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domingo, 25 de abril de 2010

Deve ser tempo de sobra...


Acabei de perder treze páginas inteirinhas de um trabalho da Pós-graduação que preciso entregar dentro de três dias. Elas simplesmente desapareceram bem na frente de meus olhos. Já procurei nos arquivos recuperados, tentei localizar em todo o computador e nada.
Já chorei, rezei, gritei, xinguei, mas nada adiantou, então resolvi rir. Dei muita risada, mas muita mesmo, tanto ri que até gargalhei. Olhei-me de cima e pensei: Se contar ninguém acredita, deve ser pegadinha. Convivi nesse momento com uma sensação estranha, mas boa. Um alívio incrível, digno de pessoas que se salvam de um enorme sufoco.
Eu ainda não me salvei e nem sei se terei chance de consegui-lo, mas a raiva e o aborrecimento do momento já passaram.
Desisti de sair com minhas amigas para ficar aqui lutando contra um computador que não me entende e não se faz entender, definitivamente.
Já passei antivírus, programa de verificação, combo disso e daquilo e nada trouxe minhas treze páginas de volta.
Só consigo me lembrar de não ter enviado o arquivo por e-mail, nem tê-lo salvo em um pen drive. Só consigo pensar que deve ter alguém lá em cima de sacanagem comigo, rindo da minha cara e me fazendo gargalhar sozinha desta tragédia, só para não me ver surtar de verdade.
Não consigo entender o que aconteceu. Deve ser tempo de sobra de alguém querendo me testar. Ou então deve ser alguém achando que eu tenho tempo de sobra para refazer em três dias um trabalho que demorei quinze dias para deixá-lo no ponto em que estava, ainda sem conclusão nem revisão, mas quase lá.
Devem estar pensando por que estou aqui perdendo meu tempo com este texto sendo que tenho esse trabalho tão importante para refazer, e a resposta é simples: Deve ser tempo de sobra.
Já que tenho tempo de sobra para enfrentar estes obstáculos chatos e sem propósito que vivem me perseguindo, me dei ao luxo de ter tempo de sobra para colocar minhas emoções e neurônios em ordem. Restabelecer meu equilíbrio, o que consigo através de um floral que já nem tem feito mais efeito e com a escrita.
Nesse meu tempo de sobra coloco o nó da garganta para fora e posso ficar aqui, por horas, vendo o relógio virar meia-noite, escrevendo e apagando o quanto achar necessário, olhando aliviada a folha em branco se pintar de letras.
Consigo assim relembrar que algumas coisas precisam de mais tempo que outras, mas não é o tempo que dedicamos a elas que lhes imputam o grau de prioridade. A escrita que me faz tão bem, por exemplo, tem sido um luxo nos dias de hoje. Mal tenho tempo de juntar as palavras e formar frases que façam algum sentido para leitores e para mim, especialmente.
Enquanto escrevo, sempre me pego pensando: Um dia vou viver disso. Vou poder passar as melhores e maiores horas da minha existência escrevendo.
Fazer da minha terapia preferida meu “ganha pão” é só um dos meus sonhos. Sonhos que estão cada dia menos ambiciosos devido a minha falta de tempo para emoldurá-los.
Respiro fundo agora, olho para o outro documento aberto, em branco e penso se vale a pena recomeçar. Se vale a pena lutar contra o tempo e refazer em três dias o trabalho de quinze tardes e inclusive noites insones.
Não pela Pós-graduação, nem pelo trabalho, nem mesmo por mim, mas exclusivamente pelo meu tempo é que irei recomeçar.
Não seria justo perder quinze dias de trabalho, isso é tempo de mais. O jeito é me utilizar de uma ferramenta bem importante para estas situações: a paciência. Afinal, dizem que das sete virtudes esta é a mais difícil de ser desenvolvida, mas a que traz maiores benefícios.
E enquanto não desenvolvo por completo minha capacidade de manter o controle emocional equilibrado, sem perder a calma, sendo tolerante diante de fatos indesejados, permito-me este desabafo sem cor, sem som, mas repleto de significado.
Bem, é hora de agir, tentar otimizar esse tempo que me resta e provar mais uma vez, para quem adora me testar que realmente eu tenho tempo de sobra, sobretudo para as melhores, menores e mais prazerosas coisas desta vida, como este monólogo aqui exposto, por exemplo.
Ilustração de: Gabriel Vicente.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A posse é de quem?!

"Nada será legitimamente teu, enquanto a outrem faltar o necessário" (Marat).


Confesso que tive a certeza de que nesta semana não poderia me apoderar deste espaço para continuar meu diálogo, quase mudo, com vocês.
Não por não querer, ou não ter assunto, mas por não ter a clareza de como abordar um assunto muitíssimo delicado que se apoderou da minha semana.
Para tanto precisei reintegrar alguns valores e certezas, para assim restabelecer a posse deste espaço e, sobretudo de um pouco do seu tempo.
Tentando reintegrar a ordem do meu e do seu raciocínio já adianto algumas explicações que deixarão bem claras todas as posses e reintegrações aqui descritas.
No início desta semana fui convocada com outras vinte e uma colegas para atuar em uma ação de reintegração de posse. No caso em questão seria uma operação para restabelecer ao proprietário a posse de cinco blocos de prédios residenciais, que haviam sido apossados por quase cem famílias há aproximadamente seis meses.
Segundo o dicionário, o conceito reintegrar significa “restabelecer (alguém) na posse de um bem de que fora despojado”, e o termo posse, “o estado de quem frui uma coisa ou a tem em seu poder”.
Ressalta-se que ainda de acordo com o dicionário o termo apossar prevê entre seus significados: apoderar-se, invadir, dominar e o que mais me chamou a atenção: conquistar.
Em suma poder-se-ia dizer que estava atuando em uma ação que objetivava reintegrar a alguém a posse de um bem, que havia previamente sido invadido (ou conquistado) por outras pessoas.
O fato é que não me senti nenhum pouco confortável naquela situação, que se mostrou em alguns momentos um tanto quanto alheia aos objetivos da minha profissão, mas ordem judicial é ordem judicial e lá estava eu atendendo a esta convocação.
Não existe, de minha parte a pretensão de julgar as certezas e verdades das partes envolvidas neste processo, nem pretendo que pensem que sou a favor de invasões de propriedades e imóveis, ou que concordo com qualquer tipo de manifestação que venha ferir o direito e a liberdade dos outros, mas neste caso fiquei pensando que na verdade estava acontecendo uma reintegração de posse para estabelecer a alguém um bem, que havia sido apoderado por “ninguém(s)”.
A operação para cumprimento do mandato judicial iniciou-se pouco antes das cinco da manhã e estendeu-se até as nove da noite. Amparadas por quase duzentos policiais, cavalaria, cães farejadores, além da guarda - municipal, corpo de bombeiros e ambulâncias, nos dirigimos até o local em um comboio que parecia a caminho de uma guerra.
Não encontramos resistência. Apenas desespero, medo, revolta e muita indignação, inclusive de minha parte, ao ver aquelas famílias se deslocarem em baixo de chuva, ajeitando seus bens de qualquer jeito com medo de não salvá-los e lotando caminhões que iam e vinham no meio de um mar de lama.
Sei que muitas famílias, iludidas pela oportunidade de obter um imóvel, saíram de suas casas, as deixando sob cuidados de parentes ou inquilinos para ali se instalar, não sendo, portanto vítimas desta tomada de posse, contudo muitas das que ali estavam deixaram seu desespero transparecer nas lágrimas, nos abraços apertados e na dúvida: E agora? Para onde vamos?
Toda esta situação me fez pensar que a posse é mesmo muito relativa. Ao nos apossar de algo, podemos invadi-lo ou conquistá-lo, quando conseguimos a posse pela invasão, esta pode ser tirada de nós a qualquer momento. É como se pudéssemos usufruir de um espaço, de um sentimento ou de alguém com os dias contados. No entanto, quando a posse é adquirida pela conquista, não há processo de reintegração ou santo que lhe faça derrotado.
É como no amor. Invadir os sentimentos de alguém é arriscado, nunca se sabe o que esperar, pode ser que seja bem recebido, mas pode ser que seja expulso com artilharia pesada, pois impôs algo que não era agradável para a outra parte. Já a conquista... Ah a conquista! Que delícia conquistar o amor e a confiança de alguém, um processo árduo, mas que gera resultados e posses definitivas.
Penso que aquelas famílias acreditam que nunca tiveram a posse daqueles bens, penso ainda que temam nunca ter se apoderado de suas próprias vidas. Famílias com histórias de vida bem próximas de muitos de nós, pessoas que assim como eu, sonham com a casa própria, com um futuro melhor e que foram invadidos por promessas e ilusões deixadas na lama que se fez em frente aos prédios.
Creio que lhes faltou entender o conceito de conquista, especialmente aquele utilizado por Saint-Exupéry, em “O Pequeno Príncipe”, onde afirma: “Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas”. Talvez se dele se apropriassem poderiam ter saído dali carregando consigo ao menos a certeza de que todo aquele espaço, de um jeito ou de outro, já lhes pertencia. E que todas as histórias, aflições e xícaras de açúcar compartilhadas continuarão eternas na lembrança de cada família que dali saiu, marcando o barro com suas pegadas e meu coração com suas lágrimas e seu exemplo de solidariedade.
Cheguei em casa exausta, com as pernas formigando depois de tantas horas em pé, e com a certeza de que a posse reintegrada a alguém é sinônimo de bem despojado de ninguém(s). Aprendi ainda que na sociedade do “ter”, a posse de um bem pode significar muito além do que alguém.
Afinal de quem é a posse?! Daquele que a sucumbe ou de quem dela se apodera? Os abraços e lágrimas que vi naquela despedida, a troca de telefones e a devolução de panelas e roupas de cama, me fizeram ter a certeza de que a posse, por mais que se diga o contrário, continua sendo de ninguém(s), os únicos que cativaram algo real nesta operação: sentimentos e vínculos que não serão desfeitos com o tempo, nem mesmo com a implosão daqueles prédios.
Ilustração de: Gabriel Vicente.