mais que seja este meu desejo). Tenho apenas procurado fazer minha parte e esta capacitação foi para mim tão importante que me senti na obrigação de deixar meu um terço aqui. Minha singela contribuição para uma discussão que nos provoca indignação e aquela vergonha moral que por vezes sentimos e deixamos passar...que desta vez ela não passe, persista e multiplique-se.
Se você já foi vítima de violência, denúncie. Se você é um agressor, procure ajuda. Se você presencia ou suspeita de atos de violência ofereça seu um terço.
Provocar a mudança é preciso, para começar basta um, para vencer precisamos de mais de um milhão!
Uma semana repleta de reflexões e de sementinhas de indignação a todos nós, é o que desejo!


Ilustração de: Gabriel Vicente.