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domingo, 26 de setembro de 2010

A única certeza desta vida...

Em homenagem a querida Marly: “Até que nos encontremos novamente, que Deus te guarde na palma da sua mão”.

Sim, o assunto é delicado. Não, não terá graça alguma. Sim, com certeza você saberá do que estou falando. Não, ninguém precisa levar este assunto a ferro e fogo.
Morrer. Desencarnar, perder a vida, exalar o último suspiro, falecer, finar-se, expirar, fazer a longa viagem, perecer, abotoar o paletó, adormecer no Senhor, apagar, assentar o cabelo, bater as botas, bater o prego, comer capim pela raiz, dar a alma a Deus, dar a alma ao Criador, dar o último alento, defuntar, desaparecer, descansar, descer à terra, desviver, dizer adeus ao mundo, embarcar deste mundo para um melhor, empacotar, entregar a alma a Deus, esticar a canela, expirar, fazer passagem, fechar o paletó, fechar os olhos, fenecer, ir para a Cucuia, ir para a cidade dos pés juntos, ir para bom lugar, ir para o beleléu, ir para o outro mundo, passar desta para melhor, pifar, render o espírito, vestir o paletó de madeira, extinguir-se, acabar-se, findar. Interromper.
Morte, é este o assunto do dia, isso tudo porque, novamente, fui aproximada da única certeza desta vida. Logo eu que não sei lidar com esta situação (e quem sabe?). Nestes momentos faltam palavras, falta coragem, falta lugar para colocar as mãos, falta força para abraçar e sobram lágrimas.
Apesar de ser a única certeza da vida, ninguém sabe quando esta hora vai chegar. Ninguém consegue prever e calcular. E acho que é por isso que quando alguém morre todos ao seu redor param e veem-se obrigados a recomeçar, a reorganizar sua vida.
Seja porque aquela pessoa era sua base, seja porque era seu exemplo, sua alegria, ou ainda porque você se lembra que inclusive você e todos os que amam estão suscetíveis à morte. E isso dói. Afinal ninguém fica pensando ou planejando o dia do adeus, não é?
Espero que não me entenda mal, afinal não desejo que ninguém fique remoendo este assunto um dia inteiro, mas precisava aproveitar este espaço para mostrar o meu ponto de vista sobre isso tudo e colocar para fora o resto da minha tristeza.
É claro que a dor, o medo de não conseguir suportar, a incerteza de como serão as coisas daqui para frente são comuns a todos e é fato que depois que a perda acontece, não temos o poder de fazer o tempo voltar(bom seria se fosse possível). Mas existe um outro lado que dificilmente percebemos, seja por estar tudo turvo demais ou pela dor ser tão intensa que nos impede de ver o lado bom das coisas em um momento tão triste.
Oras! E existe lado bom na morte?! Aprendi a acreditar que sim. Principalmente por entender que a morte na verdade é só a interrupção da vida. Uma pausa para que possamos nos reorganizar e voltar para junto dos nossos, em outra forma talvez, com outro jeito, mas sempre, sempre dispostos a encontrar e cuidar de nossas almas companheiras, de nossas almas gêmeas.
A morte causa lembranças que nenhum outro sentimento é possível de provocar. Você se lembra de coisas de décadas atrás e consegue se lembrar do quanto era bom estar com aquele alguém, você consegue sorrir relembrando uma conversa, um afago e isso é bom. Bom para sua alma que ganha novas forças, bom para seu coração que aos poucos vai se cicatrizando.
A dor que a morte nos provoca realmente é perene. É uma dor que não tem cura, mas tem acalento. Datas festivas, objetos, pessoas, roupas, cheiros, tudo isso será capaz de trazer a dor de volta, mas com o tempo ela vai se acalmando e se transforma em boas recordações e naquela saudade gostosa de quem viveu tanta coisa boa.
Não tinha um convívio diário com a pessoa que nos deixou na semana passada, mas os poucos momentos que passamos juntas me deixaram deliciosas lembranças e é isso que me consola. Posso ainda afirmar que era uma pessoa tão querida que os anjos na certa fizeram fila para acompanhá-la e que agora ela está muito bem.
E é disso que estou falando, não importa o tempo que você passou ou passa ao lado das pessoas que ama, o que vale mesmo é a intensidade destes encontros. Não temos que viver cada dia como se fosse o último e jogar tudo para o alto, mas podemos aproveitar o melhor da vida a cada dia, para que quando chegar a nossa única certeza desta vida também possamos deixar boas lembranças e exemplos dignos de plágio.
A morte é parte do nosso trato com Deus. Cláusula obrigatória no contrato, impossível de modificação, isso é fato. O que é passível de mudança é a forma como a encaramos. Não é o fim do mundo é o recomeço. Para quem foi e principalmente para quem fica.
É na dor da morte que descobrimos quem somos, é ali que amadurecemos e criamos coragem para recomeçar, para mudar hábitos e posturas, para pedir perdão e dizer eu te amo. Só Deus mesmo para fazer um sentimento tão triste nos provocar mudanças tão maravilhosas... Uma semana repleta de vida a todos nós, é o que desejo.

Ilustração de: Gabriel Vicente.

domingo, 12 de setembro de 2010

O que os olhos não veem o coração sente...


Depois de um longo feriado que me rendeu muitas histórias, imaginei um retorno pacato à rotina. Um dia comum, sem muitas surpresas, sem fortes emoções ou mudanças.
No trabalho tudo bem, nada além do esperado, alguns imprevistos brevemente sanados, enfim, nada capaz de tirar meu controle e minha paz.
O final do dia chegou rápido, quatro dias longe de tudo me deu a sensação de ter ficado longe da cidade por um ano. O feriado passou rápido e o dia subsequente mais rápido ainda. Ao tentar voltar para casa consegui perder três ônibus. Dizia para mim em pensamento: Mas será possível? Três ônibus em menos de cinco minutos, só você mesmo!
Acabei entrando no primeiro ônibus que encontrei depois destes desencontros, certa de que seria o caminho mais curto até em casa. É claro que não foi assim tão curto, já que o motorista percorreu dois bairros inteiros antes de se dirigir ao meu destino final.
Só não perdi a calma graças ao prolongado descanso físico e mental e especialmente por ter entendido mais uma vez o porquê de ter perdido três ônibus antes de parar dentro deste.
Andávamos há pouco mais de quinze minutos quando o ônibus parou em um ponto sem muito movimento, vi a porta se abrir e um garoto gritar:
- Calma pai, já pedi para o motorista esperar.
Em seguida observo um senhor de quarenta e poucos anos subir os degraus com cuidado, segurando nas mãos uma guia utilizada por deficientes visuais. O garoto, de uns onze anos aproximadamente, que havia entrado primeiro, segurou a mão do pai e o levou até o banco mais alto da condução.
- É aqui que vamos sentar?
- É, daqui dá para ver melhor lá fora pai.
- Por mim tudo bem.
Sentaram-se bem atrás de mim, deste modo, mesmo que não quisesse foi inevitável escutar a conversa que se seguiu:
- Nossa, esse ônibus está vazio pai. Só nove pessoas.
- Com a gente?
- Isso, e já contando o motorista. Tem uma moça na nossa frente, uma outra moça com duas crianças do lado, um senhor lá na frente,uma menina com roupa do meu colégio do outro lado e o motorista.
- Está vazio mesmo. E o que nós vamos fazer na “cidade” (aqui as pessoas ainda têm costume de dizer que o centro é a cidade, independente do bairro em que vivam)?
- Ah, sei lá. Queria ficar um pouco sozinho com o senhor, tem coisa que não gosto de falar na frente da vovó.
- Mas quer falar sobre o quê?
- É que eu conheci uma garota na escola hoje. Tão bonita pai. Mas depois te conto que agora vou escutar essa música.
Olhei brevemente para trás e vi o garoto colocar o fone de ouvido e cantarolar alguma coisa, enquanto o pai mantinha um leve sorriso no rosto.
Pouco antes do ponto final, o garoto olha pela janela e diz:
- Nossa! Não acredito!
- O que foi filho?
- A garota pai, passando ali na calçada em frente da loja de pesca.
- A garota bonita?
- É pai, olha lá.
- Olhar para quê?
- Ah, sei lá, se não quiser olhar então imagina.
- Então me diz como ela é.
O garoto começou a detalhar a garota passo a passo, dos sapatos até o arranjo no cabelo, dizia a cor da roupa, dos olhos e até o gesto que ela fazia. Fiz questão de olhar a jovem que subia distraída rumo ao calçadão no centro, realmente uma bela garota. A descrição da jovem foi interrompida pelo questionamento do pai:
- Não passamos o ponto filho?
- Nossa! Já estamos quase, bem perto já.
- Acabou se distraindo, não é?
- É, mas acho melhor a gente dar outra volta. Não quero que ela me veja agora e ainda tenho muita coisa para te contar, pode ser?
- Por mim sem problemas – disse o pai rindo enquanto trazia o garoto para junto de si, num forte abraço.
E assim permaneceram sentados no ônibus enquanto eu descia no ponto final. Na certa fariam o caminho inverso todinho para que tivessem tempo suficiente para compartilhar aquele segredo tão importante para pai e filho.
O pai, provavelmente nunca verá o rosto, nem a roupa da linda menina que em breve será a ele apresentada pelo garoto, mas com certeza poderá advinhar seu cheiro, imaginar seu sorriso e a cor da boca pelos olhos do filho que, muito mais do que seu guia, hoje se tornou seus olhos.
Enquanto observava o ônibus se afastar, agradeci a Deus pelos meus olhos saudáveis e por ainda existir esse amor sincero e cúmplice neste mundo que anda cada vez mais cinza... Um ótimo exemplo para iniciar esta curta semana de volta à rotina.




Ilustração de: Gabriel Vicente.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Secretário do lar, sim senhora!


Realmente nunca é tarde para mudanças de concepção e esta semana tive mais uma vez a confirmação desta certeza. Acredito que as pessoas se formam de acordo com os valores e exemplos que adquirem durante toda sua vida. É por isso que pais, educadores e todas as pessoas que estão em contato direto com as crianças são tão importantes para a construção e o fortalecimento de suas personalidades.
Acontece que mesmo com o passar do tempo algumas concepções, alguns valores continuam arraigados na nossa alma como tatuagens e mesmo que se vivencie novas experiências, conheça novos conceitos, ainda assim algumas verdades continuarão eternas para cada um de nós.
Cresci em uma geração onde a mulher ainda era a única responsável pelos afazeres domésticos: lavar, passar, cozinhar, enfim, das bisavós até as mães sempre foi assim. É claro que ao longo do tempo muitas mudanças apresentaram-se, algumas incríveis, como a possibilidade da mulher trocar de papéis com o homem em algumas funções ou concorrer livremente com ele em uma oportunidade de emprego, contudo, ainda assim mesmo com a mulher invadindo o mercado de trabalho, salvo exceções, ainda é dela a responsabilidade dos afazeres domésticos.
Muitas mulheres hoje têm a possibilidade de contratar alguém para cuidar da casa, da roupa, contudo ainda assim lhes resta a função da escolha do funcionário, mostrar o que quer que seja feito,de que forma, e para isso, já dizia minha avó: só sabe mandar quem sabe fazer. É cultural as meninas brincarem de fazer comidinha e de casinha e os meninos de jogadores de futebol ou motoristas de carro de corrida. Eu pelo menos nunca vi um menino dizer que vai brincar de papai, você já?
Não quero afirmar que ainda vivemos em uma sociedade completamente machista, até por conhecer vários homens que minha avó chamaria de prendados, capazes de cuidar da sua roupa, da sua comida, da casa, mas mesmo que seja para coordenar a organização destes afazeres domésticos sempre existirá por trás deste homem uma mulher, pode ser a avó que o ensinou a fritar o ovo, ou a mãe que ensinou a utilizar a máquina de lavar, dificilmente o que sabem foi lhes ensinado por um homem.
Não acho que seja um cargo do qual devamos nos orgulhar, afinal reflete a submissão sofrida por inúmeras mulheres em um período incontável que perdura da formação da humanidade até hoje, mas este espaço, imaginava eu, sempre seria nosso.
Imaginava até hoje. E é daqui que retomo a discussão iniciada anteriormente sobre nossa mudança de valores, de concepções. Sempre que busquei uma diarista para atender a limpeza do meu apartamento solicitava uma moça de confiança, sempre assim, uma mulher que pudesse cuidar de tudo, sem me deixar com medo de chegar em casa e encontrar o apartamento vazio.
No meu trabalho sempre tive auxiliares de limpeza mulheres e nunca houve nenhum tipo de estranhamento, com a exceção das fofocas comuns onde existem muitas mulheres juntas (isso é inevitável e tenho que admitir), contudo semana passada soube da mudança da empresa de limpeza no meu local de trabalho e fui avisada que teríamos uma nova auxiliar.
No primeiro dia de trabalho da nova funcionária estava em uma reunião externa e não demorou para meu celular tocar com a auxiliar administrativa toda preocupada com a seguinte informação:
- A nova funcionária da limpeza chegou.
- Que bom! Já mostrou o prédio para ela?
- Já. Mas tem uma coisa.
- O quê? Algum problema?
- Não sei se é um problema. Mas é que quem se apresentou hoje aqui é um rapaz.
- Um homem?
- É.
- Interessante.
Confesso que me surpreendi. Não pelo fato de ser um homem simplesmente, afinal já presenciei vários homens em firmas de limpeza da cidade realizando seu trabalho como qualquer uma de nós, mas a surpresa veio quando cheguei ao prédio no dia seguinte.
O toldo da entrada estava brilhando, os vidros impecáveis, chão encerado, aquele cheirinho de limpeza que invadia o prédio todo, me apresentei enquanto o via limpar o fogão.
Um homem novo, de uns 40 anos aproximadamente, quieto e muito prestativo. O comentário no prédio entre as outras funcionárias era apenas um:
- Você viu que belezinha esse moço? Limpou tudinho!
- Pois é, nem dá tempo de pedir e ele já está limpando.
- Além de tudo é organizado.
- E o melhor de tudo, não faz fofoca.
Não faz fofoca, mas virou a fofoca da semana. Uma fofoca boa, daquelas que me fez mais uma vez repensar meus pré-conceitos e admitir que neste cargo, que foi culturalmente delegado exclusivamente a nós mulheres, existem homens que superam a muitas de nós.
Eu nunca gostei dos afazeres domésticos, sei fazer de tudo um pouco porque fui ensinada a isso, mas confesso que estou longe de limpar tão bem uma geladeira como aquele rapaz, que durante uma conversa e outra ainda me contou já ter trabalhado como diarista:
- É mesmo? Trabalhava em casa de família?
- É, antes de entrar na firma eu era secretário.
- Secretário?
- Secretário do lar, sim senhora!
E foi assim que conheci mais um personagem da minha própria história, capaz de me fazer refletir sobre um pouco de tudo e sobre o quanto ainda não sei de nada.

Ilustração de: Gabriel Vicente.