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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Disfarce para a alma...


“E guardemos a certeza pelas próprias dificuldades já superadas, que não há mal que dure para sempre” (Chico Xavier)

Eu não sei quanto a você, mas tenho uma dificuldade incrível de disfarçar meus sentimentos. Sempre fui do tipo que se entrega com o olhar, sem tempo para desculpas ou disfarces.
Sem contar que além dos olhos tenho duas companheiras que não fazem questão nenhuma de disfarçar quando o assunto é demonstrar o que estou sentindo. Minhas bochechas. Sempre foram grandes vilãs, me entregam em qualquer situação, quando estou com raiva, quando acabei de chorar, quando conto uma mentira ou quando me sinto envergonhada.
Não importa o lugar, tão logo algo do tipo aconteça já sinto o sangue subir bem rápido e se concentrar bem ali, nas bochechas, que já são enormes e conseguem ficar ainda mais evidentes com a nova cor rosada.
Meus olhos também falam por si. Dificilmente quem me conhece realmente se convence com o meu: tudo bem, quando meus olhos estão apagados. É esse o termo que minha mãe utiliza para começar uma conversa ao perceber que algo não vai bem. Diz ela que eles perdem o brilho e ficam por assim dizer, sem vida, vazios.
A verdade é que os sentimentos não aceitam embalagem, nem disfarces. São maiores que nós, que nosso corpo e precisam ganhar espaço saindo por ai de alguma maneira. Às vezes em forma de lágrimas, outras por cores, por vezes utilizam os olhos como meio de transporte, ou a boca para anunciar que algo está fora do previsto.
Acredito que essa seja uma estratégia da humanidade. Exalar o sentimento nos possibilita a aproximação com outras pessoas, seja para compartilhar nossa felicidade ou para dividir uma dor.
Expressar bons sentimentos faz bem para a alma, nos traz auto-estima e permite vibrações tão poderosas, que são capazes de contagiar outras pessoas. O amor, a alegria que vaza pelo nosso corpo não faz bem só para nós, permite também que aqueles que nos amam e nos querem bem, sintam-se felizes.  Quem passa por momentos de extrema alegria não consegue tirar o sorriso do rosto e ganha aquele brilho diferente nos olhos que faz com que todos digam: Hum...Esse viu passarinho verde!
Já os sentimentos ruins, quando se tornam transparentes, servem como um grito de socorro. Ninguém escolhe sentir-se mal e, controlar a tristeza é bem mais difícil do que conter a euforia de uma boa notícia. Chorar quando se está triste, reclamar, lamuriar-se não vai trazer resultado para o problema, mas entendo que essa possa ser a única forma para quem está sofrendo, de livrar-se da dor.
Acontece que grande parte das pessoas tem uma dificuldade imensa de encarar o negativo, o pessimista. Se estão em uma fase boa preferem afastar-se para não se contaminar com a dor do outro. Se estão em uma fase ruim preferem isolar-se, pois a dor do outro não lhe interessa. E assim, infelizmente, alguns laços que pareciam fortes vão se rompendo.
Como já escrevi aqui em outra oportunidade, colocar-se no lugar do outro é impossível e isso não tem que ser questionado, mas respeitar a dor do outro é possível e diminuí-la também, e se quer saber, não custa nada, é de graça.
Um abraço apertado, a escuta atenciosa, uma mensagem de carinho, um pensamento positivo, uma oração, são coisas que fazem um bem danado para quem não está em uma fase muito fácil. Mas até isso para algumas pessoas parece complicado demais.
De verdade, acredito que esse tipo de gente seja o único que consegue usar disfarces para a alma. São pessoas que sofrem sozinhas, não se incomodam com o sofrimento do outro. Que raramente são felizes e quando são, não compartilham sua felicidade por medo da inveja alheia.
Quando se disfarça uma imperfeição física é possível enganar outra pessoa, o disfarce de uma dor da alma só traz engano para quem o vestiu. Se todas as pessoas assumissem seus sentimentos e permitissem olhar ao redor de vez em quando teríamos um mundo muito mais leal. E daí que as imperfeições não são atrativas? Que atire a primeira pedra quem não as têm, quem nunca passou por um dia difícil, ou gritou de alegria e foi taxado de maluco.
Particularmente não recomendo disfarces para a alma, são caríssimos e podem custar nosso maior bem: a felicidade de uma vida. Não sinta vergonha de chorar, não tenha medo de pedir ajuda, não finja estar feliz. As pessoas que realmente importam vão preferir seus olhos inchados de tanto chorar do que vê-los carregados de maquiagem.
 E tratando-se de maquiagem, é bom lembrar que até mesmo as definitivas sempre terão que ser retocadas, é trabalho demais para pouco tempo de vida, vamos ser nós mesmos e viver. Simples assim: vi-ver!

Foto de: Taline Libânio.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Para toda dor... Um remédio?!


“Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai”
(Chega de saudade – Tom Jobim)

Unha encravada, cólica de rim, dor de estômago, enxaqueca, fratura, queimadura, sapato apertado, parto normal, picada de animal peçonhento, ralado em pedregulho, dor de dente e por ai vai... São tantas as dores dessa vida que por vezes imploramos para que elas nunca mais se repitam, mas como a vida é um ir e vir em estrada tortuosa e cheia de obstáculos, por vezes nos deparamos com alguns que nos derrubam literalmente.
Mas pior que qualquer dor física creio que ter na alma uma cicatriz seja o pior dos desafios a se superar. As dores da alma não são contidas com analgésico e antitérmicos, nem mesmo com massagens e dieta especializada.
Quando uma alma se fere, provoca dores que invadem o corpo físico e chegam a nos provocar sensações que antes nunca tinham sido vividas. Um coração partido chega a doer tanto quanto se tivesse sido apunhalado, da mesma forma que uma ofensa pode nos doer como um tapa na cara. Sem contar aquela que eu classifico como a pior dor da alma, a que nos deixa sem ar e advém de uma notícia ruim.
Notícia ruim quebra a gente, parte o coração, deixa um vazio, nos faz reviver medos adormecidos e faz com que o chão saia do lugar. O inesperado nos faz perder o fôlego e por vezes nos obriga a estatizar, ficar paradinhos, sem nenhum movimento, para que a alma se recomponha e faça o corpo voltar a funcionar.
Essa semana tive uma sensação desse tipo. Notícia ruim, daquelas bem difíceis de engolir. Notícias que não deveriam nunca ser dadas, que nem deveriam existir. Notícia que mexe com a alma e o coração da gente.
Quando essa notícia faz referência a alguém querido, parece que a dor se triplica, e nem mesmo a melhor palavra de consolo é capaz de amenizá-la. Nesses momentos é até estranho quando alguém diz: Sinto muito. Pois na verdade, nenhuma palavra faz o menor sentido. A dor é tão grande que não é possível olhar para mais nada.
Nessas horas a impressão que se tem é que não existe saída. A vontade que se tem é de tomar o lugar do outro e guardá-lo junto com todas as outras pessoas que ama, em uma bolha de vidro, para que nunca, nunquinha precisem sofrer e possam viver eternamente.
Sempre fui uma defensora da vida, adoro viver e desejo viver pelo menos uns 100 anos, e acho que os anos a que cada um tem direito deveriam ser melhor distribuídos. Conheço um monte de gente que vive reclamando de tudo, que não dá valor a nada do que tem e que implica até com o fato de ter nascido, mas que vive longamente, são por ai chamados de vasos ruins (os que nunca quebram). E outras pessoas que amam viver, que valorizam cada respiro, que passam maus bocados e nunca desistem, que tem a maior fé e confiança do mundo e estão ali, sempre sendo testadas e partindo mais cedo que muitos rabugentos por ai...
A verdade é que acho que algumas pessoas deveriam ser eternas. Mãe em primeiro lugar. Pai e avós também. Quem nos dá a vida deveria ter a escolha de acompanhar cada etapa da nossa jornada, deveriam ser merecedores de viver até cansar, sem testes, sem dor, seja ela física ou da alma. Daria minha vida para que isso pudesse virar realidade. Daria todos os meus suspiros para que eles pudessem ser eternos.
Pode parecer egoísmo, mas ainda não me sinto preparada para viver sozinha neste mundão de provas e expiações. O que me ergue, me segura e ampara, o que cura minha alma e acalma meu coração é o abraço de mãe, o sorriso de pai, o colo dos avós...É disso que preciso para viver até os 100 anos, então espero que logo se crie uma forma de fazê-los viver até os 200 anos pelo menos.
Ou quem sabe, para acabar de vez com tanta incerteza e sofrimento, seja possível produzir latas com beijos de mãe, caixas de abraços de avó, sacos de risada de pai, bolsas de conselhos de mãe... E o mais importante, algum remédio bem poderoso e baratinho para acabar com a saudade, a pior dor da alma já diagnosticada e ainda sem remédio, nem solução...

Foto de: Taline Libânio.

domingo, 14 de abril de 2013

Coloque-se!


"Cada um sabe a dor 
E a delícia 
De ser o que é..."
(Dom de Iludir - Caetano Veloso)

“Coloque-se no meu lugar! Queria ver se fosse com você!”.
Posso apostar que você já disse isso ao menos uma vez na vida. Geralmente a frase supracitada é utilizada em momentos de raiva, indignação, onde o sentimento de injustiça fala alto e o mundo simplesmente parece tornar-se um grande inimigo, onde ninguém, absolutamente ninguém te compreende.
Eu já cometi esse erro diversas vezes. Não sei nem por quantas vezes me utilizei da frase acima para tentar justificar alguma angustia, utilizando-a como o prefácio de uma explicação que geralmente acabava com lágrimas e muito arrependimento.
Recentemente inclusive, ao me indispor com uma amiga fiz uso da máxima: e se fosse com você, iria gostar? Mas acontece que a pimenta nos olhos do outro, pode até não ser refresco, mas não faz diferença alguma para o acusador. Não ter vivenciado uma situação, faz com que ela torne-se totalmente indiferente para a maioria das pessoas e isso significa ser alheio a sentimentos e suas consequências.
É justamente por isso que acredito que utilizar essa frase é cometer um erro. Diria ainda que se trata de erro gravíssimo, visto que por mais que você detalhe, desenhe e suplique,  o outro (seja ele homem, mulher, sua melhor amiga ou namorado) jamais irá entender o que você está sentindo.
A verdade é uma só, não se pode exigir do outro o conhecimento de situações que só você vivenciou. Cada um sabe o que viveu, como viveu e o que cada palavra, cada ação trouxe como consequência para sua vida. Uma ofensa ou apelido na infância pode ser tirado de letra por um garoto despachado, mas pode trazer crise de baixa estima eternamente para uma garota tímida.
As pessoas até podem imaginar, supor e respeitar o que você está sentindo, mas jamais saberão qualificar a intensidade daquela emoção. Não poderão avaliar o quão dolorosa e insistente ela é, pois simplesmente não viveram nada daquilo.
A dificuldade maior está em aceitar que o outro não tem a obrigação de saber como você se sente. É aqui que acabamos nos sentindo injustiçados, traídos, toda vez que algo que foge do nosso controle acontece. Ter essa atitude vinda de alguém que se quer bem então! É como se o mundo parasse de girar e te desse um belo puxão de tapete.
Mas para tentar superar essa dor vale lembrar de todas as vezes em que você também já ouviu essa frase. Quantas vezes alguém já não te pediu para colocar-se em seu lugar e imaginar-se em uma ou outra situação. Na certa você, assim como eu, fez um esforço absurdo e até imaginou-se vivendo cada momento, mas aposto que no final pode ter dito: e o que tem demais nisso? Se fosse comigo tudo bem.
E é aqui que começam as maiores, mais agressivas e intermináveis brigas de relacionamento. E quando digo que a arte da vida é relacionar-se não falo estritamente da relação afetiva. Relacionamo-nos 24 horas por dia, seja em casa, no trabalho, na fila do banco, no ponto de ônibus. Estar vivo, viver em sociedade significa relacionar-se e isso nem sempre é fácil.
Acontece que as maiores mágoas acontecem por parte daqueles que nos são mais próximos e isso pode parecer estranho, mas no fundo é um tanto quanto óbvio. Quando alguém tece uma crítica ou faz algo que não aprovamos isso nos dói, mas se essa ação vem de um estranho temos mais facilidade de deixar pra lá. Já quando parte de alguém próximo chega a rasgar a alma enquanto você pensa: mas logo você que me conhece tão bem foi capaz de fazer ou dizer isso?
E então eu volto ao início desse texto. Essa pessoa que te chateou e te conhece tão bem e quer tanto o seu bem, já deve ter ouvido sua história mil, cem mil vezes, já pode ter se sensibilizado com alguma coisa que te aconteceu, mas por mais que ela te conheça, que ela te ame, que ela tente, ela jamais conseguirá sentir o que você sentiu nos piores e melhores dias de sua vida.
Essa intensidade é única, e ainda bem. É ela que faz com que as pessoas sejam diferentes, que cada um sinta e pense de forma diferente diante de uma situação. É ela que faz que algumas pessoas gostem de calor e outras de frio. Que algumas amem a lua e outras morram de medo do escuro, que algumas adorem aparecer em fotos e outras não consigam se enxergar fotogênicas nem em um book profissional.
Então meu querido leitor, antes de usar essa frase e apontar o dedo para o seu umbigo, lembre-se que (feliz ou infelizmente) ainda não possuíamos a capacidade de nos colocar no lugar do outro, por melhores que sejam nossas intenções. Coloque-se no seu centro, no seu limite, no seu lugar e abra espaço para que o outro não ocupe seu lugar, mas esteja ao seu lado, de mãos dadas, tentando compartilhar a dor e deixando aos poucos que as sensações ruins um dia tornem-se apenas más impressões.
É o que pretendo fazer de hoje em diante. É o que desejo, de coração, para mim, para você e para todos aqueles que já tentaram e não conseguiram estar no lugar do outro. E se existir algum cientista interessado em criar uma máquina que seja capaz de transferir sentimentos, diria que é melhor deixar para lá, já temos problemas demais com as nossas “delícias e dores” cotidianas...

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Cinco fatos...


"(...) Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor"
(A banda - Chico Buarque)

Dia desses um amigo me pediu para elencar os cinco fatos que seriam mais marcantes em uma vida. A pergunta era parte de uma pesquisa e em breve deveria tornar-se uma bela poesia se bem o conheço, aliás, me orgulho de ter amigos que vivem da arte, ou pelo menos reservam parte do seu dia para não deixar que ela sucumba.
Tenho amigos músicos, compositores, desenhistas, poetas, contistas, pintores, fotógrafos e aqueles que fazem arte com sua fala, sua risada e seu jeito de deixar o mundo mais colorido com um olhar diferenciado. Creio inclusive, que a característica comum a todos esses artistas seja o olhar diferenciado. Aquele olhar que vai além das aparências, que sobrepõe a primeira impressão e consegue captar sentimentos até em pedras.
Mas voltando ao desafio colocado pelo amigo poeta e desenhista, diria que me fez pensar que a vida é muito maior do que cinco fatos marcantes e que seria injusto citar um ou dois acontecimentos de forma que parecessem mais especiais que outros.
Acontece que mesmo tentando, não consegui separar apenas cinco fatos que poderia considerar os mais marcantes da minha vida. Tentei então, ampliar o horizonte e elencar cinco fatos que seriam os mais marcantes na vida de qualquer pessoa. E confesso que a tarefa mostrou-se ainda mais complicada.
Ao visionar uma vida que não era a minha cai no difícil dilema de escolher algo que nunca tinha sido vivido e não poderia ser avaliado como positivo ou não. Pensei que um fato marcante na vida de uma pessoa seria o nascimento de um filho, por exemplo, mas como poderia assegurar isso se nunca o vivi e mais, tenho relatos de amigos que afirmam categoricamente a riqueza da maternidade/paternidade e já presenciei mães rejeitar os filhos e transformar a maternidade em algo incrivelmente tenebroso.
Acho que o que acontece é que temos a mania (a terrível mania) de confundir bons momentos com desejos não realizados. Temos o costume de exaltar algo como primordial até que ele aconteça, pois depois do primeiro segundo efetivado parece que vai desgastando, perdendo a cor e o que era pra ser a realização do maior sonho do mundo, torna-se apenas mais uma conquista.
Talvez seja por isso que tive tanta dificuldade de elencar cinco fatos marcantes. Ao lembrar-me de algo incrível que já tinha vivido, logo me passava pela cabeça algo mais recente e depois algo que ainda não tinha se concretizado, mas que com certeza deveria ser uma sensação e tanto.
Vou dar um exemplo claro, quando tentei responder a pergunta nem sequer citei meu primeiro salto de paraquedas. Acontece que esse era um sonho de adolescência e tornou-se a vitória do século, até que veio o segundo salto e depois o salto de paraglyder e transformaram aquele desejo maior do mundo em apenas mais uma ação realizada. Como se saltar de paraquedas fosse como ir à padaria e pedir dois pães todos os dias.
Cheguei a criticar o amigo pesquisador dizendo que perguntas desse tipo não deveriam ter limite de resposta, por crer que cada momento, cada sensação, cada ação é única e mesmo que seja repetida, mesmo que seja novamente idealizada nunca mais será como a primeira vez. Então seria injusto e praticamente impossível comparar a entrada na faculdade com a vista do primeiro pôr-do-sol, ou a primeira grande viagem com o nascimento de um filho, por exemplo. Ter que enumerar o que seria mais ou menos marcante acarretaria em deixar buracos na colcha de retalhos que costumeiramente chamamos de vida.
Mas pensando bem, a dificuldade em elencar os fatos deu-se justamente pelo contrário. Não pelo valor que cada conquista teve, mas pela perda de seu valor após ter sido conquistada. E quando percebi isso, fiquei extremamente incomodada.
O incomodo maior surgiu porque a vida continuará sendo feita de momentos, de escolhas, de sensações e emoções, contudo pode findar-se amanhã e não ter tido valor nenhum, pois ao invés de colocar as conquistas na estante temos o péssimo costume de colocá-las embaixo da cama, na intenção de sobrar na estante mais espaço para novas conquistas. E isso não é de todo mau, o único problema é que quando não valorizamos as conquistas e focamos apenas no que ainda queremos conquistar parece que nossa vida não valeu de nada.
É como se nadasse, nadasse e morresse na praia todos os dias, já que nenhuma conquista é lembrada, nenhum esforço foi válido, nenhuma escolha fez sentido e a vida vai ficando chata, sem graça, cinza e você vai ficando desanimado, triste, chateado e o pior, atribui isso tudo a qualquer coisa menos ao real motivo.
Então, meus caros leitores e amigos, vou fazer questão de iniciar uma lista não com cinco, mas com cinco mil fatos marcantes que fazem parte da minha vida. E o verbo no presente aqui é proposital, pois não é porque já aconteceram que deixaram de ser importantes, qualquer fato é e sempre será responsável por eu ser quem sou hoje. E desses cinco mil surgirão outros cinco e mais cinco e poderão me mostrar o quanto venci, o quanto conquistei e o quanto valeu a pena todo e qualquer esforço. Que tal começar sua lista também?

Foto de: Taline Libanio.

A vidraça



Já tinha ouvido falar que não existe nada tão ruim que não possa ficar pior, que desgraça pouca é bobagem e que se existe a possibilidade de algo dar errado, dará e da pior maneira possível. Aliás, o primeiro texto desta coluna falava justamente sobre essa máxima de Edward Murphy.
No dia em que me mudei para o apartamento onde moro, percebi que uma vidraça da janela da sala estava trincada. Apontei essa informação na vistoria e solicitei a troca, mas ouvi do corretor que não se fazia necessário e que quando quebrasse eu poderia solicitar o pedido novamente.
Fiquei por quase dois anos com a vidraça trincada. Em dias de chuva forte até sentia um frio na espinha com o barulho provocado pelo vento que chacoalhava o vidro e sempre pensava: de hoje não passa.
Mas como disse anteriormente, se é pra dar errado que dê no dia em que as coisas já estão todas fora do lugar. E foi assim, no dia em que tive a minha primeira (e espero última) crise de labirintite que a vidraça quebrou.
Diante da impossibilidade de andar em linha reta, pensar na troca da vidraça foi algo que realmente passou longe de meus planos durante os dez dias em que fiquei acamada. Mas de volta a rotina, tratei de correr atrás do reparo e qual não foi minha surpresa quando descobri que seria muito mais difícil trocar essa vidraça do que subir com um sofá nas costas por doze andares de escada.
Fiz contato com seis vidraçarias, apenas uma dispôs-se a encaminhar um funcionário para verificar se o serviço poderia ser feito, as demais negaram inclusive a visita, logo de cara. Tantas negativas deram-se pelo fato do vidro estar na janela do 12° andar de um prédio que não tem sacada.
Uma das vendedoras me disse que em prédios antigos é mais difícil realizar o serviço, pelo fato do vidro ser colocado com massa e ter que ser trocado de fora para dentro. Ela ainda disse que entendia minha dificuldade, mas devia o empecilho da visita ao risco de queda.
Fiquei pensando depois das ligações que a dificuldade de hoje, deu-se pelo cuidado do passado. Antigamente as coisas eram feitas para durar (inclusive as não materiais). Não se pensava nas substituições e reparos. Diferente de hoje que a maioria das relações são superficiais e os móveis vêm com etiqueta de garantia e termo de validade, cogitar a troca de um vidro colocado no 12° andar em uma estrutura de ferro não se fazia necessário.
O fato é que a vidraça ainda continuava quebrada e ninguém queria se arriscar a fazer o serviço. O jeito foi agir por conta própria. Se desejar uma coisa bem feita, faça você mesmo. Certo? Correto, mas apesar de adorar desafios, não foi dessa vez que me pendurei no alto do 12° andar. Tratei de usar meu poder de argumentação e exigir uma ação da imobiliária para que tudo fosse resolvido, pois já tinha passado um apuro com uma chuva de vento que adorou invadir minha sala pela fresta quebrada da vidraça.
Consegui através da imobiliária, que pela primeira vez em dois anos agiu de forma rápida, um senhor, perto dos setenta anos que gostava de brincar de homem aranha e não se importou em ficar pendurado, com parte do corpo dentro e parte fora do prédio para realizar a troca.
O senhor olhou o vidro com cuidado e foi cortando pedaço por pedaço, até retirá-lo por completo. Depois, mediu o vidro que havia trazido, fez alguns recortes, passou a massa em volta de toda a moldura e... Bem, quando ele colocou a ponta do vidro na janela, presenciei uma cena de desenho animado. O vidro trincou-se inteirinho.
Muito sem graça, o senhorzinho virou-se pra mim e disse: Eu troquei uns vinte vidros semana passada e não aconteceu isso, a senhora me desculpe, mas vou ter que buscar outro.
Enquanto o acompanhava até a porta me senti culpada por não tê-lo alertado de que seria estranho se o vidro não trincasse, visto que as coisas comigo sempre acontecem no nível hard de dificuldade, mas achei melhor evitar outras explicações e quiçá a cobrança pelo vidro trincado devido a minha suposta “falta de sorte”.
Depois de cinquenta minutos ele voltou com um vidro mais grosso e garantindo que aquele ali era o melhor, seria trinta reais mais caro, mas não ia quebrar nunca mais. Olhei bem para os seus quase setenta anos e acreditei. Afinal antigamente as coisas eram feitas para durar e as pessoas costumavam ter mais palavra do que hoje em dia.
Finalmente o vento deixava de entrar sem ser convidado na minha sala. Agora posso olhar a vista em dias de frio sem cicatrizes, enquanto penso no que dentro de mim também deve ser feito para durar, como as coisas de antigamente e aquilo que devo colocar para fora, junto com os cacos da antiga vidraça...

Foto de: Taline Libanio.